Numa altura em que em França, Macron dá
mostras de um líder desorientado perante o movimento dos “coletes amarelos”,
cedendo a várias das suas reivindicações, depois de ter ateado um fogo que
agora parece difícil de controlar sem a demissão do presidente francês, podemos
ler no “Público” de hoje um excelente artigo de opinião assinado pelo líder parlamentar
do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, que tem como tema de fundo a situação
que actualmente se vive em França.
Muita gente constata aquilo que já aqui
escrevemos no sentido de que, mais uma vez, a força da rua, quando está motivada,
é capaz de fazer vergar até o poder mais forte. Neste particular é grande o
significado do “enorme apoio do povo francês aos “coletes amarelos”.
Emmanuel Macron sonhou alto. Tão alto, que quando
convidado a escolher que tipo de chefe de Estado seria, nomeou-se presidente
Júpiter. Para ele, nada menos que o lugar do rei dos deuses, o topo da
hierarquia da mitologia romana. Ora, já diz o ditado que “quanto mais alto,
maior é o tombo”. Os “coletes amarelos” aí estão para demonstrar
inequivocamente que Macron é feito de carne e osso.
O movimento dos “coletes amarelos” é um grito contra Macron. A palvra
de ordem “Macron démission” não deixa dúvidas sobre o alvo ou o objetivo.
Mas, é mais do que isso, é o levantamento de um povo que recusa vergar-se às
desigualdades e à pobreza.
O anúncio de um novo aumento dos combustíveis foi o
rastilho do levantamento popular. Num país em que dois terços da população
ativa trabalha fora da sua localidade de residência e, destes, 80% usam o seu
veículo pessoal para essas deslocações, a notícia caiu que nem uma bomba. O
governo queria taxar mais 6,5 cêntimos por litro o gasóleo em 2019, depois de
já ter aumentado 7,6 cêntimos por litro no início de 2018. E prometia novos
aumentos de 6,5 cêntimos por ano para 2020 e 2021.
A explicação do governo francês para
este aumento era uma rotunda mentira: dizia que fazia parte de uma estratégia
de combate às alterações climáticas. Só que, ao mesmo tempo, propunha cortar em
mais de 11.000 quilómetros a linha férrea francesa. A cereja do topo do bolo
deste embuste era o desvio de 500 milhões de euros da taxa sobre combustíveis
para tapar o buraco do défice orçamental e compensar a eliminação do Imposto
sobre as Grandes Fortunas.
Tirar aos pobres para dar aos ricos. Sacrificar quem
já tem salários baixos para proteger as fortunas. Aumentar os impostos sobre os
trabalhadores para manter as mega isenções fiscais aos grandes grupos
económicos. Cortar no Estado Social e nas conquistas sociais de décadas, para
garantir mais mercados para os lucros da elite. Assim tem sido a política de
Macron. Por isso mesmo, os “coletes amarelos” mudaram-lhe o cognome para “o
presidente dos ricos”.
Este contexto explica como o movimento dos “coletes
amarelos” tem um enorme apoio popular. É um movimento genuinamente popular, um
levantamento de quem tem ficado para trás na corrida da globalização. Por isso
mesmo começa nas periferias, para onde são empurradas as carteiras mais vazias
e as contas bancárias menos recheadas. Mas, como o ataque é generalizado às
classes médias e baixa, constrói pontes entre trabalhadores e trabalhadoras,
pensionistas, trabalhadores independentes e de pequenos empresários.
Alguns assustam-se com a violência das ruas, outros
apontam os oportunismos de quem pilha as lojas. Já dizia Brecht que “do rio que
tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que
o comprimem”. O enorme apoio do povo francês aos “coletes amarelos” mostra que
a maior violência é o dinheiro acabar antes do fim do mês.
Macron, que surfou a onda do descrédito
dos partidos políticos para chegar ao poder, está agora a ser engolido pela
afronta da sua agenda ultraliberal e a provar o mesmo veneno. Os projetos
liberais, neste século XXI, têm vida curta e são apenas uma cilada para votante
desprevenido, que o digam os eleitores do Partido Socialista Francês enganados
pelo En Marche. O
silêncio de Macron, que demorou 21 dias para falar ao país, foi sentido como
desprezo perante o seu povo. Os muros do Eliseu nunca pareceram tão altos.
Veremos se as cambalhotas de ontem, onde Macron desautoriza o governo e propõe
aumentos do salário mínimo, chegam para acalmar o povo.
Há quem diga que os “coletes amarelos”
são de extrema-direita, apesar disso já ter sido rejeitado. Há quem diga que
são da esquerda radical, apesar disso não estar ainda provado. Creio serem a
voz mais audível da população que está a ficar para trás com a globalização,
com o dumping dos
direitos laborais e rendimentos, com o desemprego, com dirigentes políticos
corruptos e aldrabões, com economias que continuam a servir a especulação à
custa do empobrecimento generalizado. Este é “o sistema”.
Se a extrema-direita acena com discursos populistas para responder a
este descontentamento, a verdadeira resposta para um melhor futuro da população
encontra-se à esquerda. É que só à esquerda se sabe dar nome “ao sistema”:
chama-se capitalismo. E só deste lado tem uma alternativa.
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