Um tema de evidente pertinência e
actualidade, que diz directamente respeito à vida das pessoas é o da procriação
medicamente assistida (PMA) . Trata-se de uma situação que “materializou o
sonho de parentalidade de milhares de homens e mulheres” subitamente
interrompido por uma deliberação do Tribunal Constitucional em Abril passado. “De
um dia para o outro, milhares de projetos de parentalidade foram declarados
ilegais” no seguimento “de um pedido de inconstitucionalidade feito pelo CDS”.
Perante uma gigante incerteza, “a PMA
regressa a debate no Parlamento na próxima quinta-feira, pela mão do Bloco de
Esquerda”, numa tentativa de encontrar uma solução urgente para um problema que
deixou em suspenso “milhares de projetos de parentalidade” como afirma Pedro
Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda no seguinte artigo de
opinião que assina no “Público” de hoje.
A procriação medicamente assistida (PMA)
materializou o sonho de parentalidade de milhares de mulheres e homens. No
nosso país, nasciam mais de 3 mil crianças por ano com recursos a técnicas de
PMA. Um exemplo de sucesso, subitamente interrompido em abril passado.
A decisão caiu como uma bomba. A deliberação foi do Tribunal
Constitucional (TC), no acórdão sobre as Leis n.º 17 e n.º25 de 2016, que,
respetivamente, alargava o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação
medicamente assistida (PMA) e regulava o acesso à gestação de
substituição. De um dia para o outro, milhares de projetos de
parentalidade foram declarados ilegais. E, onde havia estabilidade e
previsibilidade jurídica, ficou um vazio legal, fruto de um pedido de
inconstitucionalidade feito pelo CDS.
O TC não deu nenhuma razão ao CDS. Mas,
aprofundando a avaliação aos diplomas, considerou que o anonimato dos dadores
de embriões e gâmetas era “uma restrição desnecessária aos direitos à
identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas
em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou
embriões, incluindo nas gestações de substituição”, impossibilitando a
utilização de material genético doado de forma anónima.
O que fazer? Que
medidas tomar relativamente aos tratamentos em curso? Qual o destino a dar aos
embriões criopreservados produzidos com recurso a gâmetas de dadores anónimos?
Que seguimento dar aos embriões criopreservados para os quais foi prestado
consentimento para doação anónima a outros beneficiários? O que fazer com os
gâmetas criopreservados doados em regime de anonimato? Como compatibilizar os
direitos das pessoas nascidas com recurso a gâmetas ou embriões doados em
regime de anonimato com o direito dos dadores à manutenção do sigilo quanto à
sua identidade civil legalmente consagrado à data da doação? Estas são as
perguntas que o Conselho Nacional de PMA elencou e que resumem o imbróglio
jurídico criado.
A incerteza é gigante. Há 8 mil embriões
que correm o risco de destruição. Há mulheres ameaçadas pelo correr imparável
do tempo, que estão a atingir a idade limite para tratamentos de PMA. Há ciclos
de tratamento iniciados que estão em risco de voltar à estaca zero. Há centenas
de projetos de parentalidade congelados, que foram obrigados a interromper os
ciclos e procedimentos pois o material genético que estavam a utilizar era
proveniente de dador anónimo. Há as listas de espera que engrossam sem
quaisquer respostas sobre o futuro. Perante esta realidade, a fronteira voltou
a ser sinónimo de solução, pelo menos para os casos de PMA heteróloga,
procurando em Espanha o que se tornou impossível em Portugal. É, por isso
mesmo, urgente resolver o nó jurídico em que se encontra a PMA no nosso país.
Para resolvermos os problemas, a PMA
regressa a debate no Parlamento na próxima quinta-feira, pela mão do Bloco de
Esquerda, que reservou a agenda do dia para esse nobre objetivo. O repto está
lançado a todas as bancadas parlamentares, num tema que tem de estar acima das
lutas político-partidárias.
As soluções começam pela definição de um
período transitório, que retire do abismo da destruição o material genético
recolhido sob o regime de anonimato anterior ao acórdão do TC. É indispensável
para garantir a conclusão de tratamentos e procedimentos em curso, tendo em
especial conta a escassez de gâmetas já existente. Para o futuro, é necessário
criar um novo regime legal, onde se respeita o direito de acesso a dados civis
do dador ou dadora por parte da pessoa nascida de procedimentos de PMA,
cumprindo a decisão do TC.
Uma última palavra sobre as necessárias
alterações ao regime da gestação de substituição. Relembrar que este regime foi
criado para que as mulheres em situação de doença grave, caso de mulheres sem
útero ou com uma lesão grave que impossibilite a gravidez, não fiquem impedidas
de concretizar projetos de maternidade. O TC declarou-o constitucional, uma
enorme vitória, mas exigiu que fossem salvaguardados os direitos da gestante. Isso
só é possível se a gestante de substituição possa revogar o seu consentimento
até ao momento de registo da criança nascida.
O objetivo é colocar a ciência ao serviço dos projetos de parentalidade e a
lei a defender esses avanços.
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