terça-feira, 18 de dezembro de 2018

SOBRE ENGENHARIAS ELEITORAIS


Não é novidade para ninguém que, em várias partes do mundo, os poderes estabelecidos, representantes da minoritária classe dominante, engendram todos os esquemas possíveis para fugirem à defesa dos interesses da maioria da população. Há, por assim dizer, engenharias eleitorais que, como acontece nos Estados Unidos, o partido (ou o candidato) mais votado não é proclamado vencedor. O exemplo mais recente tem a ver com a eleição de Trumpo que não teve a maioria dos votos. Nada que incomode muito os construtores de opinião que ouvimos e lemos todos os dias. A regra básica de uma democracia é que o vencedor de qualquer pleito eleitoral seja aquele que tem mais votos. O que acontece nos EUA, ainda é desconhecido por muita gente, pelo que é muito importante a sua divulgação por se tratar da chamada pátria da democracia.
De qualquer maneira, há mais situações que é importante denunciar porque são atropelos claros às regras da democracia a que é preciso pôr cobro. Neste curto texto que deixamos a seguir, Francisco Louçã aborda, no “Expresso” Economia, o tema das engenharias eleitorais que constituem um logro para as populações.

Uma das bizarras promessas de Macron foi que os votos brancos passariam a ser considerados na contagem eleitoral. Não se sabe como, o que não é pouco: presumindo que não são designados deputados pelos votos brancos ou que não são anuladas as eleições se eles forem em proporção importante, fica por saber como se pode exprimir democraticamente a vontade de alguém que tanto pode ter protestado como hesitado na escolha. Mas o problema de interpretar o sentimento indecifrável do voto branco é menor do que a demagogia de quem promete o que não sabe nem pode cumprir. Macron está assustado e inventou uma proposta inconsequente.
Aliás, a tentação de prometer inovações eleitorais perante qualquer pressão pública não é exclusiva do Presidente francês. Pode mesmo dizer-se que é uma constante universal. O recurso à engenharia eleitoral é um dos segredos mais conspícuos do nosso tempo e um exercício esperado de quem que se sente ameaçado. Assim, os democratas têm mais 14 milhões de votos do que os republicanos, mas ficam em minoria no Senado. Trump perde as eleições populares por 3 milhões de votos e é eleito Presidente. Um partido ganha as eleições britânicas para o Parlamento Europeu (proporcionais) e fica com 2 em 600 deputados nas eleições legislativas (por círculos uninominais). Macron pode ter 30% e depois conseguir, pela magia uninominal, uma aterradora maioria de dois terços.
Ora, de todas as formas de engenharia eleitoral, a mais eficaz e, portanto, a mais repetida, também a mais delinquente, é essa dos círculos uninominais, que exigem maioria em cada circunscrição e que, desse modo, anulam a proporcionalidade. Se houvesse em Portugal um sistema destes, só haveria deputados do PSD e do PS, talvez um ou dois do PCP. Mais de um terço dos eleitores deixaria de estar representado. Para cobrirem tal descaramento, os promotores da ideia sugerem compensar a distorção com um círculo nacional ou com outros modos de contabilidade que transformariam as eleições numa charada. O facto teimoso de toda a gente perceber hoje como são eleitos os parlamentares incomoda esta mecânica.
A experiência brasileira não ajuda essa proposta de mudança do sistema eleitoral. No Brasil, os deputados também são votados individualmente, disputando dentro de cada partido os lugares, o que estimula uma corrida ao dinheiro e permite que seitas, gangues e empresas se façam representar. Seria o que aconteceria em Portugal com os círculos uninominais, que exigiriam primárias dentro de cada partido, a porta de entrada para essas forças. Esta proposta promove o avanço da corrupção do sistema político.
Resta a demagogia. Na plataforma da imitação lusitana dos “coletes amarelos” repete-se a frase mais popular de todos os populistas: menos deputados, agora com a ideia atordoante de “só 4 deputados por cada região”. Presumindo que os autores não se referem só à Madeira e aos Açores, teríamos assim que Portalegre passaria a eleger o dobro dos deputados, tantos como Lisboa, que tinha 48. Ou seja, numa parte do país, 8 mil votos elegem um deputado, noutra são precisos 200 mil. Nesse sistema de batota, a única pergunta seria se vale a pena votar.

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