Não é novidade
para ninguém que, em várias partes do mundo, os poderes estabelecidos,
representantes da minoritária classe dominante, engendram todos os esquemas
possíveis para fugirem à defesa dos interesses da maioria da população. Há, por
assim dizer, engenharias eleitorais que, como acontece nos Estados Unidos, o
partido (ou o candidato) mais votado não é proclamado vencedor. O exemplo mais
recente tem a ver com a eleição de Trumpo que não teve a maioria dos votos. Nada
que incomode muito os construtores de opinião que ouvimos e lemos todos os
dias. A regra básica de uma democracia é que o vencedor de qualquer pleito
eleitoral seja aquele que tem mais votos. O que acontece nos EUA, ainda é desconhecido
por muita gente, pelo que é muito importante a sua divulgação por se tratar da
chamada pátria da democracia.
De qualquer
maneira, há mais situações que é importante denunciar porque são atropelos
claros às regras da democracia a que é preciso pôr cobro. Neste curto texto que
deixamos a seguir, Francisco Louçã aborda, no “Expresso” Economia, o tema das
engenharias eleitorais que constituem um logro para as populações.
Uma das bizarras promessas de Macron foi
que os votos brancos passariam a ser considerados na contagem eleitoral. Não se
sabe como, o que não é pouco: presumindo que não são designados deputados pelos
votos brancos ou que não são anuladas as eleições se eles forem em proporção
importante, fica por saber como se pode exprimir democraticamente a vontade de
alguém que tanto pode ter protestado como hesitado na escolha. Mas o problema
de interpretar o sentimento indecifrável do voto branco é menor do que a
demagogia de quem promete o que não sabe nem pode cumprir. Macron está
assustado e inventou uma proposta inconsequente.
Aliás, a tentação de prometer inovações
eleitorais perante qualquer pressão pública não é exclusiva do Presidente
francês. Pode mesmo dizer-se que é uma constante universal. O recurso à
engenharia eleitoral é um dos segredos mais conspícuos do nosso tempo e um
exercício esperado de quem que se sente ameaçado. Assim, os democratas têm mais
14 milhões de votos do que os republicanos, mas ficam em minoria no Senado.
Trump perde as eleições populares por 3 milhões de votos e é eleito Presidente.
Um partido ganha as eleições britânicas para o Parlamento Europeu (proporcionais)
e fica com 2 em 600 deputados nas eleições legislativas (por círculos
uninominais). Macron pode ter 30% e depois conseguir, pela magia uninominal,
uma aterradora maioria de dois terços.
Ora, de todas as formas de engenharia
eleitoral, a mais eficaz e, portanto, a mais repetida, também a mais
delinquente, é essa dos círculos uninominais, que exigem maioria em cada
circunscrição e que, desse modo, anulam a proporcionalidade. Se houvesse em
Portugal um sistema destes, só haveria deputados do PSD e do PS, talvez um ou
dois do PCP. Mais de um terço dos eleitores deixaria de estar representado.
Para cobrirem tal descaramento, os promotores da ideia sugerem compensar a
distorção com um círculo nacional ou com outros modos de contabilidade que
transformariam as eleições numa charada. O facto teimoso de toda a gente
perceber hoje como são eleitos os parlamentares incomoda esta mecânica.
A experiência brasileira não ajuda essa
proposta de mudança do sistema eleitoral. No Brasil, os deputados também são
votados individualmente, disputando dentro de cada partido os lugares, o que
estimula uma corrida ao dinheiro e permite que seitas, gangues e empresas se
façam representar. Seria o que aconteceria em Portugal com os círculos
uninominais, que exigiriam primárias dentro de cada partido, a porta de entrada
para essas forças. Esta proposta promove o avanço da corrupção do sistema
político.
Resta a demagogia. Na
plataforma da imitação lusitana dos “coletes amarelos” repete-se a frase mais
popular de todos os populistas: menos deputados, agora com a ideia atordoante
de “só 4 deputados por cada região”. Presumindo que os autores não se referem
só à Madeira e aos Açores, teríamos assim que Portalegre passaria a eleger o
dobro dos deputados, tantos como Lisboa, que tinha 48. Ou seja, numa parte do
país, 8 mil votos elegem um deputado, noutra são precisos 200 mil. Nesse
sistema de batota, a única pergunta seria se vale a pena votar.
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