Concluo hoje a análise iniciada na semana passada.
Tão ou mais importante do que a nova relação de forças que surgiu no país, é ‘ler’ os movimentos profundos que se estão a operar na sociedade política. Um é antigo e já sobre ele aqui escrevi – a diminuição, lenta mas consolidada, da participação eleitoral mesmo quando o acto suscita paixões, como foi o caso das últimas legislativas. Este movimento lento é, entretanto, compatível com outro que aparentemente se lhe opõe e se manifestou na passagem das legislativas para as autárquicas – nestas, o total de votantes, longe de diminuir como seria plausível, fixou-se em níveis próximos dos das legislativas. Interpreto estes dois movimentos contraditórios com uma hipótese que os unifica: a sociedade portuguesa está a polarizar-se entre os que se interessam pela política e os que dela se passaram a desinteressar ou nunca se interessaram. Um muro invisível, mas mensurável, está erguer-se e não é de areia. Se isto continua, abre-se espaço à formação de partidos populistas de um tipo não conhecido em Portugal.
A segunda vaga de fundo que atravessa o país político é a do crescimento da ‘liberdade de voto’. Esta atitude – «em cada eleição escolho o voto que mais me interessa» – opõe-se à do voto no partido de simpatia. A escolha contra o hábito não é, em si mesma, uma novidade. Desde 1974, emergiu pontualmente em disputas, nomeadamente nas presidenciais.
A hipótese que agora coloco é a de que a excepção se possa estar a transformar numa regra usada por boa parte dos eleitores. Confesso a minha simpatia por este fenómeno. Ele coloca os partidos à prova e sujeita-os a uma relação mais exigente com a sociedade. Laiciza a política. Mas não há bela sem senão.
Esta liberdade não se compreende sem a hiperfulanizacão da própria política. O que explica o aumento e o emagrecimento do CDS e do BE em 15 dias é, em última instância, isto mesmo. O centrão encolhe em Setembro porque, à sua esquerda e à sua direita, as ideias fortes foram suportadas por protagonistas que as souberam propagar.
Esta realidade não se podia reproduzir nas autárquicas porque, aí, os protagonistas eram os gerontes do poder local. Ao contrário do que se pensa, a dificuldade do BE não é tanto a do seu enraizamento local, mas o de ter poucas figuras com experiência nas câmaras municipais. Não é por acaso que é muito mais difícil derrotar um presidente de câmara do que um primeiro-ministro. A liberdade que favoreceu a radicalidade nas legislativas é a mesma que se reflectiu no conservadorismo do voto local. O PCP, por exemplo, tem raízes e aparelho. Mas basta que afaste o seu autarca e este se recandidate, para o partido ser levado na voragem. De facto, não são tanto os partidos que escolhem quem querem para presidente, mas este que decide o veículo em que quer viajar. Disto se têm que tirar ilações políticas. Um dia destes.
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