Multiplicam-se os comentários sobre a estatura e o tempo de vida do novo governo do PS desde os que sublinham o seu "músculo político" aos que anotam o seu "medo de cair". Se o novo governo é maquilhagem ou plástica - quando os velhos governantes estão tão bem colocados no tabuleiro - as políticas o dirão, sustentadas na tradução do programa eleitoral em programa de governo.
É por isso que, mesmo sabendo o que os compromissos eleitorais têm valido para o PS, vale a pena voltar ao programa sufragado a 27 de Setembro.
Mentiras e propaganda à parte - o governo da maioria absoluta saiu "vencedor" da crise da segurança social e completamente limpo de responsabilidades dos efeitos da crise no país - o compromisso eleitoral do PS aponta prioridades: relançamento da economia e promoção do emprego, redução da dependência energética e do endividamento externo, desenvolvimento das políticas sociais, qualificação dos serviços públicos e redução das desigualdades1. E é por elas que prestam contas, e elas exigem sinais claros que o fumo do programa eleitoral não dá.
1. O emprego. O PS comprometeu-se com o Pacto para o Emprego, na senda do Pacto Global para o emprego da O.I.T. E o Pacto da O.I.T aponta caminhos: investimentos em infra-estruturas públicas, medidas para manter o emprego e, particularmente, para reforçar o sistema de protecção social aos mais vulneráveis. Medidas sustentadas num relatório que constata que a crise do emprego durará seis a oito anos e que a economia mundial precisa de criar 45 milhões de empregos nos próximos 5 anos para manter os níveis de emprego anteriores à crise.
Ora o Pacto para o Emprego do programa eleitoral do PS assenta num conjunto de objectivos sem medidas, mormente para os e as jovens que entram no mercado de trabalho, para além de paupérrimos indicadores: 8.500 potenciais novos empregos para jovens (entre quadros em economia social, empresas exportadoras, estágios na administração pública e turismo) não é pacto que se veja para responder ao desemprego dos e das mais jovens e à vergonha de um país onde os licenciados sem trabalho são o dobro da média da OCDE.
Nem uma palavra no programa do PS sobre a necessidade de mudar as leis do trabalho que vulnerabilizam e precarizam, tanto mais preocupante quando o seu responsável, Vieira da Silva, assume agora a pasta da economia. Nem uma palavra, ainda, sobre alteração às regras do subsídio de desemprego e sobre a necessidade absoluta de garantir protecção às mais de 200.000 pessoas que estão fora de qualquer prestação social em caso de desemprego.
E são estes os compromissos que urgem, e é com eles que verificará se o novo governo é mais ou menos cosmética.
2) O Ensino. A condição prévia ao debate sério sobre a escola pública sinalizaria, em primeiro lugar, o respeito pelos profissionais que a sustentam. O que as escolas precisavam era de uma Ministra que lhes dissesse: era uma vez uma avaliação de desempenho incompetente e de uma divisão inútil e arbitrária entre professores de primeira e de segunda. A verdade é que o programa eleitoral não recua nestas matérias: "acompanhar e avaliar a aplicação do Estatuto da Carreira Docente", "acompanhar e monitorizar" a aplicação do segundo ciclo de avaliação de desempenho cheira a mais do mesmo.
Só depois o debate sobre as políticas educativas ganharia a seriedade que bem precisa, nomeadamente no que toca ao caminho assumido no programa do PS de estender a escolaridade obrigatória para 12 anos à custa das vias profissionalizantes, e quando a escolas navegam hoje na indefinição de critérios e estratégia desta reforma surda, ou sobre a precarização insuportável dos profissionais que sustentam a escola a "tempo inteiro".
E sobre o evocado "contrato de confiança com o Ensino Superior", o que faz falta, como patamar mínimo da "confiança", é saber se o governo assume a urgência de uma acção social digna, como defendemos e à revelia da surdez do governo, e de um modelo de financiamento plurianual que alivie a penúria das instituições; é saber se, ao invés das formulações fluidas do seu programa, o governo minoritário do PS vai continuar a pactuar, ou não, com a vergonha das propinas do segundo ciclo, escavando a intolerável desigualdade entre os que podem e os que as não podem pagar.
O governo minoritário do PS tem de escolher entre a cosmética e o compromisso com os mais graves problemas das pessoas. Nós estaremos, como sempre, do lado do compromisso.
Cecília Honório
1 cf. Programa de Governo do Partido Socialista, p. 11.
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