O sistema eleitoral português está falsificado e favorece descaradamente o PS/PSD conforme se pode observar neste estudo quantificado com base nas últimas legislativas. Se assim não fosse, por exemplo, Sócrates não teria a maioria absoluta em 2005.
Ninguém acredite que a democracia de mercado deixará de ser uma falsa democracia mesmo que haja melhorias técnicas no sistema eleitoral, com uma maior democraticidade.
Esperar democracia do PS/PSD é esperar que uma abóbora podre dê nêsperas
Índice
1 - Mais de um milhão de eleitores fantasmas
2 - Como se montou a bipolarização no PS/PSD
3 – Como seria com um sistema eleitoral tecnicamente democrático?
4 – A democracia que faz falta
Primeira parte do texto:
Um sistema eleitoral falsificado e enganador
1 - Mais de um milhão de eleitores fantasmas
Aspecto particularmente caricatural é a forma descarada, despudorada, como é apresentado, de modo solene, institucional, um recenseamento eleitoral mas, que não passa de um ridículo envólucro que simboliza a desastrosa gestão PS/PSD, das últimas três décadas. O menosprezo pela democracia e para com os eleitores, tendo como referência essa bagunça administrativa, contradiz os constantes apelos aos cidadãos eleitores quanto aos seus deveres cívicos e ao exercício da democracia. E, não deixa de ser hilariante, ver os apelos do triste Cavaco, para se votar, em massa.
Esse menosprezo é reforçado, porquanto a actualização de um recenseamento eleitoral não passa de um elemento de ordem técnico-administrativa de fácil resolução, com a utilização de meios de tratamento de informação disponíveis há muitos anos. Só recentemente, com a questão do cartão de cidadão ficou resolvida a introdução automática dos novos eleitores na base de dados do recenseamento, bem como a actualização da afectação territorial do voto, sempre que seja substituido o anterior formato de identificação - o conhecido BI - para cidadãos que mudem de residência, estado civil, etc.
Continuam por não resolver, por exemplo, a questão do abate automático no recenseamento, dos óbitos, assim como fica excluida a actualização da afectação territorial da população mais idosa, que é possuidora dos antigos bilhetes de identidade, com carácter vitalício.
Mais, nunca os governos admitiram fórmulas expeditas de os cidadãos votarem em local diverso daqueles em que estão recenseados, numa tentativa de promover a participação dos eleitores. Se a eleição de mandarins está assegurada, independentemente do nível de participação dos eleitores, para que haveriam eles de investir no recenseamento ou na facilidade do exercício da cidadania, ou preocuparem-se com algo afastado das suas rotundas barrigas?
Elaborámos um pequeno exercício onde isso se evidencia, quantificadamente, para todo o território e, depois em detalhe para os vários distritos, de acordo com a metodologia implícita no quadro seguinte:
População residente total (1) | 10 627 250 |
(-) População com menos de 19 anos (1) | 2 198 344 |
(+) Jovens com 18/19 anos (2) | 230 141 |
( - ) Residentes estrangeiros (3) | 440 277 |
(+) Residentes estrangeiros com direito a voto(4) | 27 194 |
(=) Eleitores potenciais | 8 245 964 |
( - ) Inscritos no Recenseamento eleitoral | 9 347 315 |
(=) Eleitores fantasmas | 1 101 351 |
(1) Estimativa do INE para fim de 2008
(2) Cálculo nosso sobre as estimativas do INE
(3) Dados do SEF para 2008
(4) D Republica, 2ª série, nº 43, 3 de Março 2009
Estes eleitores fantasmas garantem – antes de entrar um só voto na urna – uma abstenção de 11.8%, relativamente aos inscritos no recenseamento, sendo de 13.4% o excesso face aos eleitores potenciais. Assim, consoante se utilizem os dados do recenseamento ou o volume plausível de população com capacidade eleitoral, a abstenção é muito distinta:
Revelada pela CNE e pela superficialidade mediática | 3 688 830 | 39.5% |
Abstenção real, descontados os fantasmas | 2 587 479 | 27.7% |
Baseada no eleitorado potencial, real | 31.4% |
Um exercício aritmético, paralelo ao acima efectuado para a população total, pode efectuar-se por distritos, apresentando-se, nesse contexto, elementos reveladores da variedade de situações.
| População total | Eleitores possíveis | Eleitores recenseados | Eleitores fantasmas | % dos recenseados | % dos eleitores possíveis |
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Portugal | 10.627.250 | 8.245.964 | 9.347.315 | 1.101.351 | 11,8 | 13,4 |
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Aveiro | 735.090 | 585.272 | 643.937 | 58.665 | 9,1 | 10,0 |
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Beja | 151.599 | 122.339 | 138.251 | 15.912 | 11,5 | 13,0 |
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Braga | 864.182 | 677.937 | 762.944 | 85.007 | 11,1 | 12,5 |
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Bragança | 140.635 | 119.330 | 156.335 | 37.005 | 23,7 | 31,0 |
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C Branco | 197.185 | 165.525 | 193.761 | 28.236 | 14,6 | 17,1 |
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Coimbra | 432.555 | 351.689 | 393.881 | 42.192 | 10,7 | 12,0 |
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Évora | 168.893 | 137.796 | 147.649 | 9.853 | 6,7 | 7,2 |
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Faro | 430.084 | 283.186 | 351.874 | 68.688 | 19,5 | 24,3 |
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Guarda | 170.532 | 144.035 | 175.522 | 31.487 | 17,9 | 21,9 |
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Leiria | 480.165 | 379.114 | 421.010 | 41.896 | 10,0 | 11,1 |
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Lisboa | 2.238.484 | 1.613.883 | 1.856.903 | 243.020 | 13,1 | 15,1 |
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Porto | 1.824.123 | 1.439.292 | 1.550.752 | 111.460 | 7,2 | 7,7 |
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Santarém | 458.806 | 360.265 | 404.095 | 43.830 | 10,8 | 12,2 |
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Setúbal | 860.134 | 653.236 | 699.006 | 45.770 | 6,5 | 7,0 |
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V Castelo | 250.951 | 207.240 | 255.700 | 48.460 | 19,0 | 23,4 |
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Vila Real | 215.521 | 179.611 | 236.322 | 56.711 | 24,0 | 31,6 |
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Viseu | 398.640 | 325.066 | 381.883 | 56.817 | 14,9 | 17,5 |
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Açores | 244.780 | 184.847 | 216.759 | 31.912 | 14,7 | 17,3 |
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Madeira | 247.161 | 187.104 | 252.099 | 64.995 | 25,8 | 34,7 |
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Do quadro atrás sobressaem os seguintes factos:
· É enorme a parcela de eleitores fantasmas, em regiões como a Madeira, Vila Real e Bragança;
· Setúbal, seguido dos distritos de Évora e Porto surgem como aqueles em que os eleitores inexistentes têm menos significado relativo;
· Em Bragança, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real e na Madeira, o surrealista recenseamento consegue contabilizar um número de eleitores superior à população residente total, mesmo incluindo crianças e imigrantes;
· A redistribuição dos 226 deputados actuais eleitos no território nacional, de acordo com o volume de eleitores possíveis, provocaria algumas alterações ao número de eleitos por alguns distritos:
Lisboa perderia três deputados e a Madeira um;
Castelo Branco, Évora, Portalegre e Setúbal aumentariam a sua representação em um deputado, cada.
A questão dos eleitores fantasmas revela ainda um aspecto de ordem política assaz interessante, pelo que revela sobre o calculismo cúpido e oportunista do mandarinato.
O empolamento do número de eleitores tem vantagens económicas para o mandarinato, uma vez que desse número depende o volume de cargos surgidos das eleições autárquicas. De acordo com artigo publicado (JN de 3/7/2009), o número de eleitores foi acrescentado recentemente com 738 000 cidadãos, estes existentes, contrariamente, a muitos dos que estão registados, como atrás se disse. Assim, em 22 concelhos passam a existir mais dois vereadores e, em outros sete, onde o número de eleitores ultrapassa os 40000, a vereação beneficia de um aumento de salário. De acordo com critérios similares nasceram, após as eleições autárquicas de 11 de Outubro, mais 400 cargos de vogais de juntas de freguesia.
Em relação aos sete concelhos, o número oficial de eleitores ultrapassa, em todos, de facto, os 40000. Mas, tudo indica que, em alguns casos isso só seja possível contabilizando eleitores fantasmas.
| População total (1) | População <18> | Eleitores potenciais (1)-(2) | Eleitores recenseados |
Guarda | 44 121 | 7 550 | 36 571 | 40 482 |
Ponte de Lima | 44 527 | 8 602 | 35 925 | 43 586 |
Portimão | 49 881 | 9 991 | 39 890 | 41 949 |
(1) Estimativa do INE para fim de 2008
(2) Cálculo nosso sobre as estimativas do INE
Na Guarda e em Ponte de Lima é bastante claro que a consideração de eleitores inexistentes dota os seus autarcas de uma categoria – com vantagens remuneratórias - que, de acordo com os preceitos legais, só beneficiam porque existe um recenseamento mal feito. Para o caso de Portimão a diferença poderia justificar alguma reserva mas, convém que se não olvide que a população imigrante é significativa no concelho e, a sua dedução, alargará, claramente, o fosso existente entre os eleitores recenseados e os reais.
Andam por aí muitos fantasmas à solta e demasiados mandarins a beneficiar disso. Apetece versejar:
Fátimas, isaltinos, valentins
Avelinos e porcarias afins
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