segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Parque Escolar tem evitado aplicar as normas de transparência previstas na lei

Vinte por cento dos projectos de arquitectura já adjudicados estão concentrados em 12 gabinetes. Presidente da empresa reconhece injustiças no programa.

Através do recurso a três decretos-leis que contêm disposições contrárias, a empresa pública Parque Escolar tem restringido a aplicação das normas que, naqueles diplomas, visam acautelar a transparência e as regras da livre concorrênca na contratação pública feita por ajuste directo. Este modus operandi, que foi confirmado ao PÚBLICO pelo presidente daquela empresa, João Sintra Nunes, tem sido seguido em praticamente todos os contratos já celebrados com gabinetes de arquitectura, cujo montante ultrapassará os 40 milhões de euros.

A Parque Escolar é uma entidade pública empresarial, constituída há três anos para levar por diante um programa de modernização de escolas que têm ensino secundário, cujo investimento poderá rondar os 3,5 mil milhões de euros. Todos os projectos de arquitectura para as 205 escolas que, por enquanto, foram escolhidas para intervenção foram adjudicados por ajuste directo. No conjunto, os contratos de serviços celebrados deste modo pela empresa representam 10 por cento do investimento já realizado. Enquanto entidade pública empresarial, e também pelo regime de excepção contido no diploma que a constituiu, a Parque Escolar pode contratar serviços por ajuste directo até 206 mil euros, que é o limiar comunitário. O limite nacional para estes contratos é de 75 mil euros.

Para além de terem sido feitas sem concurso, a maior parte das adjudicações de projectos de arquitectura foi concretizada sem consulta a outras entidades. E também, até ao mês passado, sem publicitação no portal da Internet dedicado aos contratos públicos, um procedimento que o Código dos Contratos Públicos, em vigor desde Julho de 2008, tornou obrigatório. Foi o que se passou com os projectos de arquitectura para as 75 escolas que integram a segunda fase do programa, que foram celebrados já com o CCP em vigor. Nesta fase, a 24 gabinetes também foi entregue mais do que um projecto, uma repetição de encomenda que o Código interdita.

Sintra Nunes alega que a empresa não estava obrigada a cumprir estas disposições, porque a decisão de contratar, embora não a celebração dos contratos, foi adoptada antes da entrada em vigor do CCP, valendo assim para estes o articulado do decreto-lei de 1999 que aquele diploma veio revogar. Esta decisão foi aprovada pelo conselho de administração da Parque Escolar seis meses depois da aprovação do Código dos Contratos Públicos e a 27 dias da entrada em vigor deste diploma.

Sem convite

Na maioria dos contratos já celebrados este ano, no âmbito da terceira fase, que envolverá 100 escolas, a Parque Escolar também tem evitado aplicar o regime excepcional de contratação, aprovado em 2009, e da qual deveria ser a principal beneficiária. Para salvaguardar a concorrência, este regime impõe que para as adjudicações feitas deste modo têm de ser convidadas pelo menos três entidades distintas a apresentar propostas.

Na esmagadora maioria dos contratos já celebrados para a terceira fase, a Parque Escolar não respeitou esta disposição. “O regime excepcional dá-nos prerrogativas, mas nós não somos obrigados a utilizá-las”, justifica Sintra Nunes. Este responsável explica que, tendo esta fase sido lançada já com o CCP em vigor, a empresa tem recorrido sobretudo a este diploma para evitar o convite a mais do que uma entidade, uma obrigação que não está contemplada no Código. Apenas vem aplicando o regime excepcional para repetir encomenda, um procedimento que este autoriza, mas que é proibido pelo CCP. Não sendo possível, no mesmo contrato, aplicar dois dispositivos legais contraditórios, só nestes casos é que têm sido convidadas outras entidades, para além da que é contratada, a apresentar propostas.

Mas a Parque Escolar só tem contabilizado, para este efeito, a repetição de encomenda realizada na fase actual e que, para já, abrange sete gabinetes. No conjunto dos programas, dos 104 gabinetes contratados, 50 ficaram com mais do que um projecto. Destes, 12 têm quatro ou mais escolas, totalizando 20 por cento dos projectos adjudicados, com honorários que oscilam entre 719 mil euros e 2,2 milhões. A maioria voltou a ser contratada para a terceira fase, sem consulta a outras entidades.

Segundo Sintra Nunes, o recurso aos mesmos gabinetes justifica-se por existirem, em Portugal, “poucos que tenham capacidade para responder a este tipo de encomenda”.

“Malabarismos jurídicos”

Este mês um grupo de arquitectos lançou uma petição, onde se solicita à Assembleia da República que imponha transparência no programa tutelado pela Parque Escolar e exiga a demissão do seu conselho de administração. Para Luís Afonso, que integra aquele grupo, toda a conduta daquela empresa “tem-se baseado numa artificialidade legal, que permite a acumulação de um grande número de projectos pela mesma equipa, veda o acesso democrático à encomenda pública e vicia o quotidano do ofício [de arquitecto]“. Também Tiago Saraiva, outro dos autores da petição, acusa a empresa de se “socorrer de malabarismos jurídicos para justificar o injustificável”. “É injustificável gerir os dinheiros públicos desta forma”, frisa.

Para a Ordem dos Arquitectos não subsistem dúvidas. Pela primeira vez, num artigo publicado nestas páginas, o seu presidente, João Rodeia, descreve esta situação como sendo “insustentável”. Já Carlos Pratas, arquitecto e professor da Faculdade de Arquitectura do Porto a quem foram já adjudicados 11 projectos, considera que o conselho de administração da Parque Escolar tem revelado “uma enorme capacidade de trabalho, de liderança e de realização, num processo muito estimulante, com larga participação da comunidade escolar. E, sobretudo, de enorme transparência”. “Orgulho-me de poder participar num programa com uma dimensão única na história portuguesa”, acrescentou.

“Parte mais injusta”

O presidente da Parque Escolar, Sintra Nunes, admite que os moldes em que tem sido feita a adjudicação dos projectos de arquitectura tornou este processo na “parte mais injusta” do programa de modernização das escolas. Segundo este responsável, a empresa planeara que as adjudicações, na terceira fase, fossem já feitas através de concursos públicos. Mas, acrescenta, este procedimento tornou-se inviável devido à decisão do Governo de acelerar o programa de modernização no âmbito da estratégia europeia para criar emprego e dinamizar a economia. O responsável garante que, já na quarta fase, que deverá arrancar este Verão, “o paradigma de contratação dos projectos de arquitectura vai ser alterado”. Vão ser lançados concursos limitados com prévia qualificação e alguns concursos públicos, esclarece. Através da federação europeia Europan, será lançado um concurso para três escolas que vão ser feitas de raiz.

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