Dividir para reinar é uma estratégia que os governos seguem muitas
vezes, para tentar sobreviver. Cabe às organizações mais representativas dos
vários sectores da sociedade alertarem as populações para que não se deixem
enredar nas teias que o poder tece. Nesta matéria, o Governo Passos/Portas, com
a ajuda de muitos representantes seus que enxameiam a comunicação social, tem
vindo a levar a cabo um discurso muito perigoso que a médio/longo prazo pode
vir a ter consequências terríveis na sociedade portuguesa. A estratégia
consiste em colocar grupos sociais ou profissionais supostamente “privilegiados”
contra outros, que se quer fazer crer, encontrarem-se na situação oposta. O
pior é que se trata de um caminho pejado de mentiras e falsidades históricas
que, aos poucos, vão contaminando as gerações mais jovens como se constituíssem
indesmentíveis realidades. Um dos textos de Nicolau Santos, no Expresso Economia de ontem, traz ao cimo a
verdade, importantíssima nos dias que correm.
Carta aberta às novas gerações
O discurso do Governo está a
produzir o inevitável: colocar novos contra velhos, desempregados contra
empregados, trabalhadores no ativo contra reformados, recibos verdes contra
trabalhadores contra contrato sem termo, trabalhadores do sector privado contra
funcionários públicos. É um caminho perigosíssimo que assenta em mentiras
atuais e falácias históricas.
É, por isso, fundamental que alguém
desmonte algumas mentiras que são dadas como adquiridas pela nova geração (que
tem menos de 35 anos e tem entre os seus defensores o meu brilhante amigo Henrique
Raposo).
1ª mentira – Não é verdade que a
geração anterior tenha vivido muito melhor do que a atual. Pelo contrário, a infância
e a juventude da generalidade da atual classe média que anda na casa dos 50
anos teve menos bens materiais e culturais que a atual. Convém lembrar que em
1974 mais de metade do país não tinha esgotos, nem água canalizada nem energia.
Que muitos meninos iam para a escola descalços (como lembrou Miguel Sousa Tavares
numa recente entrevista). Que a percentagem de analfabetismo era de 35%. Que os
mancebos tinham de cumprir serviço militar em cenário de combate. Que havia
censura de palavras ditas e escritas, de livros, de filmes, de discos. Que ninguém
viajava metade do que hoje já viajou a nova geração. Que toda a gente andava de
transportes públicos e fazia biscates ou acumulava dois empregos para ter
dinheiro até ao fim do mês. Que não havia Serviço Nacional de Saúde e apenas
começava a existir um incipiente sistema de segurança social. Que Portugal era
mais o norte de África do que um país europeu. E que o país era tão pobre que
obrigou a sucessivas vagas de emigração, nos anos 50 para a América Latina, nos
anos 60 para a França (para fugir à pobreza), nos anos 70 para a Europa para
fugir à guerra.
2ª mentira – Não é verdade que
seja a nova geração que esteja a pagar sozinha a fatura desta crise. Toda,
repito, toda a sociedade está a pagar a fatura desta crise. Os reformados têm
sido severamente atingidos. Os funcionários públicos têm sido maltratados,
vilipendiados e sofrido tratos de polé nas suas carreiras e nos seus
rendimentos. Há milhares de empresas que têm fechado as portas e mais de 900
mil trabalhadores do sector privado que estão no desemprego. Os salários e
direitos dos trabalhadores por conta de outrem têm sido reduzidos de forma
drástica. É verdade que há 40% de desemprego jovem. Mas há muitíssima gente com
mais de 50 anos que vive hoje amedrontada, de forma bastante mais precária,
angustiada com o futuro, com medo de ficar sem rendimentos, de não ter acesso a
medicamentos ou cuidados médicos – e que a última coisa que fará é deixar de
apoiar até onde puder a nova geração.
3ª mentira – Não é verdade que a
nova geração esteja a pagar as chorudas reformas da velha geração. A generalidade
dos reformados descontaram toda a vida, na base de regras definidas pelos sucessivos
governos, para ter uma reforma na velhice. É verdade que há quem não tenha
descontado e é verdade que houve grupos sociais que retiraram para si
benefícios indevidos. Mas para a generalidade das pessoas não está nessa situação.
Todas as sociedades assentam em pactos
intergeracionais. Melhorá-lo, corrigi-lo, sim. Rasgar esse pacto é muito pouco
inteligente. A nova geração está a beneficiar de um conjunto de investimentos
que foram suportados pelos impostos da velha geração e que tornaram a vida em
Portugal bem melhor do que aquela que existia em 1974 – mesmo que o atual discurso
político tente esconder esta verdade.
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