domingo, 2 de junho de 2013

A VERDADE QUE O PODER ESCONDE



Dividir para reinar é uma estratégia que os governos seguem muitas vezes, para tentar sobreviver. Cabe às organizações mais representativas dos vários sectores da sociedade alertarem as populações para que não se deixem enredar nas teias que o poder tece. Nesta matéria, o Governo Passos/Portas, com a ajuda de muitos representantes seus que enxameiam a comunicação social, tem vindo a levar a cabo um discurso muito perigoso que a médio/longo prazo pode vir a ter consequências terríveis na sociedade portuguesa. A estratégia consiste em colocar grupos sociais ou profissionais supostamente “privilegiados” contra outros, que se quer fazer crer, encontrarem-se na situação oposta. O pior é que se trata de um caminho pejado de mentiras e falsidades históricas que, aos poucos, vão contaminando as gerações mais jovens como se constituíssem indesmentíveis realidades. Um dos textos de Nicolau Santos, no Expresso Economia de ontem, traz ao cimo a verdade, importantíssima nos dias que correm.

 
Carta aberta às novas gerações

O discurso do Governo está a produzir o inevitável: colocar novos contra velhos, desempregados contra empregados, trabalhadores no ativo contra reformados, recibos verdes contra trabalhadores contra contrato sem termo, trabalhadores do sector privado contra funcionários públicos. É um caminho perigosíssimo que assenta em mentiras atuais e falácias históricas.

É, por isso, fundamental que alguém desmonte algumas mentiras que são dadas como adquiridas pela nova geração (que tem menos de 35 anos e tem entre os seus defensores o meu brilhante amigo Henrique Raposo).

1ª mentira – Não é verdade que a geração anterior tenha vivido muito melhor do que a atual. Pelo contrário, a infância e a juventude da generalidade da atual classe média que anda na casa dos 50 anos teve menos bens materiais e culturais que a atual. Convém lembrar que em 1974 mais de metade do país não tinha esgotos, nem água canalizada nem energia. Que muitos meninos iam para a escola descalços (como lembrou Miguel Sousa Tavares numa recente entrevista). Que a percentagem de analfabetismo era de 35%. Que os mancebos tinham de cumprir serviço militar em cenário de combate. Que havia censura de palavras ditas e escritas, de livros, de filmes, de discos. Que ninguém viajava metade do que hoje já viajou a nova geração. Que toda a gente andava de transportes públicos e fazia biscates ou acumulava dois empregos para ter dinheiro até ao fim do mês. Que não havia Serviço Nacional de Saúde e apenas começava a existir um incipiente sistema de segurança social. Que Portugal era mais o norte de África do que um país europeu. E que o país era tão pobre que obrigou a sucessivas vagas de emigração, nos anos 50 para a América Latina, nos anos 60 para a França (para fugir à pobreza), nos anos 70 para a Europa para fugir à guerra.

2ª mentira – Não é verdade que seja a nova geração que esteja a pagar sozinha a fatura desta crise. Toda, repito, toda a sociedade está a pagar a fatura desta crise. Os reformados têm sido severamente atingidos. Os funcionários públicos têm sido maltratados, vilipendiados e sofrido tratos de polé nas suas carreiras e nos seus rendimentos. Há milhares de empresas que têm fechado as portas e mais de 900 mil trabalhadores do sector privado que estão no desemprego. Os salários e direitos dos trabalhadores por conta de outrem têm sido reduzidos de forma drástica. É verdade que há 40% de desemprego jovem. Mas há muitíssima gente com mais de 50 anos que vive hoje amedrontada, de forma bastante mais precária, angustiada com o futuro, com medo de ficar sem rendimentos, de não ter acesso a medicamentos ou cuidados médicos – e que a última coisa que fará é deixar de apoiar até onde puder a nova geração.

3ª mentira – Não é verdade que a nova geração esteja a pagar as chorudas reformas da velha geração. A generalidade dos reformados descontaram toda a vida, na base de regras definidas pelos sucessivos governos, para ter uma reforma na velhice. É verdade que há quem não tenha descontado e é verdade que houve grupos sociais que retiraram para si benefícios indevidos. Mas para a generalidade das pessoas não está nessa situação.

Todas as sociedades assentam em pactos intergeracionais. Melhorá-lo, corrigi-lo, sim. Rasgar esse pacto é muito pouco inteligente. A nova geração está a beneficiar de um conjunto de investimentos que foram suportados pelos impostos da velha geração e que tornaram a vida em Portugal bem melhor do que aquela que existia em 1974 – mesmo que o atual discurso político tente esconder esta verdade.
 

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