O Ministério da Educação encontra-se
em desespero de causa pelas derrotas que tem sofrido ultimamente, em virtude da
greve dos professores e reage de qualquer maneira, ou seja, usa todas as armas
que tem à mão, mesmo as mais desprezíveis para um ministério que se diz da
educação. A mentira, a mistificação da realidade e o apelo ao que de mais baixo
se pode encontrar no íntimo das pessoas, tudo serve para evitar a consecução de
uma forma de luta perfeitamente legal que os professores estão a levar a cabo,
em defesa dos seus legítimos direitos que têm vindo a ser destruídos desde há
anos e, nomeadamente, desde o consulado de Sócrates. Mas, a luta dos
professores também vai no sentido da defesa de uma escola pública de qualidade,
de cujos benefícios todos tenham igual direito de aceder, individual e
colectivamente.
A campanha governamental em
curso, que dispõe de muitos mais meios de divulgação do que a posição dos
professores deve ser amplamente combatida por todos aqueles que conhecem a
verdade dos factos e a podem fazer chegar ao maior número possível de
portugueses. Está nesta situação a blogosfera que, já chega a um número
significativo de cidadãos e pode amplificar opiniões de vozes autorizadas na
área da educação, como é o caso do texto que apresentamos a seguir, da autoria
de Maria do Rosário Gama, Presidente
da Associação APRe! e que hoje vem inserido no Público. Chamamos a atenção para
a citação que antecede o texto, da autoria de um dirigente de topo do PS, que
nos dá o posicionamento deste partido numa situação idêntica. Sem mais
comentários…
Uma
campanha ignóbil
"Considero
ignóbil a convocação de uma greve de professores para o primeiro dia de exames
nacionais. É como se os médicos decidissem fazer greves às urgências
hospitalares. Incompreensível, indigno, inaceitável."
Francisco
Assis, PÚBLICO (23.05.2013)
É triste. E é sempre assim
quando uma greve é convocada. Muito poucos são os que conhecem os motivos da
greve e se dão ao trabalho de considerar se esses motivos são ou não
justificáveis. Tudo quanto lhes parece interessar é o transtorno que causam. E
se se pergunta qual poderia ser uma alternativa a esta forma de luta,
percebe-se que apenas admitiriam uma que não causasse transtornos a ninguém, ou
pelo menos não a si próprios. De facto, o que esta atitude revela é um
mecanismo atávico, herdado dos tempos da ditadura, de rejeição do direito à
greve. O tecido social parece mais um mosaico de interesses estanques do que um
povo unido por laços de solidariedade e partilhando uma história e destino
comuns. E é neste mosaico de interesses que o (des)governo encontra o terreno
fértil para semear a cizânia, cavar divisões e delas tirar partido. A greve de
professores que agora se inicia e que, tudo indica, conduzirá a uma greve aos
exames, é uma espécie de remake da greve de 2005 e contra ela, como então, está
a ser movida uma campanha ignóbil em que se apresentam concertados o Presidente
da República, o Governo, o ministro da tutela, os já habituais campeões da
"moderação" no campo da oposição (ei-lo, o almejado consenso,
conseguido à custa dos professores) as associações de pais e os opinion makers.
A encenação montada apresenta os professores como facínoras capazes de
comprometer o futuro dos alunos. O próprio ministro afirma que estas foram
feitas reféns pelos professores, como se de terroristas se tratasse. Alguém
acredita realmente que os alunos perderão o ano? É evidente que não. Mas convém
fingir que sim. O futuro da escola pública parece não suscitar preocupação. Mas
que possam ter de adiar as férias por uma meia dúzia de dias, isso sim. Não que
o admitam. Ele é a possibilidade de um ano perdido (e de chegarem atrasados ao
desemprego), a instabilidade dos alunos, a repercussão nos resultados. Só quem
não conhece o Ensino podia acreditar na seriedade destes argumentos. No fundo,
todos os argumentos se reduzem a dois, por muito mascarados que se apresentem.
Ou se trata de apoio à política do (des)governo ou da defesa de interesses
particulares. Alguns alegam que apoiam os professores, mas não esta greve aos
exames. Não se percebe, claro, que a mesma preocupação se não manifeste quando
os alunos, por motivos idênticos, perdem aulas, tempos de trabalho e de estudo.
Enquanto o adiamento de uma prova provoque um tal alarido. Hipocrisia, claro.
Porque se apoiassem os professores pressionariam o Governo a negociar com eles.
A verdade é que o futuro duma escola pública de qualidade, e a dignificação da
profissão docente que é sua condição, não parece mobilizar ninguém.
Giga-agrupamentos que podem representar algumas magras poupanças mas grandes
prejuízos pedagógicos? Turmas a abarrotar? Professores a dar mais aulas do que
as que podem preparar com seriedade e tendo de corrigir mais trabalhos do que
os que podem comentar adequadamente? Precariedade dos postos de trabalho?
Instabilidade dos corpos docentes? Alterações curriculares que visam
exclusivamente a dispensa de professores? Nada disto preocupa os indignados,
com o ministro a acusar os professores de fazerem dos alunos reféns, como se de
terroristas se tratasse. E variantes desta atoarda multiplicam-se, vindas de
todos os quadrantes.
Ninguém parece ter em
conta que sem professores motivados não será possível assegurar uma escola
pública de qualidade. Quem quer que tenha um real conhecimento do ensino sabe
que um professor sério, com quatro turmas, cem alunos, trabalha muito, mas
muito mais do que 40 horas por semana. De borla! Toda a vida! E a maioria tem
cinco ou seis turmas, mais de 150 alunos! Mas não chega. Baixam os salários,
cortam subsídios, aumentam o número de horas e, sobretudo, é preciso despedir
mais e obrigar os novos escravos pedagogos (gozando, porém, de prestígio e
estatuto bem inferiores ao dos seus antepassados) trabalharem mais e mais para
substituir os que forem mandados para as minas (os que tiverem sorte). Não há
dinheiro! E quando não houver educação e ensino de jeito? E professores
motivados para a assegurarem? A escola pública de qualidade é que deveria ser
considerada um serviço mínimo e uma necessidade social impreterível, não a
realização dos exames na data aprazada! Por isso, se não vos interessa a
educação dos vossos filhos e netos, a qualidade do ensino que lhes é
ministrado, o futuro da escola pública, o futuro do país (será que pensam que à
crise é alheia a qualidade do sistema educativo?), mobilizem-se contra os
professores e deixem à solta os coveiros da escola pública. E valerá a pena?
Por causa de uns dias de atraso na prestação de exames? Da ida para férias uns
diazitos mais tarde? Por causa de uma greve que até poderia não ter lugar,
acaso todos apoiássemos os professores? Apesar de já estar reformada, em parte
por causa da política educativa inaugurada pelo anterior governo e prosseguida
pelo actual, não me posso demitir da obrigação de expressar aos professores a
minha solidariedade. A luta deles contra o (des)governo é também a dos jovens
sem futuro, dos desempregados, dos que partem em busca de uma vida possível,
dos trabalhadores da administração pública ameaçados pelo despedimento, dos
trabalhadores precários, dos reformados cujas pensões são roubadas e de todos
cuja confiança e segurança estão a ser destruídas.
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