domingo, 9 de junho de 2013

MAIS UM ALERTA



As primeiras vozes que se levantaram, contra a austeridade que nos está a ser imposta pelos mandatários internos da troika estrangeira, foram apelidadas de “radicais” e “extremistas”. Infelizmente para todos nós, elas estavam cheias de razão e o seu raciocínio completamente correto. Com o passar do tempo e à medida ia aumentando o descalabro que nos está a atingir em todos os sentidos, mais e mais gente, insuspeita de qualquer tendência esquerdista, vem tecendo as mais agrestes críticas aos desvarios do Governo cuja máxima preocupação é a defesa dos interesses da banca e do capital financeiro. Nicolau Santos é uma dessas vozes cuja opinião nos chega, tanto através da rádio como por meio do que escreve. Um dos seus textos desta semana, no caderno Economia do Expresso, é um alerta de grande qualidade e de leitura simples como poderemos verificar pela sua transcrição.


Está a acontecer. Já se percebeu?

Está a acontecer. Aquilo que nem nos passava pela cabeça que pudesse acontecer está mesmo a acontecer. Está a acontecer cada vez mais e com mais regularidade as farmácias não terem os medicamentos de que precisamos. Está a acontecer que nos hospitais há racionamento de fármacos e uma utilização cada vez mais limitada de equipamentos. Está a acontecer que muitos produtos que comprávamos nos supermercados desapareceram e já não se encontram em nenhuma prateleira. Está a acontecer que a reparação do carro, que necessita de um farol ou de uma peça, tem agora de esperar uma ou duas semanas porque o material tem de ser importado do exterior. Está a acontecer que as estradas e as ruas abrem buracos com regularidade, que ou ficam assim durante longos meses ou são reparados de forma atamancada, voltando rapidamente a reabrir. Está a acontecer que a iluminação pública é mais reduzida, que mais e mais lojas de centros comerciais são entaipadas e desaparecem misteriosamente. Está a acontecer que nas livrarias há menos títulos novos e que as lojas de música se volatilizam completamente. Está a acontecer que nos bares e restaurantes há agora vagas com fartura, que os cinemas funcionam a meio gás, que os teatros vivem no terror da falta de público. Está tudo isto a acontecer a nós, como o sapo colocado em água fria que vai aquecendo lentamente até ferver, não vemos o perigo, vamos aceitando resignados este lento mas inexorável definhar da nossa vida coletiva e do Estado social, com uma infinita tristeza e uma funda perturbação.

Está a acontecer e não poderia ser de outro modo. Está a acontecer porque esta política cega de austeridade está a liquidar a classe média, conduzindo-a a uma crescente pauperização, de onde não regressará durante décadas. Está a acontecer porque, nos últimos quase 40 anos, foi eta classe média que alimentou cinemas, teatros, espetáculos, restaurantes, comércio, serviços de saúde, tudo o que verdadeiramente mudou o país e aquilo que verdadeiramente traduz os hábitos de consumo numa sociedade moderna. Foi na classe média – de professores, médicos, funcionários públicos, economistas, pequenos e médios empresários, jornalistas, artistas, músicos, dançarinos, advogados, polícias, etc. –, que a austeridade cravou o seu mais afiado e longo punhal. E com a morte da classe média morre também a economia e o próprio país.

E morre porque era esta classe média que mais consumia – e que mais estimulava – os produtos culturais nacionais, da cultura à dança, dos jornais às revistas, da música a outro tipo de espetáculos e de manifestações culturais. É por isso que a cultura está a morrer neste país, juntamente com a economia. E se a economia pode ainda recuperar lentamente, já a cultura que desaparece não volta mais. Um país sem economia é um sítio. Um país sem cultura não existe.

Durante a II Guerra Mundial, quando o esforço militar consumia todos os recursos das ilhas britânicas, foi sugerido ao primeiro-ministro Winston Churchill que cortasse nas verbas da cultura. O homem que conduziu a Inglaterra à vitória sobre a Alemanha recusou perentoriamente. “Se cortamos na cultura estamos a fazer esta guerra para quê? Mutatis mutandis, a mesma pergunta poderíamos fazer hoje: se retiramos todas as verbas para a cultura, estamos a fazer este ajustamento em nome de quê? Mas esta, claro, é uma questão que nunca se colocará às brilhantes cabeças que nos governam.
 

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