Sucederam-se seis avaliações da troika, sempre com elogios ao processo
de ajustamento enquanto se verificava que a realidade era bem diferente. A caminhada
para o fracasso foi inexorável mas a propaganda do Governo foi aproveitando as
tomadas de posição da troika, no sentido de que Portugal seguia o rumo certo,
para ir atirando areia aos olhos dos mais incautos e disfarçar o descalabro.
Foi ficando claro para muitos que a troika vinha a Portugal fazer de juiz
em causa própria e, como tal, não podia deixar de considerar os resultados
sempre positivos. Até que, à sétima, o verniz estalou pelo lado do FMI que
concluiu o que não constitui novidade para ninguém – a receita aplicada falhou
por completo. É à volta deste falhanço e da tomada de posição do FMI, tentando
sacudir a água do capote, que gira um texto de Nicolau Santos no Expresso Economia deste sábado, de que
apresentamos um excerto cuja leitura vale a pena apesar da sua moderação e de
um ou outro ponto em que concordamos menos.
Entre a desonestidade e o falhanço
O relatório sobre a sétima avaliação
do Fundo Monetário Internacional ao processo de ajustamento português é um
exercício de desonestidade intelectual e a confissão de que a receita aplicada
está à beira de falhar completamente.
É um exercício de desonestidade
intelectual porque o Fundo não pode fazer seis avaliações a elogiar o processo
de ajustamento e descobrir à sétima avaliação, inesperadamente, que afinal o “sucesso”
assentava em pés de barro e pode estar à beira de tornar-se um novo fracasso, a
seguir ao grego.
É um exercício de desonestidade
intelectual porque o FMI colaborou ativamente com o experimentalismo económico
e social que o Governo pôs em prática e nunca o travou, mesmo quando o Executivo
optou por um brutal aumento de impostos para este ano, agravando a recessão e o
desemprego.
É ainda um exercício de
desonestidade intelectual porque o Fundo apadrinhou o fundamentalismo do
Governo em ir além do memorando de entendimento, sem refrear esse ímpeto, o que
colocou em causa o consenso económico e social que existia e que agora o FMI
lamenta que esteja em risco.
É finalmente um exercício de
desonestidade intelectual porque o Fundo atira para cima da conjuntura europeia
parte significativa das dificuldades do ajustamento – mas não diz que nem uma
única vez contrariou publicamente as orientações europeias de impor a austeridade
a vários países ao mesmo tempo, o que só poderia ter como consequência o
afundamento da economia do Velho Continente.
Mas este relatório é também a confissão
de que a recita está a falhar, nomeadamente no que toca à sustentabilidade do
pagamento da dívida externa. A redução dos desequilíbrios externos, a bandeira
empunhada pela troika e pelo ministro das Finanças para demonstrar que o ajustamento
ia no bom caminho, está agora em causa. Se houver uma tempestade perfeita recessão mais cavada do que o previsto,
abrandamento das exportações devido à conjuntura europeia, subida das taxas de
juro em resultado das dúvidas dos investidores em relação ao processo de
ajustamento -, então a dívída portuguesa em percentagem do PIB pode chegar aos
140% em 2024.
Se tal acontecer, torna-se
inevitável um perdão parcial da dívida, numa primeira fase pelos credores
privados, na segunda (se for necessário) dos credores públicos. Se a isto se
juntar que a meta do défice para o próximo ano também vai ser flexibilizada (o
que já aconteceu para 2012 e para este ano), então só se pode concluir o óbvio:
não era isto que a troika e o Governo previam. A receita falhou. E falhou nos
principais objetivos que se pretendiam atingir, inclusive no regresso aos
mercados, que só será viável se o Banco Central Europeu nos puser a mão por
baixo depois de Junho de 2014.
(…)
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