domingo, 16 de junho de 2013

FALHANÇO TOTAL



Sucederam-se seis avaliações da troika, sempre com elogios ao processo de ajustamento enquanto se verificava que a realidade era bem diferente. A caminhada para o fracasso foi inexorável mas a propaganda do Governo foi aproveitando as tomadas de posição da troika, no sentido de que Portugal seguia o rumo certo, para ir atirando areia aos olhos dos mais incautos e disfarçar o descalabro.

Foi ficando claro para muitos que a troika vinha a Portugal fazer de juiz em causa própria e, como tal, não podia deixar de considerar os resultados sempre positivos. Até que, à sétima, o verniz estalou pelo lado do FMI que concluiu o que não constitui novidade para ninguém – a receita aplicada falhou por completo. É à volta deste falhanço e da tomada de posição do FMI, tentando sacudir a água do capote, que gira um texto de Nicolau Santos no Expresso Economia deste sábado, de que apresentamos um excerto cuja leitura vale a pena apesar da sua moderação e de um ou outro ponto em que concordamos menos.

 

Entre a desonestidade e o falhanço

O relatório sobre a sétima avaliação do Fundo Monetário Internacional ao processo de ajustamento português é um exercício de desonestidade intelectual e a confissão de que a receita aplicada está à beira de falhar completamente.

É um exercício de desonestidade intelectual porque o Fundo não pode fazer seis avaliações a elogiar o processo de ajustamento e descobrir à sétima avaliação, inesperadamente, que afinal o “sucesso” assentava em pés de barro e pode estar à beira de tornar-se um novo fracasso, a seguir ao grego.

É um exercício de desonestidade intelectual porque o FMI colaborou ativamente com o experimentalismo económico e social que o Governo pôs em prática e nunca o travou, mesmo quando o Executivo optou por um brutal aumento de impostos para este ano, agravando a recessão e o desemprego.

É ainda um exercício de desonestidade intelectual porque o Fundo apadrinhou o fundamentalismo do Governo em ir além do memorando de entendimento, sem refrear esse ímpeto, o que colocou em causa o consenso económico e social que existia e que agora o FMI lamenta que esteja em risco.

É finalmente um exercício de desonestidade intelectual porque o Fundo atira para cima da conjuntura europeia parte significativa das dificuldades do ajustamento – mas não diz que nem uma única vez contrariou publicamente as orientações europeias de impor a austeridade a vários países ao mesmo tempo, o que só poderia ter como consequência o afundamento da economia do Velho Continente.

Mas este relatório é também a confissão de que a recita está a falhar, nomeadamente no que toca à sustentabilidade do pagamento da dívida externa. A redução dos desequilíbrios externos, a bandeira empunhada pela troika e pelo ministro das Finanças para demonstrar que o ajustamento ia no bom caminho, está agora em causa. Se houver uma tempestade perfeita  recessão mais cavada do que o previsto, abrandamento das exportações devido à conjuntura europeia, subida das taxas de juro em resultado das dúvidas dos investidores em relação ao processo de ajustamento -, então a dívída portuguesa em percentagem do PIB pode chegar aos 140% em 2024.

Se tal acontecer, torna-se inevitável um perdão parcial da dívida, numa primeira fase pelos credores privados, na segunda (se for necessário) dos credores públicos. Se a isto se juntar que a meta do défice para o próximo ano também vai ser flexibilizada (o que já aconteceu para 2012 e para este ano), então só se pode concluir o óbvio: não era isto que a troika e o Governo previam. A receita falhou. E falhou nos principais objetivos que se pretendiam atingir, inclusive no regresso aos mercados, que só será viável se o Banco Central Europeu nos puser a mão por baixo depois de Junho de 2014.

(…)
 

Sem comentários:

Enviar um comentário