Muitos direitos, que os
portugueses tão duramente conquistaram com a democracia, estão a sofrer um
colossal ataque desde que este Governo tomou posse. Entre eles está o direito à
greve que se pretende agora esvaziar enquanto não for possível torná-lo
completamente inócuo ou, mesmo, revogá-lo.
A ladainha do costume por
parte do enxame de comentadores afectos ao Governo bate sempre no mesmo ponto. Em
cada situação grevista “não está em causa o direito à greve” mas nenhuma delas
se deve levar à prática pelos motivos mais estapafúrdios naquele momento
específico. O que se passa agora com a anunciada greve dos professores aos
exames é mais um exemplo desta estratégia bafienta. É muito importante que os
portugueses não se deixem ludibriar por ela já que a luta dos professores também
é em prol da defesa da qualidade do ensino e da escola pública o que nunca é
referido pelos apaniguados do Governo cujo acesso aos meios de comunicação
social é em muito maior escala do que a das organizações sindicais. Por isso,
mais uma vez o referimos aqui, todas as declarações que desmascarem as posições
mentirosas do Executivo devem ser amplamente divulgadas como acontece relativamente
ao texto que o prof. Santana Castilho assina hoje no Público.
Os
três pastorinhos e a greve dos professores
Depois do Presidente Cavaco, que não é palhaço como sugeriu
Miguel Sousa Tavares, ter atribuído à Nossa Senhora de Fátima a inspiração da
trindade que nos tutela para fechar a sétima avaliação, vieram três pastorinhos
(Marques Mendes, Portas e Crato) pregar no altar do cinismo, a propósito da
greve dos professores: "... marcar uma greve para coincidir com o tempo
dos exames nacionais ... não é um direito ... é quase criminoso ... é uma falta
de respeito ..." (Marques Mendes); "... se as greves forem marcadas
para os dias dos exames, prejudicam o esforço dos alunos, inquietam as famílias
..." (Portas); "... lamentamos que essa greve tenha sido declarada de
forma a potencialmente criar problemas aos nossos jovens, na altura dos exames
..." (Crato). Marques Mendes "redunda" quando afirma que a greve
é um direito constitucional. Mas depois qualifica-a de abuso e falta de
respeito. Que propõe? Que se ressuscite o papel selado para que Mário Nogueira
e Dias da Silva requeiram ao amanuense Passos a indicação da data que mais
convém à troika? Conhecerá Portas greves com cores de arco-íris, acetinadas,
que sejam cómodas para todos? Que pretenderia Crato? Que os professores
marcassem a greve às aulas que estão a terminar? Ou preferia o 10 de Junho? A
candura destes pastorinhos comove-me. Sem jeito para sacristão, chega-me a
decência mínima para lhes explicar o óbvio, isto é, que os professores,
humilhados como nenhuma outra classe profissional nos últimos anos, decidiram,
finalmente, dizer que não aceitam mais a desvalorização da dignidade do seu
trabalho. Porque se sentem governados por déspotas de falas mansas, que
instituíram clandestinamente um estado de excepção. Porque, conjuntamente com
os demais funcionários públicos, se sentem alvo da raiva do Governo, coisas descartáveis
e manipuláveis, joguetes no fomento das invejas sociais que a fome e o
desemprego propiciam. Porque têm mais que legítimo receio quanto à
sobrevivência do ensino público. Porque viram, na prática, os quadros de
nomeação definitiva pulverizados pelo arbítrio. Porque rejeitam a vulgarização
da precariedade como forma de esmagar salários e promover condições laborais
degradantes. Porque foram expedientes perversos de reorganização curricular, de
aumento do número de alunos por turma e de cálculo de trabalho semanal que
geraram os propalados horários-zero, que não a diminuição da natalidade,
suficientemente compensada pelo alargamento da escolaridade obrigatória e pela
diminuição da taxa de abandono escolar. Porque a dignidade que reivindicam para
si próprios é a mesma que reclamam para todos os portugueses que trabalham,
sejam eles públicos ou privados. Porque sabem que a tragédia presente de
professores despedidos será o desastre futuro dos estudantes e do país. Porque
a disputa por que agora se expõem defende a sociedade civilizada, as famílias e
os jovens.
Rejeito a modéstia falsa para afirmar que poucos como eu terão
acompanhado o evoluir das políticas de educação dos últimos tempos. Outorgo-me
por isso autoridade para afirmar que é irrecuperável a desarmonia entre Governo
e professores. A confiança, esse valor supremo da convivência entre a sociedade
civil e o Estado, foi definitivamente ferido de morte quando a incultura, a
falta de maturidade política e o fundamentalismo ideológico de Passos, Gaspar e
Crato trouxeram os problemas para o campo da agressão selvagem. Estes três
agentes da barbárie financeira vigente confundiram a legitimidade eleitoral,
que o PSD ganhou nas urnas, com a legitimidade para exercer o poder, que o
Governo perdeu quando escolheu servir estrangeiros e renegar os portugueses e a
sua Constituição. Com muitos acidentes de percurso, é certo, a Nação cimentada
pela gestão solidária de princípios e valores de Abril está a ser posta em
causa por garotos lampeiros, apostados em recuperar castas e servidões. Alguém
lhes tem que dizer que a educação, além de direito fundamental, é instrumento
de exercício de soberania. Alguém lhes tem que dizer que princípios que o
Ocidente levou séculos a desenvolver não se podem dissolver na gestão
incompetente do Orçamento. Alguém lhes tem que dizer que o desemprego e a fome
não são estigmas constitucionais. Que sejam os professores, que no passado se
souberam entender por coisas bem menores do que aquelas que hoje os ameaçam,
esse alguém. Alguém suficientemente clarividente para vencer medos e
comodismos, relevar disputas faccionárias recentes, pôr ombro a ombro
contratados com "efectivos", velhos com novos, os "a
despedir" com os já despedidos. Alguém que defenda o direito a pensar a
mais bela profissão do mundo sem as baias da ignorância. Alguém que diga não à
transformação da educação em negócio. Alguém que recuse transferir para
estranhos aquilo que nos pertence: a responsabilidade pelo ensino dos nossos
alunos.
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