Cavaco Silva é,
actualmente, o político em actividade há mais anos em Portugal. Nunca revelou
grande apego nem entusiasmo pela democracia e, quer como Primeiro-Ministro quer
como Presidente da República (PR), já deu provas suficientes de que “para ele,
as bases da democracia não são muito diferentes do código de estrada.
Cumprem-se mas sem paixão”. Os dois casos recentes que o provam têm a ver com o
que se passou com o jornalista Sousa Tavares e com o cidadão que mandou o PR
trabalhar. Quer num caso quer noutro, o prof. Cavaco, como qualquer outra
pessoa que ocupasse o cargo que ele ocupa, teria uma manifestação de superioridade,
ignorando os impropérios, aliás, bem menos contundentes do que outros, que,
frequentemente, se ouvem na televisão, dirigidos a personalidades que ocupam
cargos de relevo, por esse mundo fora. Mas, da parte do prof. Cavaco é esta a reacção
mais espectável, para variar…
A propósito, transcrevemos
a seguir um interessante texto sobre este tema, recolhido do Diário de Coimbra
do passado dia 23 de Junho.
E se Cavaco fosse árbitro de
futebol!
Não
sou adepto do insulto, mas também não sou hipócrita, ao ponto de me considerar
imaculadamente impoluto, na matéria. Esporadicamente, também mando a bola à
trave, com algum arrependimento.
Mas
fico preocupado com o caminho que as coisas estão a tomar. Um jornalista, na
qualidade de entrevistado, chamou “palhaço” ao Presidente da República e,
honradamente, assumiu essa responsabilidade. Falo de Miguel Sousa Tavares que
tem meios e capacidades suficientes para se defender, se o caso chegar a
julgamento.
Um
outro cidadão mandou a mesma excelsa pessoa trabalhar. Também isto foi
considerado um insulto e, em julgamento sumário, o atrevimento foi sancionado
com uma multa superior a mil euros.
São
dois sintomas da doença que abala a democracia. Não é que eu encontre virtudes democráticas
no insulto. É evidente que não. Mas que quem exerce o poder político, em
democracia, tem obrigação de saber ouvir o que lhe dizem e, sobretudo, saber
traduzir o aparente enxovalho, em crítica política. Seria uma manifestação de
superioridade, perante a vulgaridade do impropério.
Cavaco
silva não tem capacidade de entender isto, porque, para ele, as bases da
democracia não são muito diferentes do código da estrada. Cumprem-se mas sem paixão.
Que vida difícil teria Cavaco, se acaso fosse árbitro de futebol.
Todos
os dias, na rádio e televisão, vejo e ouço portugueses que se dizem roubados,
pela política fiscal. Um roubo presume invariavelmente a existência de um ladrão
que, neste caso, só pode ser o Governo. Será que vão ser todos processados,
pelo executivo?
Comparemos
isto com o que se tem passado, mundo fora, por estes dias. Na Turquia, Grécia, Brasil
e Espanha, entre muitos outros exemplos, as sociedades lutam contra o poder
político. Em Portugal, a sociedade queixa-se. E, do meio da lamúria, soltam-se
desabafos mais pesados, que o presidente da República não tolera.
Vejo,
na televisão turca, um cidadão jovem, de cara destapada, chamar “cornudo” ao
Primeiro-Ministro. Não consta que Tayyip Erdogan o tenha processado. Na televisão
brasileira, um manifestante desembrulha para a multidão uma lista enorme de
políticos corruptos e nenhum deles, que eu saiba, se queixou aos tribunais.
Noutra
área, o músico Jean-Michel Jarre disse que Durão “Barroso precisava levar umas
palmadas no rabo”. Nem disse exactamente “rabo”, mas foi incisivo. Jarre tem
toda a razão para criticar Barroso que exorbitou os limites da sua função e
manifestou uma profunda ignorância sobre a matéria em discussão. Considerou que
a França, ao impedir a inclusão do audiovisual no Acordo de Livre Comércio com
os Estados Unidos, estava a assumir uma atitude “reaccionária”.
Em
causa está, sobretudo, a entrada livre do cinema americano, nos circuitos
europeus, com volumes de exibição que já hoje são superiores a 90 por cento. A França
é um dos estados europeus que mais investe no cinema nacional e não só – tem co-financiado
muitas obras de Manoel Oliveira, por exemplo. Além disso tem feito um esforço
meritório, junto dos grandes estúdios de Hollywood, para participarem em
co-produtoras europeias. É evidente que, a partir do momento em que o cinema
americano entrasse na Europa, livre de taxas, este esforço francês seria de
imediato mal-sucedido.
E
Jean-Michel Jarre tem autoridade moral para falar. Ele é filho de Maurice
Jarre, falecido em 2009. O pai viveu décadas em Hollywood, onde trabalhou no
cinema, como um dos mais criativos produtores e autores de bandas sonoras, para
cinema. Supondo que Jean-Michel seja o herdeiro dos direitos de autor do pai e
que, ainda hoje, por certo, receba apreciáveis dividendos, do cinema americano.
Apesar disso, teve a hombridade de se colocar do lado justo. Não me parece que
Durão Barroso vá tirar desforra na justiça.
Nos
últimos dias, também li e ouvi ataques a Mário Nogueira que podem ser
considerados insultos e enxovalhos. Para mim, não foram mais que a prova do
sucesso da greve dos professores. Não vale a pena atribuir-lhes qualquer outro
significado.
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