As culpas da meteorologia
(em detrimento da austeridade recessiva), atribuídas pelo ministro das Finanças
à falta de investimento na construção civil em Portugal, constituem mais uma contribuição
de Vitor Gaspar para o anedotário nacional. As redes sociais e a blogosfera
rejubilaram com mais este tema, como não podia deixar de ser. No entanto, o
caso é muito mais sério já que as políticas de austeridade levadas a cabo pelo
Governo se basearam na premissa de que a dívida pública era a causa da crise. O
tempo veio a provar que a situação era exactamente o contrário, como muita
gente foi chamando a atenção, isto é, a dívida pública veio a aumentar em consequência
da crise. Por isso, cedo se percebeu também que o “trabalho” de
Passos/Portas/Gaspar não constituía uma mera teimosia perante a realidade dos
factos mas baseava-se numa linha (ideológica) bem definida que pretende
conduzir à destruição do Estado social e das actuais relações laborais, em
proveito da banca e do capital financeiro. Atente-se na afirmação de Vítor Constâncio
citada no texto que Rui Tavares assina
hoje no Público, segundo a qual a
dívida pública não foi a causa da crise, ao mesmo tempo que defende que “agora não
é o momento para mudar de rumo”. Parece uma contradição mas não é, tendo em atenção
o ponto a que se pretende chegar. Ao contrário do que afirma Rui Tavares, o “diagnóstico errado” em
que “as políticas actuais foram baseadas” constitui apenas um pretexto
consciente para as levar a cabo no sentido do fim almejado. Consequentemente “vamos
ter mais do mesmo”.
O seguinte excerto do
texto de Rui Tavares é uma boa ajuda
para se perceber o nosso raciocínio:
Considerem
um discurso recente do português mais poderoso da União Europeia, o número dois
do Banco Central Europeu, Vítor Constâncio. Falando em Atenas no passado 23 de
maio, sobre as causas e transmissão da atual crise, Constâncio foi taxativo: a
dívida pública não foi a causa da crise.
Em
primeiro lugar, países que tinham dívida pública muito baixa, e em tendência
descendente, como Espanha e Irlanda, acabaram por ter uma crise difícil. Países
que não respeitaram os limites do défice, como Alemanha e França, têm-na
passado incólumes. Em segundo lugar, e, mais importante, mesmo em países como
Itália e Portugal a dívida estava a descer antes da crise, e na Grécia (com os
números verdadeiros) a dívida estava a aumentar pouco. As dívidas públicas só
aumentaram depois da crise, em consequência da crise. Logo, não podem ter sido
a causa. São a febre, e não a doença.
Já
a dívida privada, essa sim, aumentou significativamente antes da crise nos
países que viriam depois a "rebentar": Grécia (217%), Irlanda (101%),
Espanha (75,2%) e Portugal (49%). E este endividamento é, em larga medida,
catapultado pelo aumento de atividade interbancária europeia, para lá das
fronteiras nacionais, potenciado pela introdução do euro.
Numa
palavra, foram os bancos.
Nos
anos 90 os bancos europeus, em particular do centro, encheram os periféricos de
crédito fácil como parte das suas estratégias de crescimento. O comportamento
não era muito diferente dos seus colegas dos EUA, em cujos produtos tóxicos os
bancos europeus se alambazaram. A liberdade de circulação de capitais não
deixou os Estados controlarem este processo. Quando a bolha rebentou nos EUA,
os bancos europeus estavam expostos, e os dos países periféricos fragilizados
dos dois lados, dos seus clientes, e dos seus credores. Os bancos foram salvos
pelos Estados e, em troca, mantiveram as torneiras da economia fechadas. Com
privados desempregados, e empresas a falir, os Estados tiveram que entrar com
os subsídios de desemprego e aguentar a descida na recolha de impostos.
A
melhor parte do discurso de Vítor Constâncio vem depois. É aquela em que ele
diz, após falar do desemprego jovem: "Não obstante tudo isto, agora não é
o momento para mudar de rumo." Juro que esta é uma citação à letra. Por
outras palavras: as políticas atuais foram baseadas num diagnóstico errado, não
foram eficazes, provocaram sofrimento desnecessário e agravaram o problema.
Vamos ter mais do mesmo, se faz favor.
Sem comentários:
Enviar um comentário