segunda-feira, 10 de junho de 2013

DIAGNÓSTICO ERRADO FOI PRETEXTO



As culpas da meteorologia (em detrimento da austeridade recessiva), atribuídas pelo ministro das Finanças à falta de investimento na construção civil em Portugal, constituem mais uma contribuição de Vitor Gaspar para o anedotário nacional. As redes sociais e a blogosfera rejubilaram com mais este tema, como não podia deixar de ser. No entanto, o caso é muito mais sério já que as políticas de austeridade levadas a cabo pelo Governo se basearam na premissa de que a dívida pública era a causa da crise. O tempo veio a provar que a situação era exactamente o contrário, como muita gente foi chamando a atenção, isto é, a dívida pública veio a aumentar em consequência da crise. Por isso, cedo se percebeu também que o “trabalho” de Passos/Portas/Gaspar não constituía uma mera teimosia perante a realidade dos factos mas baseava-se numa linha (ideológica) bem definida que pretende conduzir à destruição do Estado social e das actuais relações laborais, em proveito da banca e do capital financeiro. Atente-se na afirmação de Vítor Constâncio citada no texto que Rui Tavares assina hoje no Público, segundo a qual a dívida pública não foi a causa da crise, ao mesmo tempo que defende que “agora não é o momento para mudar de rumo”. Parece uma contradição mas não é, tendo em atenção o ponto a que se pretende chegar. Ao contrário do que afirma Rui Tavares, o “diagnóstico errado” em que “as políticas actuais foram baseadas” constitui apenas um pretexto consciente para as levar a cabo no sentido do fim almejado. Consequentemente “vamos ter mais do mesmo”.

O seguinte excerto do texto de Rui Tavares é uma boa ajuda para se perceber o nosso raciocínio:

Considerem um discurso recente do português mais poderoso da União Europeia, o número dois do Banco Central Europeu, Vítor Constâncio. Falando em Atenas no passado 23 de maio, sobre as causas e transmissão da atual crise, Constâncio foi taxativo: a dívida pública não foi a causa da crise.

Em primeiro lugar, países que tinham dívida pública muito baixa, e em tendência descendente, como Espanha e Irlanda, acabaram por ter uma crise difícil. Países que não respeitaram os limites do défice, como Alemanha e França, têm-na passado incólumes. Em segundo lugar, e, mais importante, mesmo em países como Itália e Portugal a dívida estava a descer antes da crise, e na Grécia (com os números verdadeiros) a dívida estava a aumentar pouco. As dívidas públicas só aumentaram depois da crise, em consequência da crise. Logo, não podem ter sido a causa. São a febre, e não a doença.

Já a dívida privada, essa sim, aumentou significativamente antes da crise nos países que viriam depois a "rebentar": Grécia (217%), Irlanda (101%), Espanha (75,2%) e Portugal (49%). E este endividamento é, em larga medida, catapultado pelo aumento de atividade interbancária europeia, para lá das fronteiras nacionais, potenciado pela introdução do euro.

Numa palavra, foram os bancos.

Nos anos 90 os bancos europeus, em particular do centro, encheram os periféricos de crédito fácil como parte das suas estratégias de crescimento. O comportamento não era muito diferente dos seus colegas dos EUA, em cujos produtos tóxicos os bancos europeus se alambazaram. A liberdade de circulação de capitais não deixou os Estados controlarem este processo. Quando a bolha rebentou nos EUA, os bancos europeus estavam expostos, e os dos países periféricos fragilizados dos dois lados, dos seus clientes, e dos seus credores. Os bancos foram salvos pelos Estados e, em troca, mantiveram as torneiras da economia fechadas. Com privados desempregados, e empresas a falir, os Estados tiveram que entrar com os subsídios de desemprego e aguentar a descida na recolha de impostos.

A melhor parte do discurso de Vítor Constâncio vem depois. É aquela em que ele diz, após falar do desemprego jovem: "Não obstante tudo isto, agora não é o momento para mudar de rumo." Juro que esta é uma citação à letra. Por outras palavras: as políticas atuais foram baseadas num diagnóstico errado, não foram eficazes, provocaram sofrimento desnecessário e agravaram o problema. Vamos ter mais do mesmo, se faz favor.
 

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