O Tribunal Constitucional (TC) passou a ser
para a esmagadora maioria dos portugueses a última tábua de salvação – mesmo para
aqueles que não têm consciência disso – como que o último entrave à institucionalização
de uma qualquer tirania fosse com que capa fosse. Como muito bem escreveu
Batista Bastos no DN, na passada quarta-feira, sem a acção responsável do TC, “a ditadura já estaria aí,
"reorganizada" em moldes "democráticos" e actualizada pelas
circunstâncias europeias”. Mas há aqui um aspecto importante a ter
em conta que é o papel a desempenhar pelo PS numa possível alteração da
Constituição, tão desejada pela direita pura e dura, de forma a permitir
legalizar todas as malfeitorias pretendidas pelo Governo Passos/Portas. Neste aspecto
é bom estarmos prevenidos porque este PS não nos dá garantias nenhumas de ser
um garante da Constituição, tendo em conta, a preferência que sistematicamente
dá a alianças com a direita, como se tem visto neste pós-eleições autárquicas.
Com esta problemática como pano de fundo,
achámos importante deixar aqui a transcrição de um interessante texto que Rui Tavares assina no Público de hoje.
O
cerco vai apertando. É Pedro Passos Coelho que, a cada intervenção,
responsabiliza o Tribunal Constitucional no caso de "o país falhar",
ou seja, se ele falhar. São os seus correligionários que, em entrevistas,
culpam a Constituição da República Portuguesa pelos entraves à austeridade sem
entraves. É Durão Barroso que, em clara transgressão ao artigo 4.º do Tratado
da União Europeia - dever de respeitar as constituições dos estados-membros,
estando estas em conformidade com os valores do respeito pela dignidade humana,
a democracia, a liberdade, a igualdade, o estado de direito e o respeito pelos
direitos humanos, incluindo os das pessoas oriundas de minorias -, lança
alertas para a necessidade de não haver mais surpresas vindas do Palácio
Ratton. É o FMI pela voz da sua diretora Christine Lagarde, considerando o
Constitucional português um "tribunal ativista" (pergunto-me por que
não diz ela o mesmo do Tribunal Constitucional alemão, que praticamente parou
todo o processo europeu com a sua decisão sobre o Tratado de Lisboa). E são,
finalmente, todos os pedidores de consensos, do Largo do Caldas ao Palácio de
Belém, que desejam amarrar o Partido Socialista a um acordo que desse a
requerida maioria de dois terços necessária para passar um verniz constitucional
por cima de novos cortes, a coberto da necessidade de entendimentos entre o
"arco governativo".
Chegou
aqui e parou. Analisemos esta curiosa expressão, o "arco governativo"
ou "arco da governação", que só o génio político-jornalístico de
Paulo Portas poderia ter inventado. Num regime parlamentarista, ela não deveria
fazer sentido, pois "o arco da governação" é composto por todos os
partidos com representação na Assembleia da República. Mas, na invenção de
Paulo Portas, que se aproveitou da consabida incapacidade de uma parte da
esquerda para se posicionar como parte da solução governativa, o "arco
governativo" designa os partidos que Paulo Portas entende que deveriam
governar o país. Ou seja: os dois grandes, e o partido de Paulo Portas.
Voltemos
ao momento presente, em que a Constituição é claramente o alvo a abater pelo
processo austeritário em curso. Há que reequilibrar a política portuguesa, e
para isso é preciso opor a este processo um Arco Constitucional, ou Arco da
Constituição, constituído pelos partidos e cidadãos que não estão dispostos a
deixar que os valores democráticos, republicanos e de justiça social que
constituem o quadro legal deste país sejam triturados sob pretexto do memorando
com a troika.
Esse
arco constitucional teria, em primeiro lugar, uma função defensiva, como
lembrou há dias o ex-Presidente Jorge Sampaio: num estado de direito, é
obrigação de todos os atores políticos defenderem a independência e integridade
dos seus elementos principais.
Mas,
não sendo a Constituição um mero repositório de princípios congelados a
defender, um arco constitucional deveria também esforçar-se para criar as
condições políticas para que se cumpram os desideratos da Constituição. Ou
seja, não apenas defender (por exemplo) os princípios da universalidade e da
igualdade, mas promovê-los.
E,
para isso, seria necessário que o arco constitucional se tornasse uma realidade
política ativa, capaz de mobilizar a maioria da população para não só defender,
mas cumprir e fazer cumprir a nossa lei fundamental.
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