Desde a institucionalização da democracia
nunca Portugal esteve tão mal entregue. Não há ponta por onde se lhe pegue e,
pior do que isso, tudo parece agravar-se a cada dia que passa. Neste momento os
portugueses quase só podem contar consigo próprios, na medida em que têm contra
si, tanto o Governo como a Presidência de República que virou um incondicional
apoiante das políticas de Passos Coelho e Portas, mesmo as mais gravosas para a
maioria esmagadora da população.
O caminho do povo é o de uma luta sem tréguas
contra os tiranetes que querem destruir o nosso modo de vida em troca de uma
mão cheia de nada, ao mesmo tempo que se defendem com ardor os mais ignóbeis
interesses estrangeiros.
O texto que apresentamos a seguir é do
Prof. Santana Castilho (Público de hoje), onde realçamos uma significativa expressão que diz
muito sobre a descrença que muitas destacadas personalidades revelam sobre o
futuro de Portugal: “E já que terá de vir a explosão
social, é duro dizê-lo, mas que não tarde”. Os sublinhados são nossos.
O Governo de Portugal e o
Governo da Europa perderam o contacto com os seus cidadãos. Para quem não
desiste da sua cidadania, outrossim dela faz alimento da alma, a raiva e o
desespero dominam. Só me contém a noção dos meus limites e da minha mortalidade.
Mas sofro. Sofro com tantos que sofrem às mãos de devoristas.
O pior de Portugal não é a
dívida em si. É o que foi feito com a dívida contraída. Não edificámos
com ela uma economia competitiva e produtiva. Não tornámos sustentável um débil
Estado social, que agora soçobra às investidas dos devoristas. Instituímos,
tão-só, um perene cartão de débito internacional, que alimenta a sofreguidão da
"mercadotecnia" dominante. Até o Presidente da República traveste, de
modo repugnante, o juramento que fez em mercantilismo primário, anunciando que
a constitucionalidade ou não do Orçamento não é assunto de Direito, mas de
custos. Para ele, o mais honesto entre os honestos, os compromissos de
honra prescrevem se os custos forem altos. Os recursos do nosso país, o destino
dos nossos filhos, estão hoje entregues a pessoas que nada fizeram para os
merecer. Chefes que representassem verdadeiramente os portugueses só podiam
seguir outras políticas e actuar com moral diferente. Malevolamente,
dolosamente, o discurso oficial mistura o custo dos serviços que o Estado
presta aos cidadãos (razão da sua existência) com os custos operacionais da
máquina burocrática e política. Os primeiros diminuíram drasticamente. Os
segundos cresceram exponencialmente. A análise das contas de 2012, única
possível neste momento, mostra isso: a aquisição de bens e serviços cresceu
1500 milhões de euros.
O Orçamento do Estado para
2014 é de uma desumanidade aviltante.
A chamada consolidação orçamental proposta soma mais 3900 milhões de euros aos
15.000 dos últimos dois anos. A simples papel molhado ficaram reduzidos os
pronunciamentos de Paulo Portas, que garantiu não vir mais austeridade. Desta
feita, a "revogação" vale 612 milhões de euros. Coisa pouca. Depois
de ter pulverizado a classe média e aumentado exponencialmente o desemprego e a
emigração dos mais preparados, Passos Coelho investe agora sobre os salários de
600 euros mensais. O Governo de Portugal e a troika que ele representa,
que não o povo, que devia proteger, têm a mesma atitude perante os portugueses
que os donos mantinham relativamente aos escravos: então,
alimentavam-nos minimamente para que pudessem trabalhar; agora, permitem-lhes
que vivam para pagar impostos. Não terminará bem esta negação da realidade. E
já que terá de vir a explosão social, é duro dizê-lo, mas que não tarde.
Basta!
A proposta de
Orçamento para 2014 prevê uma redução de 969 milhões de euros com funcionários
públicos. Metade desse corte (565 milhões) será feito com a redução da despesa
do pessoal do ensino não-superior (redução de salários e diminuição de
efectivos). A verba consignada à educação pré-escolar sofre um corte de 67,5
milhões de euros. Significativamente, as transferências previstas para o
ensino privado não só não sofrem qualquer corte como crescem dois milhões de
euros, totalizando 240 milhões. Globalmente, estamos perante um corte de 8%
face ao ano transacto, altura em que atingimos o menor esforço com a
educação, em relação ao PIB, em 39 anos de democracia. Passos Coelho e Nuno
Crato julgam-se predestinados como tiranos, sem noção do mal que
semeiam. Em dois anos de subserviência ao estrangeiro, aproveitando um
conformismo que se banalizou, traçaram uma linha de costa que divide o país em
dois: um litoral, concentracionário, e outro interior, desertificado. Tal linha
virtual permitiu a metáfora recorrente: quando o Governo invoca melhoria da
eficiência e aproveitamento de recursos, sabemos que se refere ao encerramento
de milhares de escolas e ao despedimento de 38.000 professores. E se já era
problema grande a desigualdade que caracterizava o sistema, agora ganhou foros
de escândalo. Com efeito, enquanto crescem as transferências do dinheiro
público para o ensino privado, diminuem drasticamente as verbas para o ensino
público. Enquanto aumenta a autonomia do ensino privado, diminui a
autonomia das escolas públicas. A capacidade de decisão das escolas públicas
para criarem cursos profissionais e os recursos inerentes foram fortemente
cerceados, enquanto o sentido inverso nos estabelecimentos particulares se
tornou diariamente patente na folha oficial da República. Os apoios, não
importa de que índole, disponibilizados para combater o insucesso e o abandono
precoce do ensino público desapareceram. As crianças com necessidades
educativas especiais foram, sem qualquer réstia de pudor, consideradas meros
apêndices administrativos e liminarmente segregadas das turmas do ensino
regular. A falácia do ensino dual reconduziu-nos à escola do Estado Novo: curta
e pobre para os pobres, rica e financiada pelos impostos de todos para as
famílias privilegiadas.
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