Como já todos percebemos, o Governo
especializou-se em comunicar com os portugueses em linguagem orwelliana, ou
seja, passou a usar palavras com um significado diferente – oposto – daquele que
toda a gente conhece. Como em tudo na vida, nada acontece por acaso, e a
intenção deliberada da dupla Passos/Portas é confundir as pessoas, em
particular aquelas que recorrem menos a informação diversificada. A ajudar a
esta confusão está a quantidade brutal de informação veiculada por toda a
comunicação social, em especial a televisiva que, em vez de esclarecer,
baralha.
Por muito que se queira esconder a
realidade, a verdade é que vem aí um novo pacote de austeridade ainda mais
gravoso que o anterior, em especial, para os funcionários públicos e para os
reformados. A palavra de ordem é cortar em tudo o que mexe.
Sem outra intenção que não seja
contribuir para o esclarecimento dos frequentadores deste blog, aqui deixamos,
a propósito, a transcrição de um texto assinado por Rui Tavares no Público de
ontem, 16 de Outubro.
O Governo tinha dito que não
vinha aí um novo pacote de austeridade. Uma das curiosidades da apresentação do
Orçamento do Estado, ontem, era saber com que inventividade semântica
conseguiria o Governo não se desmentir, uma vez que para atingir as metas previstas
em austeridade seria necessário fazer cortes de cerca de quatro mil milhões de
euros, 20% acima do que antes estava anunciado.
A resposta foi dada ontem
pela ministra das Finanças: impossibilitada a redefinição do significado da
palavra "austeridade" e evitada a redefinição do significado da
palavra "pacote", Maria Luís Albuquerque explicou que a chave estava
na palavra "novo". É que, vejam bem, este não é um novo pacote de
austeridade, este é "o mesmo" pacote de austeridade. Neste contexto,
"novo" deixou de querer dizer "aplicado pela primeira vez"
e "o mesmo" passou a querer dizer "algo que já tínhamos
anunciado portanto é como se já tivesse acontecido". Um pouco depois, o
porta-voz do PSD insistiu que este era "o mesmo" pacote porque as
suas medidas já tinham sido anunciadas pelo primeiro-ministro no mês de maio,
apesar de algumas das medidas anunciadas não estarem no pacote, e estarem no
pacote algumas que não foram anunciadas, este pacote não é novo, é o mesmo, é
algo que já foi, apesar de ainda ir acontecer.
Basta. Basta destes
pantomineiros orçamentais.
Este orçamento, como se viu,
corta em tudo o que mexe.
Tudo? Não. Há um irredutível
setor que não só resiste à austeridade, como tem uma folga. É essa folga o
corte no IRC. O Governo decidiu que, no meio de mortos e feridos, as empresas
merecem uma descida de impostos.
Esta descida dos impostos das
empresas, noutro momento, poderia ser uma normal decisão de política fiscal.
Feita agora, trata-se de uma injustiça, um erro e uma perversidade.
Uma injustiça, porque com o
agravamento dos níveis de austeridade para o cidadão comum, direta e
indiretamente (através dos cortes no Estado), a descida de impostos para as
empresas se resume a tirar a Pedro para dar a Paulo, sendo que Paulo inclui
algumas das grandes empresas que mudaram a sua sede fiscal para países onde o
IRC é ainda mais baixo, chegando a níveis a que a descida proposta não chega.
Nestes casos, está-se mesmo a beneficiar o prevaricador sem qualquer esperança
de que ele se emende.
Um erro porque a descida no
IRC não vai induzir crescimento económico. É que entretanto - lembram-se? - os
salários continuam a ser cortados. Os trabalhadores e as famílias diminuirão
ainda mais o consumo. A descida no IRC não justificará contratar mais
trabalhadores num momento em que ninguém compra. Havendo folga, a descida
deveria ser no IRS: uma folga para as pessoas, e não para as empresas,
permitiria às famílias pagar dívidas, poupar, ou consumir. A economia agradeceria.
E é por isso
que estamos perante uma perversidade. Ao descer o IRS [faz sentido que aqui
seja IRC], o Governo sugere que afinal há folga, no momento em que corta em
tudo o resto. Perde assim o argumento mais forte perante o Tribunal
Constitucional (de que não há mais onde cortar), e isto já não pode ser por
incompetência, mas simplesmente pela vontade de fazer do TC uma força de
bloqueio. O cerco continua.
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