Infelizmente, a deputada Isabel Moreira é
uma voz quase isolada no PS. Se não fosse, o PS não seria o que é e teríamos
fortes esperanças de que, uma vez chegado ao Governo, levasse a cabo uma
revolução que pusesse termo à destruição que Passos e Portas estão a levar a
cabo em Portugal. Infelizmente, a deputada Isabel Moreira é a cereja em cima de
um bolo que não presta, mas que serve às mil maravilhas para ser apresentada à
plebe como alguém verdadeiramente de esquerda dentro de um partido que se
designa “socialista” mas cuja prática não difere por aí além da direita que (des)governa
o país. Já não temos ilusões em relação ao PS até porque muitos dos partidos da
sua área ideológica se têm ido vergando perante o mais radical neoliberalismo, com
uma acção muito próxima da de qualquer partido conservador.
Sem esquecermos o que acabámos de
afirmar, leia-se com atenção este excelente texto que Isabel Moreira assina hoje no Público, onde a linguagem usada deixa
entender uma crítica contundente – verdadeiramente de esquerda – à acção do
Governo de Portugal para quem, na realidade, os portugueses não contam.
Lê-se o OE e falta lá uma
variável: Portugal. Já faltava na receita da troika elevada a programa de
Governo de cariz religioso, o "ir além" do acordado, roubar dois
subsídios e duas pensões, desígnio "insultado" pelo Tribunal Constitucional
(TC). A religião insistiu nos alvos fáceis, e mais uma vez o roubo, rouba-se
uma pensão e um salário, aos mesmos, os diabos, os funcionários públicos e os
privilegiados, os pensionistas, gente que se chama "despesa do
Estado". Junta-se um colossal aumento de impostos que atinge todos e, em
dose dupla, os tais roubados: o desígnio é novamente "insultado" pelo
TC.
Corta-se no RSI, faz-se de
uma prestação social uma "remuneração" e põe-se o "peso morto da
sociedade" a trabalhar sem salário na administração pública, a tal que
tinha funcionários a mais, pois, o que certamente será uma ideia mais vendável
com esta medida que, no século XXI, reintroduziu a escravatura em Portugal.
Alteram-se os regimes jurídicos das prestações sociais - não foi só cortar, foi
humilhar -, de maneira que o ónus de demonstrar tanta coisa que está
demonstrada no sistema informático do Estado é do cidadão, presumivelmente
aldrabão, e que perde os seus 200 euros ou 100 porque não entregou o papelinho
de difícil decifração.
A receita da austeridade pela
austeridade teve resultados desastrosos, como sempre teve noutras experiências
históricas. Mas persistiu a ligeireza de quem defende a lei dos despejos, a
extinção de juntas de freguesia, o aumento do preço de transportes, as
falências diárias, sempre sem uma pálida ideia de quem é o cidadão que ficou
algures sem amparo, enterrado na acumulação de medidas que não o deixam ver no
horizonte a sua pertença ao Estado, a sua ida a uma consulta, a sua condição de
pai de bolsos vazios, nada para ajudar os filhos, desempregados, emigrados,
persistiu a ligeireza de quem ou é fanático ou não conhece o país real ou
sabendo da desesperança não é empático ou, pior, de quem é tudo isso. As
palavras mentirosas para dizer a verdade que tem o nome de
"desemprego", de "despedimentos", de "cortes
retroativos de pensões", são palavras de uma estética agarrada a regimes
de má memória.
Um dia, Vítor Gaspar deu a
estratégia por falhada. Mas continuou-se. Sem reforma do Estado, sem projeto:
uma prostituição intelectual. Ideias avulsas: flexibilizar ainda mais a lei
laboral, sem um estudo a dizer que isso é coisa que gera postos de trabalho,
mas porque sim, e aumentar ainda mais o período dos contratos a termo, o
contributo do ministro "democrata-cristão". Tal como na
"mobilidade", o TC tramou o Governo, porque está sempre, sempre, tudo
bem até às decisões do tribunal cuspido pela Comissão Europeia sem um
sobressalto de quem diz representar uma pátria.
Por tudo isto, este OE nasce
morto. É que Portugal não está lá inscrito. O Portugal que sacrificou mais de
5.000 milhões de euros para uma consolidação transformada em recessão. O mesmo
défice, uma dívida pública a subir e mais 54 mil desempregados. A reforma do
Estado de Portas está nos 4.000 milhões de euros de novas medidas de
austeridade, presume-se. E então volta-se à carga aos diabos e aos
dispensáveis: cortes nos rendimentos dos funcionários públicos e cortes
retroativos de pensões, a partir de 600 euros, boas notícias, dizem, porque
anunciam os que se safam, celebrando assim a miséria e a divisão incutida na
sociedade.
Ouve-se gente a agarrar-se a
banalidades: não há direitos absolutos; não há princípios constitucionais
absolutos; o TC tem de ter em conta o contexto. É verdade e o TC frisou o
contexto atual em todos os acórdãos que zangam "democratas". Coisa
diferente é dizer-se que o TC não pode declarar normas inconstitucionais seja
em que contexto for, porque o princípio que alguma gente tem na cabeça é outro:
estão convencidos de que a interpretação que o Governo faz, através de leis, do
tal contexto e das medidas que tem por adequadas é um princípio
supraconstitucional. Não é coisa nenhuma. Eu sei que tentam, mas o Portugal
expulso do OE é uma democracia.
O país não
merece isto. Merece uma política nova e palavras antigas, como respeito e
dignidade.
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