terça-feira, 22 de outubro de 2013

PARA PASSOS/PORTAS OS PORTUGUESES NÃO CONTAM



Infelizmente, a deputada Isabel Moreira é uma voz quase isolada no PS. Se não fosse, o PS não seria o que é e teríamos fortes esperanças de que, uma vez chegado ao Governo, levasse a cabo uma revolução que pusesse termo à destruição que Passos e Portas estão a levar a cabo em Portugal. Infelizmente, a deputada Isabel Moreira é a cereja em cima de um bolo que não presta, mas que serve às mil maravilhas para ser apresentada à plebe como alguém verdadeiramente de esquerda dentro de um partido que se designa “socialista” mas cuja prática não difere por aí além da direita que (des)governa o país. Já não temos ilusões em relação ao PS até porque muitos dos partidos da sua área ideológica se têm ido vergando perante o mais radical neoliberalismo, com uma acção muito próxima da de qualquer partido conservador.
Sem esquecermos o que acabámos de afirmar, leia-se com atenção este excelente texto que Isabel Moreira assina hoje no Público, onde a linguagem usada deixa entender uma crítica contundente – verdadeiramente de esquerda – à acção do Governo de Portugal para quem, na realidade, os portugueses não contam.
Lê-se o OE e falta lá uma variável: Portugal. Já faltava na receita da troika elevada a programa de Governo de cariz religioso, o "ir além" do acordado, roubar dois subsídios e duas pensões, desígnio "insultado" pelo Tribunal Constitucional (TC). A religião insistiu nos alvos fáceis, e mais uma vez o roubo, rouba-se uma pensão e um salário, aos mesmos, os diabos, os funcionários públicos e os privilegiados, os pensionistas, gente que se chama "despesa do Estado". Junta-se um colossal aumento de impostos que atinge todos e, em dose dupla, os tais roubados: o desígnio é novamente "insultado" pelo TC.
Corta-se no RSI, faz-se de uma prestação social uma "remuneração" e põe-se o "peso morto da sociedade" a trabalhar sem salário na administração pública, a tal que tinha funcionários a mais, pois, o que certamente será uma ideia mais vendável com esta medida que, no século XXI, reintroduziu a escravatura em Portugal. Alteram-se os regimes jurídicos das prestações sociais - não foi só cortar, foi humilhar -, de maneira que o ónus de demonstrar tanta coisa que está demonstrada no sistema informático do Estado é do cidadão, presumivelmente aldrabão, e que perde os seus 200 euros ou 100 porque não entregou o papelinho de difícil decifração.
A receita da austeridade pela austeridade teve resultados desastrosos, como sempre teve noutras experiências históricas. Mas persistiu a ligeireza de quem defende a lei dos despejos, a extinção de juntas de freguesia, o aumento do preço de transportes, as falências diárias, sempre sem uma pálida ideia de quem é o cidadão que ficou algures sem amparo, enterrado na acumulação de medidas que não o deixam ver no horizonte a sua pertença ao Estado, a sua ida a uma consulta, a sua condição de pai de bolsos vazios, nada para ajudar os filhos, desempregados, emigrados, persistiu a ligeireza de quem ou é fanático ou não conhece o país real ou sabendo da desesperança não é empático ou, pior, de quem é tudo isso. As palavras mentirosas para dizer a verdade que tem o nome de "desemprego", de "despedimentos", de "cortes retroativos de pensões", são palavras de uma estética agarrada a regimes de má memória.
Um dia, Vítor Gaspar deu a estratégia por falhada. Mas continuou-se. Sem reforma do Estado, sem projeto: uma prostituição intelectual. Ideias avulsas: flexibilizar ainda mais a lei laboral, sem um estudo a dizer que isso é coisa que gera postos de trabalho, mas porque sim, e aumentar ainda mais o período dos contratos a termo, o contributo do ministro "democrata-cristão". Tal como na "mobilidade", o TC tramou o Governo, porque está sempre, sempre, tudo bem até às decisões do tribunal cuspido pela Comissão Europeia sem um sobressalto de quem diz representar uma pátria.
Por tudo isto, este OE nasce morto. É que Portugal não está lá inscrito. O Portugal que sacrificou mais de 5.000 milhões de euros para uma consolidação transformada em recessão. O mesmo défice, uma dívida pública a subir e mais 54 mil desempregados. A reforma do Estado de Portas está nos 4.000 milhões de euros de novas medidas de austeridade, presume-se. E então volta-se à carga aos diabos e aos dispensáveis: cortes nos rendimentos dos funcionários públicos e cortes retroativos de pensões, a partir de 600 euros, boas notícias, dizem, porque anunciam os que se safam, celebrando assim a miséria e a divisão incutida na sociedade.
Ouve-se gente a agarrar-se a banalidades: não há direitos absolutos; não há princípios constitucionais absolutos; o TC tem de ter em conta o contexto. É verdade e o TC frisou o contexto atual em todos os acórdãos que zangam "democratas". Coisa diferente é dizer-se que o TC não pode declarar normas inconstitucionais seja em que contexto for, porque o princípio que alguma gente tem na cabeça é outro: estão convencidos de que a interpretação que o Governo faz, através de leis, do tal contexto e das medidas que tem por adequadas é um princípio supraconstitucional. Não é coisa nenhuma. Eu sei que tentam, mas o Portugal expulso do OE é uma democracia.
O país não merece isto. Merece uma política nova e palavras antigas, como respeito e dignidade.

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