segunda-feira, 21 de outubro de 2013

ESTADO DE DIREITO EM PERIGO



Um excelente texto de Daniel Oliveira chama hoje a atenção para o perigo que correm em Portugal uma série de pilares fundamentais de um Estado de Direito de que destacamos, entre outros, a democracia, a Constituição da República, a separação de poderes e a soberania, que não podem ser apenas de fachada nem esquecidos conforme as conveniências destes ou daqueles poderes fácticos, por mais fortes que eles sejam. Vivemos, pois, numa encruzilhada em que, se cedermos numa ou mais daquelas componentes de um Estado de Direito, poderemos vir a transformarmo-nos numa espécie de república das bananas em que vigora a lei do mais forte, ao sabor dos interesses mais espúrios, nacionais ou estrangeiros. E é o povo português que, agora, mais que nunca, tem de estar cem por cento alerta para os aprendizes de tiranetes que conduzem os destinos do país. Nos tempos que passam, é fundamental prestarmos muita atenção ao que se passa à nossa volta e sabermos distinguir o essencial do acessório.
Perfeitamente enquadrado nesta lógica está o seguinte artigo de opinião (*) que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem (20/10/2013).
A proposta de orçamento de Estado supera todas as piores expectativas e confirma a natureza de um Governo de extrema-direita. Resume-se a mais um confisco dos rendimentos dos assalariados e dos reformados e pensionistas.
Por enquanto, pode parecer meramente caricato, mas temo que nos próximos tempos se torne uma realidade: os sindicatos vão deixar de negociar aumentos salariais, como até há pouco acontecia, para começarem a discutir com as patronais a extensão dos cortes. Se não se conseguir inverter esta lógica, acreditem que é isso que vai acontecer. Resta saber se, nessa altura, os sindicatos ainda terão força para impor qualquer tipo de negociação.
Parece inútil qualquer conversa entre a CGTP e o Governo sobre o assunto que seria imediatamente remetido para a Concertação Social que se encarregaria de o devolver à terra. Pelo contrário, entendo que a central sindical devia conversar com o PS e forçar António José Seguro a um compromisso. É necessário saber o que é provisório e o que é definitivo. E nisto, o Partido Socialista tem de se demarcar da direita.
Esta semana, o Primeiro-Ministro da Suécia, defendeu, nas televisões internacionais, a posição da direita europeia. Diz Fredrik Reinfeldt que se deve articular um programa de redução dos custos do trabalho, com outro programa de austeridade, por um período relativamente longo, como única forma de aumentar a competitividade europeia. Portanto, sobre a direita europeia, estamos entendidos. Resta saber se os partidos social-democratas, e concretamente o PS, se demarcam desta estratégia, ou se lhe vão fazer concessões, como se tem visto, nos últimos anos. E mesmo sem a invectiva sindical, o líder socialista já devia ter falado no assunto. A direita europeia mistifica também o problema do desemprego juvenil. Reinfeldt tenta enganar a opinião pública, dizendo que, em muitos países, como a Suécia, o sistema de ensino está desajustado das necessidades da economia. Haverá alguns exemplos que o confirmem. Mas a grande causa é outra e nada tem a ver, sequer, com os direitos sociais conquistados no pós-guerra, tantas vezes invocados pela propaganda da direita. Na Europa – e nos Estados Unidos – não há criação líquida de emprego, há 30 anos. Só por isso, os jovens não conseguem trabalho.
E há sinais preocupantes, dentro do PS. Num artigo publicado esta semana [passada], Francisco Assis defende um entendimento entre os partidos social-democratas e os partidos conservadores de génese neoliberal, como única forma de estancar o avanço da extrema-direita na Europa. Com chocante impudor, falseia toda a realidade política e despreza a análise dos resultados eleitorais, na Europa. Esquece, por exemplo, que o crescimento eleitoral dos partidos xenófobos e populistas em países, como a Noruega, Suécia, Áustria, Grécia e Alemanha, para não ser exaustivo, foi feito à custa da queda, nalguns casos vertiginosa, dos partidos social-democratas.
Em nenhum destes países a direita neoliberal foi eleitoralmente afectada, pelo crescimento da extrema-direita. É verdade que não existe qualquer afinidade ideológica que leve um eleitor da esquerda a transferir o seu voto para a extrema direita. Mas há um discurso radical, que seduz os desiludidos da esquerda, ideologicamente mais débeis. E isso só ainda não aconteceu em Portugal, porque não existe uma força de extrema-direita, com capacidade orgânica e política capazes de atrair esses descontentamentos.
Os partidos social-democratas têm de se apresentar aos eleitorados como alternativa à direita neoliberal e não como colaboracionistas de um processo que está a destruir a Europa. Essa cumplicidade nem sequer é o caminho mais rápido para o poder. Basta ver, quantos partidos social-democratas governam, hoje, na União Europeia.
Mas há outro facto, perfeitamente visível em vários países, como Portugal. Os governos neoliberais da Europa executam, sem pejo, políticas que, no domínio sócio-económico já são de extrema-direita. Perdem mesmo legitimidade democrática, violando todos os pressupostos, com que foram eleitos. Em Portugal ninguém votou numa coligação que resultou da soma sistémica das partes, em momento ulterior à eleições. Além disso, Passos Coelho e Paulo Portas não cumpriram nem uma única das suas promessas eleitorais. Por exemplo, o massacre fiscal e a redução salarial não faziam parte do governo do PSD ou do CDS, mas, no entanto, são a grande linha directora do Governo. E o Estado de Direito vai ficando cada vez mais torto!
 (*) “O Estado de Direito está a ficar torto!”

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