Um excelente texto de Daniel Oliveira chama hoje a atenção para o perigo que correm em Portugal uma série de pilares
fundamentais de um Estado de Direito de que destacamos, entre outros, a
democracia, a Constituição da República, a separação de poderes e a soberania,
que não podem ser apenas de fachada nem esquecidos conforme as conveniências
destes ou daqueles poderes fácticos, por mais fortes que eles sejam. Vivemos,
pois, numa encruzilhada em que, se cedermos numa ou mais daquelas componentes
de um Estado de Direito, poderemos vir a transformarmo-nos numa espécie de
república das bananas em que vigora a lei do mais forte, ao sabor dos
interesses mais espúrios, nacionais ou estrangeiros. E é o povo português que,
agora, mais que nunca, tem de estar cem por cento alerta para os aprendizes de
tiranetes que conduzem os destinos do país. Nos tempos que passam, é
fundamental prestarmos muita atenção ao que se passa à nossa volta e sabermos
distinguir o essencial do acessório.
Perfeitamente enquadrado nesta lógica
está o seguinte artigo de opinião (*) que transcrevemos do Diário de Coimbra de
ontem (20/10/2013).
A proposta de orçamento de
Estado supera todas as piores expectativas e confirma a natureza de um Governo
de extrema-direita. Resume-se a mais um confisco dos rendimentos dos
assalariados e dos reformados e pensionistas.
Por enquanto, pode parecer
meramente caricato, mas temo que nos próximos tempos se torne uma realidade: os
sindicatos vão deixar de negociar aumentos salariais, como até há pouco
acontecia, para começarem a discutir com as patronais a extensão dos cortes. Se
não se conseguir inverter esta lógica, acreditem que é isso que vai acontecer.
Resta saber se, nessa altura, os sindicatos ainda terão força para impor
qualquer tipo de negociação.
Parece inútil qualquer
conversa entre a CGTP e o Governo sobre o assunto que seria imediatamente
remetido para a Concertação Social que se encarregaria de o devolver à terra.
Pelo contrário, entendo que a central sindical devia conversar com o PS e
forçar António José Seguro a um compromisso. É necessário saber o que é
provisório e o que é definitivo. E nisto, o Partido Socialista tem de se
demarcar da direita.
Esta semana, o
Primeiro-Ministro da Suécia, defendeu, nas televisões internacionais, a posição
da direita europeia. Diz Fredrik Reinfeldt que se deve articular um programa de
redução dos custos do trabalho, com outro programa de austeridade, por um
período relativamente longo, como única forma de aumentar a competitividade
europeia. Portanto, sobre a direita europeia, estamos entendidos. Resta saber
se os partidos social-democratas, e concretamente o PS, se demarcam desta
estratégia, ou se lhe vão fazer concessões, como se tem visto, nos últimos
anos. E mesmo sem a invectiva sindical, o líder socialista já devia ter falado
no assunto. A direita europeia mistifica também o problema do desemprego
juvenil. Reinfeldt tenta enganar a opinião pública, dizendo que, em muitos
países, como a Suécia, o sistema de ensino está desajustado das necessidades da
economia. Haverá alguns exemplos que o confirmem. Mas a grande causa é outra e
nada tem a ver, sequer, com os direitos sociais conquistados no pós-guerra,
tantas vezes invocados pela propaganda da direita. Na Europa – e nos Estados
Unidos – não há criação líquida de emprego, há 30 anos. Só por isso, os jovens
não conseguem trabalho.
E há sinais preocupantes,
dentro do PS. Num artigo publicado esta semana [passada], Francisco Assis
defende um entendimento entre os partidos social-democratas e os partidos
conservadores de génese neoliberal, como única forma de estancar o avanço da
extrema-direita na Europa. Com chocante impudor, falseia toda a realidade
política e despreza a análise dos resultados eleitorais, na Europa. Esquece,
por exemplo, que o crescimento eleitoral dos partidos xenófobos e populistas em
países, como a Noruega, Suécia, Áustria, Grécia e Alemanha, para não ser
exaustivo, foi feito à custa da queda, nalguns casos vertiginosa, dos partidos
social-democratas.
Em nenhum destes países a
direita neoliberal foi eleitoralmente afectada, pelo crescimento da
extrema-direita. É verdade que não existe qualquer afinidade ideológica que
leve um eleitor da esquerda a transferir o seu voto para a extrema direita. Mas
há um discurso radical, que seduz os desiludidos da esquerda, ideologicamente
mais débeis. E isso só ainda não aconteceu em Portugal, porque não existe uma
força de extrema-direita, com capacidade orgânica e política capazes de atrair
esses descontentamentos.
Os partidos social-democratas
têm de se apresentar aos eleitorados como alternativa à direita neoliberal e não
como colaboracionistas de um processo que está a destruir a Europa. Essa cumplicidade
nem sequer é o caminho mais rápido para o poder. Basta ver, quantos partidos
social-democratas governam, hoje, na União Europeia.
Mas há outro facto,
perfeitamente visível em vários países, como Portugal. Os governos neoliberais
da Europa executam, sem pejo, políticas que, no domínio sócio-económico já são de
extrema-direita. Perdem mesmo legitimidade democrática, violando todos os
pressupostos, com que foram eleitos. Em Portugal ninguém votou numa coligação que
resultou da soma sistémica das partes, em momento ulterior à eleições. Além disso,
Passos Coelho e Paulo Portas não cumpriram nem uma única das suas promessas
eleitorais. Por exemplo, o massacre fiscal e a redução salarial não faziam
parte do governo do PSD ou do CDS, mas, no entanto, são a grande linha directora
do Governo. E o Estado de Direito vai ficando cada vez mais torto!
(*)
“O Estado de Direito está a ficar torto!”
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