domingo, 20 de outubro de 2013

AS MALHAS QUE O CAPITALISMO FINANCEIRO NEOLIBERAL TECE


A propósito do Orçamento do Estado de 2014 em que o Governo se prepara para repetir a receita aplicada este ano, com os resultados que se conhecem, vários analista políticos referem Albert Einstein e a sua citação no sentido de que “não há nada que seja maior evidência de insanidade do que fazer a mesma coisa dia após dia e esperar resultados diferentes”.

Portanto, vamos ter em 2014 mais do mesmo em termos de política orçamental esperando o Governo obter resultados diferentes dos deste ano. Se forem diferentes, só para pior e não é necessário ser-se de esquerda para chegarmos a esta conclusão. Pessoas de direita, como Manuela Ferreira Leite ou Bagão Félix, para citar os mais conhecidos vêm tecendo fortes críticas às medidas de austeridade em vigor e, muito mais, ao prolongamento das mesmas no próximo ano.
Só um inaceitável fanatismo ideológico incentivado internacionalmente pelo que há de mais extremista em termos do neoliberalismo dominante, permite permanecer num caminho errado que tanto prejuízo tem trazido ao país.
Apresentamos hoje aqui a opinião de mais uma personalidade insuspeita de esquerdismo, Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia 2001 que transcrevemos do Expresso Economia de ontem (19/10/2013). Os sublinhados são nossos.
Nova Iorque – Quando o banco de investimento dos EUA, Lehmon Brothers, desmoronou em 2008, dando origem à pior crise financeira global desde a Grande Depressão, um amplo consenso sobre o que causou a crise parecia emergir. Um sistema financeiro envaidecido e disfuncional tinha distribuído mal o capital e, em vez de gerir o risco, na verdade criou-o. A liberalização financeira – juntamente com o dinheiro fácil – contribuíram para que se assumissem riscos excessivos. A política monetária seria relativamente ineficaz na revitalização da economia, como se o dinheiro ainda mais fácil pudesse evitar o colapso total do sistema financeiro. Deste modo, seria necessária uma maior confiança na política orçamental, levando a um aumento da despesa pública.
Cinco anos depois, embora ainda haja quem se congratule por se ter evitado outra depressão, ninguém na Europa ou nos Estados Unidos pode afirmar que a prosperidade voltou. A União Europeia está apenas a emergir de uma recessão com recaída dupla (e em alguns países com recaída tripla acentuada) e alguns Estados-membros estão em recessão. Em muitos países da União Europeia, o PIB continua baixo, ou insignificantemente acima, dos níveis de pré-recessão. Quase 27 milhões de europeus estão desempregados.
Da mesma forma, 22 milhões de americanos que gostariam de ter um emprego a tempo inteiro não o conseguem fazer. A percentagem da população ativa nos EUA caiu para níveis nunca vistos, desde que as mulheres começaram a entrar para o mercado de trabalho. O rendimento e a riqueza da maioria dos americanos estão abaixo dos níveis que havia muito antes da crise. Na verdade, o rendimento de um típico trabalhador a tempo inteiro, do sexo masculino, é inferior ao que auferiu durante mais de quatro décadas.
Sim, têm sido tomadas medidas para melhorar os mercados financeiros. Tem havido alguns aumentos nos requisitos do capital, mas muito aquém do que é necessário. Alguns dos derivados perigosos – as armas financeiras de destruição em massa – foram negociadas em bolsa, aumentando a sua transparência e reduzindo o risco sistémico; mas grandes volumes continuam a ser negociados em mercados paralelos suspeitos, o que significa que temos pouco conhecimento sobre a exposição ao risco de algumas das nossas maiores instituições financeiras.
Da mesma forma, alguns dos empréstimos predatórios e discriminatórios e práticas abusivas como cartão de crédito foram refreados; mas as práticas exploradoras continuam iguais. Os trabalhadores pobres ainda são muitas vezes explorados por usurários que emprestam dinheiro a juros excessivos. Os bancos que dominam o mercado ainda conseguem extorquir pesadas taxas sobre as transações dos cartões de débito e de crédito dos comerciantes, que são forçados a pagar um múltiplo do que um mercado verdadeiramente competitivo iria suportar. São simplesmente impostos, cujas receitas enriquecem os cofres particulares em vez de servirem o propósito público.
Outros problemas ficaram sem solução e alguns pioraram. O mercado de hipotecas nos Estados Unidos mantém-se vivo de forma artificial: o governo subcreve agora mais de 90% de todas as hipotecas e toda a Administração do Presidente Barack Obama não chegou sequer a propor um novo sistema que assegurasse o crédito responsável em termos competitivos. O sistema financeiro tornou-se ainda mais concentrado, agravando o problema dos bancos que não só são muito grandes, muito interligados e têm muitas correlações para poderem fracassar, mas também são muito grandes para administrarem e serem responsabilizados. Apesar dos escândalos sucessivos, desde lavagens de dinheiro e manipulação de mercados até à discriminação racial na concessão de empréstimos e em execuções ilegais, nenhum responsável principal foi responsabilizado; quando as sanções financeiras foram impostas, foram muito mais pequenas do que deveriam ser, para evitar que as instituições importantes ficassem sistematicamente comprometidas.
As agências de notação de risco foram consideradas responsáveis em dois processos privados. Mas também aqui o que elas pagaram só foi uma pequena parte das perdas que as suas acções causaram. Mais importante, o problema subjacente – um sistema de incentivo perverso de acordo com o qual são pagas pelas empresas a que atribuem as notações – ainda tem de mudar.
Os banqueiros gabam-se de terem pago na integra os fundos de resgate do Governo quando a crise eclidiu. Mas nunca mencionaram que quem tinha enormes empréstimos do governo com tazas de juro próximas de zero pode ter ganho milhares de milhões simplesmente emprestando novamente esse dinheiro ao governo. Também não mencionam os custos impostos ao resto da economia – a perda de produção acumulada na Europa e nos EUA, que está bem acima dos cinco biliões de dólares.
Enquanto isso, aqueles que argumentaram que a política monetária não seria suficiente acabaram por ter razão. Sim, todos éramos preconizadores do keynesianismo – mas por muito pouco tempo. O estímulo orçamental foi substituído pela austeridade, com efeitos previsíveis – e profetizados – no desempenho económico. Algumas pessoas na Europa estão satisfeitas com o facto de a economia poder ter chegado ao fundo. Com o regresso ao crescimento da produção, a recessão – definida como dois trimestres consecutivos de contração económica – está oficialmente terminada. Mas, em qualquer sentido significativo, uma economia em que os rendimentos da maioria das pessoas estão abaixo dos níveis pré-2008 ainda está em recessão. E uma economia na qual 25% dos trabalhadores (e 50% dos jovens) estão desempregados – como é o caso da Grécia e de Espanha – ainda está em depressão. A austeridade falhou e não há nenhuma perspetiva de um retorno ao pleno emprego tão cedo (não surpreende que as perspetivas para a América, com uma versão mais branda da austeridade, sejam melhores). O sistema financeiro pode estar mais estável do que estava há cinco anos, mas isso é um pequeno obstáculo – na época, estava à beira do precipício. Aqueles que no governo e no sector financeiro se felicitam pelo regresso dos bancos à rentabilidade e às leves – apesar de duramente conquistadas – melhorias reguladoras, deviam concentrar-se no que ainda precisa de ser feito. No máximo, apenas um quarto do copo está cheio; para a maioria das pessoas, três quartos do copo estão vazios.

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