A propósito do Orçamento do Estado de
2014 em que o Governo se prepara para repetir a receita aplicada este ano, com
os resultados que se conhecem, vários analista políticos referem Albert
Einstein e a sua citação no sentido de que “não há nada que seja maior
evidência de insanidade do que fazer a mesma coisa dia após dia e esperar
resultados diferentes”.
Portanto, vamos ter em 2014 mais do mesmo
em termos de política orçamental esperando o Governo obter resultados
diferentes dos deste ano. Se forem diferentes, só para pior e não é necessário
ser-se de esquerda para chegarmos a esta conclusão. Pessoas de direita, como
Manuela Ferreira Leite ou Bagão Félix, para citar os mais conhecidos vêm
tecendo fortes críticas às medidas de austeridade em vigor e, muito mais, ao
prolongamento das mesmas no próximo ano.
Só um inaceitável fanatismo ideológico
incentivado internacionalmente pelo que há de mais extremista em termos do
neoliberalismo dominante, permite permanecer num caminho errado que tanto
prejuízo tem trazido ao país.
Apresentamos hoje aqui a opinião de mais
uma personalidade insuspeita de esquerdismo, Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da
Economia 2001 que transcrevemos do Expresso Economia de ontem (19/10/2013). Os sublinhados
são nossos.
Nova Iorque – Quando o banco
de investimento dos EUA, Lehmon Brothers, desmoronou em 2008, dando origem à
pior crise financeira global desde a Grande Depressão, um amplo consenso sobre
o que causou a crise parecia emergir. Um sistema financeiro envaidecido e
disfuncional tinha distribuído mal o capital e, em vez de gerir o risco, na
verdade criou-o. A liberalização financeira – juntamente com o dinheiro
fácil – contribuíram para que se assumissem riscos excessivos. A política
monetária seria relativamente ineficaz na revitalização da economia, como se o
dinheiro ainda mais fácil pudesse evitar o colapso total do sistema financeiro.
Deste modo, seria necessária uma maior confiança na política orçamental,
levando a um aumento da despesa pública.
Cinco anos depois, embora
ainda haja quem se congratule por se ter evitado outra depressão, ninguém na
Europa ou nos Estados Unidos pode afirmar que a prosperidade voltou. A União Europeia está
apenas a emergir de uma recessão com recaída dupla (e em alguns países com
recaída tripla acentuada) e alguns Estados-membros estão em recessão. Em muitos
países da União Europeia, o PIB continua baixo, ou insignificantemente acima,
dos níveis de pré-recessão. Quase 27 milhões de europeus estão desempregados.
Da mesma forma, 22 milhões de
americanos que gostariam de ter um emprego a tempo inteiro não o conseguem
fazer. A percentagem da população ativa nos EUA caiu para níveis nunca vistos,
desde que as mulheres começaram a entrar para o mercado de trabalho. O
rendimento e a riqueza da maioria dos americanos estão abaixo dos níveis que
havia muito antes da crise. Na verdade, o rendimento de um típico trabalhador a
tempo inteiro, do sexo masculino, é inferior ao que auferiu durante mais de
quatro décadas.
Sim, têm sido tomadas medidas
para melhorar os mercados financeiros. Tem havido alguns aumentos nos
requisitos do capital, mas muito aquém do que é necessário. Alguns dos
derivados perigosos – as armas financeiras de destruição em massa – foram
negociadas em bolsa, aumentando a sua transparência e reduzindo o risco
sistémico; mas grandes volumes continuam a ser negociados em mercados paralelos
suspeitos, o que significa que temos pouco conhecimento sobre a exposição ao
risco de algumas das nossas maiores instituições financeiras.
Da mesma forma, alguns dos
empréstimos predatórios e discriminatórios e práticas abusivas como cartão de
crédito foram refreados; mas as práticas exploradoras continuam iguais. Os
trabalhadores pobres ainda são muitas vezes explorados por usurários que
emprestam dinheiro a juros excessivos. Os bancos que dominam o mercado
ainda conseguem extorquir pesadas taxas sobre as transações dos cartões de
débito e de crédito dos comerciantes, que são forçados a pagar um múltiplo do
que um mercado verdadeiramente competitivo iria suportar. São simplesmente
impostos, cujas receitas enriquecem os cofres particulares em vez de servirem o
propósito público.
Outros problemas ficaram sem
solução e alguns pioraram. O mercado de hipotecas nos Estados Unidos mantém-se
vivo de forma artificial: o governo subcreve agora mais de 90% de todas as
hipotecas e toda a Administração do Presidente Barack Obama não chegou sequer a
propor um novo sistema que assegurasse o crédito responsável em termos
competitivos. O sistema financeiro tornou-se ainda mais concentrado,
agravando o problema dos bancos que não só são muito grandes, muito
interligados e têm muitas correlações para poderem fracassar, mas também são muito
grandes para administrarem e serem responsabilizados. Apesar dos escândalos sucessivos,
desde lavagens de dinheiro e manipulação de mercados até à discriminação racial
na concessão de empréstimos e em execuções ilegais, nenhum responsável
principal foi responsabilizado; quando as sanções financeiras foram impostas,
foram muito mais pequenas do que deveriam ser, para evitar que as instituições
importantes ficassem sistematicamente comprometidas.
As agências de notação de
risco foram consideradas responsáveis em dois processos privados. Mas também aqui
o que elas pagaram só foi uma pequena parte das perdas que as suas acções
causaram. Mais importante, o problema subjacente – um sistema de incentivo perverso
de acordo com o qual são pagas pelas empresas a que atribuem as notações –
ainda tem de mudar.
Os banqueiros gabam-se de terem
pago na integra os fundos de resgate do Governo quando a crise eclidiu. Mas nunca
mencionaram que quem tinha enormes empréstimos do governo com tazas de juro próximas
de zero pode ter ganho milhares de milhões simplesmente emprestando novamente
esse dinheiro ao governo. Também não mencionam os custos impostos ao resto
da economia – a perda de produção acumulada na Europa e nos EUA, que está bem
acima dos cinco biliões de dólares.
Enquanto isso,
aqueles que argumentaram que a política monetária não seria suficiente acabaram
por ter razão. Sim, todos éramos preconizadores do keynesianismo – mas por
muito pouco tempo. O estímulo orçamental foi substituído pela austeridade, com
efeitos previsíveis – e profetizados – no desempenho económico. Algumas pessoas
na Europa estão satisfeitas com o facto de a economia poder ter chegado ao
fundo. Com o regresso ao crescimento da produção, a recessão – definida como
dois trimestres consecutivos de contração económica – está oficialmente
terminada. Mas, em qualquer sentido significativo, uma economia em que os
rendimentos da maioria das pessoas estão abaixo dos níveis pré-2008 ainda está
em recessão. E uma economia na qual 25% dos trabalhadores (e 50% dos
jovens) estão desempregados – como é o caso da Grécia e de Espanha – ainda está
em depressão. A austeridade falhou e não há nenhuma perspetiva de um retorno
ao pleno emprego tão cedo (não surpreende que as perspetivas para a
América, com uma versão mais branda da austeridade, sejam melhores). O sistema
financeiro pode estar mais estável do que estava há cinco anos, mas isso é um
pequeno obstáculo – na época, estava à beira do precipício. Aqueles que no
governo e no sector financeiro se felicitam pelo regresso dos bancos à
rentabilidade e às leves – apesar de duramente conquistadas – melhorias reguladoras,
deviam concentrar-se no que ainda precisa de ser feito. No máximo, apenas um
quarto do copo está cheio; para a maioria das pessoas, três quartos do copo
estão vazios.
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