Em 2010, perante o plano inclinado em que
se encontravam as condições de vida de muitos portugueses, alguém ligado à
igreja católica advertiu para a possibilidade de convulsões sociais de monta no
início de 2011. Tal não veio a suceder porque a capacidade de encaixe dos
nossos cidadãos é muito grande como provam os factos: aguentaram durante quase
meio século uma ditadura, uma guerra de 13 anos e uma emigração forçada para
fugirem à miséria extrema que atingia a maior parte da população.
Com o avento da democracia, as condições
de vida, nos seus mais variados aspectos, melhoraram significativamente apesar
de muito mais poder ter sido feito.
A chamada crise que sobreveio no final da
primeira década deste século veio inverter essa situação, primeiro com o
Governo Sócrates e, agora, com a maioria de direita. Sempre tudo a piorar e sem
luz de esperança ao fundo do túnel. A vitória nas eleições legislativas de
2011, baseada numa infindável série de mentiras e de promessas esquecidas logo
que as urnas foram fechadas, gerou um crescente sentimento de revolta entre a
esmagadora maioria dos portugueses que, de dia para dia, se vê afectada por um
crescimento galopante do desemprego, da fome e da miséria. Não admira, pois,
que se esteja a preparar um caldo propício à eclosão de violência que, uma vez
despontada, dificilmente poderá ser contida. Os receios manifestados por Mário Soares
são apenas a explanação do que se sente em muitos locais onde se ouvem
conversas cujo tema é, invariavelmente, a degradação das condições de vida da
generalidade dos portugueses.
É à volta das afirmações de Soares que
gira o artigo de opinião de José Vítor Malheiros no Público de hoje.
Há quem pense que, ao falar da
“onda de violência que aí virá”, Mário Soares está a legitimar o uso da
violência como arma política ou mesmo a convocar essa violência.
Paulo
Portas foi um dos que acharam que “as declarações de um antigo Presidente da
República são graves porque elas significam, mesmo que involuntariamente, a
legitimação da violência, e, em democracia, a violência nunca é a forma
adequada de manifestar uma opinião".
De facto, Soares não declarou que
era legítimo usar da violência e apenas alertou para o facto de que o caminho
que o Governo está a seguir pode levar à violência e que, precisamente por
isso, deve ser imediatamente inflectido.
Não tenho a mínima dúvida de que
Soares receia uma explosão de violência – quanto mais não seja porque, uma vez
iniciada, ninguém pode prever a sua evolução. E não tenho notícia de que o PS,
ou mesmo os “radicais” do BE ou do PCP, se preparem para enquadrar, controlar e
liderar essa explosão de violência de forma que sirva os seus objectivos
políticos.
Mas sejamos claros: se alguém
pensa que a política seguida pelo actual Governo não contém qualquer risco de
dar origem a situações de violência social deve começar a tomar os medicamentos
que o médico receitou. Uma pessoa no seu juízo só poderia pensar assim se,
devido a uma raríssima situação de privilégio, não tivesse sido minimamente
atingida pela “austeridade”, se não conhecesse ninguém que o tivesse sido e se
tivesse os filmes de António Lopes Ribeiro como único ponto de contacto com a
realidade quotidiana dos portugueses. Basta andar na rua e ver e ouvir as
pessoas para perceber como a “austeridade” afectou as vidas de todos, como o
seu presente os humilha e os desespera, como o futuro dos filhos os angustia,
como a sua raiva é palpável, como o seu sentimento de injustiça está ao rubro.
E com razão. Não é fácil aceitar que os nossos filhos não vão poder frequentar
a universidade, que não podemos comprar os medicamentos de que a nossa mãe
precisa, que o nosso filho com necessidades especiais não tenha apoio na
escola, que o nosso salário tenha sido reduzido e não permita a extravagância
de tomar um café, que a nossa filha esteja desempregada sem subsídio e precise
de ajuda para pagar a luz e a água e toda a cascata de pequenas misérias e de
tristes vergonhas em que a vida da maioria dos portugueses se tornou.
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