A verdade é que, cada vez tem um
significado mais amplo a expressão “isto está tudo ligado”, relativamente à
acção do capitalismo neoliberal na sua versão financeira. Guerras altamente
destrutivas de bens e pessoas, alastramento da corrupção em elevado grau, uma cada
vez maior concentração da riqueza e um crescente empobrecimento de populações
inteiras, têm a marca de um sistema capitalista sem regras, num mundo onde a
lei é considerada uma força de bloqueio. É à volta desta ideia geral que gira o
seguinte texto (“Nos bastidores” *)
que transcrevemos do “Diário de Coimbra” de hoje.
Há um certo paralelismo entre
as consequências das intervenções militares no Iraque, no Afeganistão e na
Líbia e as do movimento telúrico de especulação financeira que abalou meio
planeta em 2007/8 – hoje, está tudo na mesma, ou seja, pior.
No Iraque, o conflito entre
sunitas e xiitas, amplificado pela posição ocidental na Síria, origina
atentados quase quotidianos, milhares de vítimas inocentes e uma economia que
regressou à idade média, enquanto no Afeganistão se acentuam as lutas tribais,
os ataques às forças de ocupação, sob o manto de um regime reconhecidamente
corrupto e na Líbia, passámos de um para cem exemplares de Kadhafi e já ninguém
se entende, da Cirenaica à Tripolitânia. Quanto ao que os falsos ingénuos ou voluntários
servis do poder designam por “bolha financeira”, do que se tratou foi, tão só,
de uma escroqueria monumental, tendo como epicentro os Estados Unidos,
atingindo como sempre os mais desfavorecidos nos países em que o estado mais se
privatizou.
Nestes últimos seis anos,
alguma coisa terá sido feita para regulação do sistema financeiro internacional
e/ou a distribuição mais equitativa da riqueza produzida?
Lamento ter de o afirmar, mas
a situação degradou-se ainda mais, apesar das tentativas de regulação e de
normalização, ao nível das reuniões do “G20”, dos encontros entre os ministros
das finanças da zona euro e das mais variadas comissões técnicas, constituídas
para o efeito.
Quanto à concentração da
riqueza, o relatório anual do banco Credit Suisse dá-nos uma dimensão da
concentração oligárquica atingida. Apenas como exemplos, cito o caso da Rússia
de Putin – cerca de um terço da riqueza para uma centena de iluminados, com
93,5% da população a viver com menos de €7500/ano – ou no país de Obama, em que
1% dos americanos representam 22% do PIB, enquanto o salário médio há 25 anos
que não tem alterações. Não deve ser por acaso que, pela primeira vez, o número
dos cidadãos presos nas cadeias americanas (1,57 milhões) ultrapasse o de
engenheiros ou de professores do ensino secundário (LEAP, 2013). O relatório
anual do conselho de estabilidade financeira da união europeia (cef) publicado
na passada sexta-feira, diz-nos que o montante dos valores transacionados no
sistema bancário paralelo, designado por Shadow Bank (finança na sombra), quase
que duplicaram depois dos anos 2007/8, para atingirem o montante astronómico de
71 biliões de dólares (2012).
Estas práticas de intermediação
financeira produzidas, fora do sistema bancário tradicional escapam, portanto,
ao controlo das autoridades financeiras e incluem tanto os fundos especulativos
como os investimentos nos bancos de negócios ou na instrumentalização permanente
das cotações em bolsa, sejam matérias-primas, sejam valores cambiais das
moedas.
É o próprio cef a reconhecer
que o Shadow Bank – considerado pelo especulador Warren Buffet, agora
benfeitor, como uma arma de destruição massiva – atinge 25% dos ativos gerados
pelo sistema financeiro, o que representa “uma ameaça para a Europa ainda fragilizada”,
voluntariamente fragilizada, acrescento eu.
E é esta União Europeia, cada
vez mais transformada num mercado pouco comum – norte contra sul – sempre disponível
para escolher os desígnios americanos, com eleições na primavera de 2014 e
cujos resultados nos darão a impressão de estarmos numa outra estação do ano,
que terá condições políticas e financeiras para afrontar mais um embate?
Todos conhecemos, exceto os
profissionais do fingimento, a situação depauperada e desesperante em que o
país se vai encontrar, no final do “excelente” trabalho da tróica e dos seus
colaboradores locais. Situação revoltante e profundamente injusta, seja com
guerras declaradas ou de bastidores.
(*) João Marques, diplomado em Ciências da
Comunicação (Universidade Bordeaux III)
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