A soberania de Portugal está entregue a
um bando de fanáticos, tanto a nível externo como interno. Para esta gente a
democracia tornou-se numa força de bloqueio para os seus intentos. Todos sabemos
a forma despudorada como os portugueses foram enganados na campanha eleitoral
para as Legislativas de 2011. Promessas sobre promessas que foram esquecidas
assim como as urnas de voto foram encerradas. Nestes últimos dois anos a maioria
PSD/CDS deu um forte contributo para o descrédito da função política, levando a
cabo uma acção global que contraria tudo o que foi prometido em 2011. Os portugueses
foram digerindo todas as mentiras que a actual maioria de direita lhes
impingiu, ao ponto, de, neste momento, se ter atingido algum cansaço nas
manifestações de protesto que se realizaram de há dois anos para cá.
Sentimo-nos, por assim dizer, cercados,
por (quase) todos os lados, de ameaças e chantagens inimagináveis numa democracia,
não só pelo Governo e Presidente da República como por entidades externas que
chegam ao topete de querer paralisar o nosso ordenamento constitucional. Atingimos
um ponto em que, tragicamente, o Tribunal Constitucional é “o nosso derradeiro
recurso de soberania” como afirma o sociólogo Pedro Adão e Silva num interessante texto que assina no Expresso de
ontem.
Portugal está sob ameaça. Ameaça
financeira, económica, social, mas, também, política. Se dúvidas restassem, as
declarações do presidente da União Europeia, que dá-se o caso de ser português,
a propósito de um eventual chumbo do Orçamento do Estado pelo Tribunal
Constitucional, estão aí para provar. Um país sob ameaça precisa de quem o
defenda.
Vale a pena recuperar o que
nos foi dito por José Manuel Barroso. Em primeiro lugar que a Comissão Europeia
“nunca criticou o TC” (uma manifesta falsidade), mas tem o direito de alertar
para as “implicações de determinadas decisões” e, em segundo ligar, que, se o
Orçamento for chumbado, as medidas terão de ser substituídas “por outras
medidas provavelmente mais gravosas” (sic).
Registe-se bem. Não estamos
apenas a falar de novas medidas que acomodem orçamentalmente um eventual
chumbo. A ameaça de Barroso é de outra natureza: caso algumas normas do
Orçamento venham a ser chumbadas, em troca teremos medidas mais gravosas.
No fundo trata-se do recurso
à mesma lógica punitiva que nos tem acompanhado desde o início da crise. Para Barroso,
o TC é livre de agir como bem lhe aprouver, mas caso decida em sentido
contrário à sua vontade, os portugueses serão devidamente castigados. Como os
bons espíritos maoístas se encontram sempre, nesta mesma semana o ministro Nuno
Crato não lhe ocorreu melhor metáfora do que sugerir que os portugueses teriam
de “trabalhar mais de um ano sem comer só para pagar a dívida”. Há, de facto,
linguagem que não engana.
Deixemos de lado os
benefícios associados ao chumbo de normas do OE em 2013, que, se não têm
cansado de repetir Ferreira Leite e Bagão Félix, ajudaram ao comportamento
menos recessivo da economia na segunda metade do ano, ou, não menos relevante,
o facto de não terem tido por base nenhuma idiossincrasia da nossa Constituição,
mas princípios que estão plasmados em todas as leis fundamentais do mundo
ocidental (igualdade; proporcionalidade e confiança jurídica) e fixemo-nos na utilização
instrumental que é feita do Tribunal Constitucional.
Enquanto nos vai dizendo que
não há alternativa à estratégia seguida, este Governo não se cansa de defender
que a margem de negociação com a troika é inexistente. Na funesta expressão de Paulo
Portas, que, convém recordar, faz parte de um Governo sufragado pelo soberano, “somos
protetorado” (logo uma espécie de França de Vichy). Ora, o que estas
declarações encomendadas a Barroso sugerem, mais uma vez, é que há um manifesto
ativismo do Governo na frente externa, mas invariavelmente no sentido de pôr a
troika a fazer de câmara de eco das suas pretensões. O Governo não negoceia
porque o seu propósito é outro: utilizar a troika para reforças as suas
capacidades políticas em Portugal. Somos um protetorado na medida em que é essa
a ambição política de quem nos governa.
Quando precisávamos
de alguém que defendesse a nossa soberania, temos um Governo que se passeia de
bandeirinha na lapela. Que o Tribunal Constitucional seja o nosso derradeiro
recurso de soberania é bem sintomático da tragédia política que vivemos.
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