quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

A PRECARIEDADE E A CARÊNCIA HABITACIONAL



Muita gente esquece que, tal como acontece no que diz respeito à educação e à saúde, também o direito à habitação está consignado na Constituição da República Portuguesa.
Bem atento à problemática que envolve este direito, o Bloco de Esquerda tem, desde há muito, propostas concretas que permitem ultrapassar os condicionalismos inerentes ao acesso dos portugueses, em especial os mais carenciados, a uma habitação condigna que lhes garanta condições de salubridade e de qualidade de vida. Pena é que outras forças políticas, nomeadamente o PS, não estejam disponíveis para formar maiorias no Parlamento que levem à concretização dessas propostas que iriam beneficiar muitos milhares de portugueses.
Deixamos a seguir parte de um artigo de opinião que a deputada bloquista Maria Manuel Rola assina no “Público” de hoje, onde explicita de forma clara medidas urgentes que é necessário tomar no que diz respeito à notória precariedade e carência habitacional que se sente em Portugal.

A Constituição da República Portuguesa define, no seu artigo 65, que o Estado deve implementar uma política de habitação que garanta acesso a todos “para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. E também define, em linhas gerais, como concretizar esse desígnio: programar e executar uma política pública de habitação com garantia de existência de rede adequada de transportes e equipamento social; promover a construção de habitação económica e social; estimular a construção privada que esteja subordinada ao interesse geral; e ainda a adoção de políticas tendentes a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e proceder às expropriações necessárias à satisfação de fins de utilidade pública.
Ora, responder à precariedade e carência habitacional é uma urgência. A especulação internacional colocou as nossas cidades e as pessoas que nelas vivem em estado de necessidade. Definir como prazo para atacar esta urgência seis anos é não ter vontade nem querer ter capacidade de reverter o processo já. De acordo com esse calendário, proposto pelo Governo, apenas em 2024 se terá suprido todas as necessidades identificadas em 2017. Quantas haverá então? Estamos a falar de 26.000 famílias. Acresce a isto o aumento brutal dos preços das rendas, incomportáveis e incompatíveis com a maioria dos rendimentos de quem vive do seu trabalho em Portugal. E a falta de habitação pública: apenas 2% das habitações no país são de propriedade pública. Na Dinamarca são 21%, na Holanda 30%. É necessário um esforço decidido para a constituição de um parque habitacional público capaz de responder cabalmente às necessidades.
Mas é necessário ir mais longe. Constituir um Serviço Nacional de Habitação que garante o desdobramento no território necessário à implementação da legislação e das políticas de habitação é uma necessidade e um ato de coragem e de bom senso. Uma unidade de saúde familiar permite acompanhar e rastrear as situações de saúde de qualquer pessoa. Ora, porque não garantir o mesmo acompanhamento na habitação (que aliás tem uma relação com as questões de saúde, e todas as outras)? Por que não ter um serviço territorializado que faculte informação legal, que comunique com as restantes entidades públicas e que atue na prevenção como forma de segurança no direito à habitação.
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Esta é uma dimensão essencial de uma resposta de esquerda à necessidade habitacional, contrariando o poder da informação e da desinformação, o poder discricionário do aumento das rendas conferido pela lei dos despejos e garantindo o uso de interesse geral do edificado e das cidades constitucionalmente definido. Onde o Partido Socialista não tem coragem de revogar o Balcão dos Despejos, nós apontamos, além dessa revogação, outra resposta: prevenção. 
E por fim, a proposta do Bloco prevê ainda uma alteração na política de solos. Desde logo, esta deve garantir a equidade social nas operações de transformação de solo em zona urbanizável. Deve ainda garantir a sua compatibilização com os diferentes usos do solo e a proteção ambiental. O ordenamento do território e as operações de loteamento ou operações de impacto semelhante devem estar sujeitas ao interesse público e potenciar a utilização das infraestruturas existentes, evitando um desenvolvimento urbano em mancha de óleo ou a constituição generalizada de habitações dispersas que dificultam a concretização de serviços públicos a toda a população. E garantir quotas de habitação pública nas operações urbanísticas, tal como já é feito para as infraestruturas e espaços públicos.
À desproteção deliberada a que temos assistido nos últimos anos temos de responder com firmeza. Conseguimos já uma maioria no Parlamento para trazer mais proteção na lei do arrendamento, mas o Partido Socialista tem receio de ir mais longe e implementar as medidas difíceis que nenhum outro Governo implementou. Ora, é para isso que o Bloco de Esquerda cá está, para apresentar e lutar pelas medidas que fazem essa diferença. Para, em nome do bem comum e do interesse geral, ter a coragem de afrontar os interesses privados da minoria que beneficia com a especulação. O desafio está feito, e não é de agora.

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