A chamada “lei do menor esforço”, ainda que
não tenha sido cientificamente comprovada tem uma real aplicação nas nossas
vidas. E é natural que assim seja porque para o ser humano “qualquer
coisa que custe menos esforço a fazer tem probabilidade de ser usada mais
frequentemente do que algo que exija um esforço maior”, muitas vezes com a
vantagem de se poupar tempo para outras actividades.
Aliás, a aplicação
desta lei trouxe muitas vantagens para a humanidade permitindo significativos
avanços na qualidade de vida das pessoas. Seria fastidioso enumerar os benefícios
que a colocação em prática desta tendência natural do ser humano acarretou para
o Homem mas todos os dias tiramos proveito dela.
De qualquer
maneira, será que a lei do menor esforço tem apenas vantagens? O texto seguinte
– parte de um artigo de opinião que David Rodrigues, Presidente da Pró-inclusão
e Conselheiro Nacional de Educação assina no “Público” de hoje – vem demonstrar
que nem sempre é assim e dá três exemplos em situações determinantes, como a “aquisição
de conhecimentos”, “consumo” e “sociedade”.
Trata-se de
uma reflexão cuja leitura merece uma observação atenta na actual situação em
que a humanidade vive.
É notável a forma como aderimos e nos
adaptamos ao menor esforço. Depois de termos experimentado como se pode fazer
uma dada tarefa com um esforço menor, ou de forma automatizada, sempre nos
parece penoso e difícil retomar a forma “manual” – e subitamente vista como
mais complexa – de executar essa tarefa. Parece que para além de estarmos
predispostos para a “lei do menor esforço”, estamos sistematicamente a ser
convencidos dos benefícios que este menor esforço trará à nossa vida,
nomeadamente quando nos liberta do trabalho para “as coisas importantes”.
Mas será que toda esta
poupança de energia, de tempo e trabalho, esta automatização de procedimentos
que antes tinham que ser pensados e pilotados, é sempre positiva? Talvez não e
procurarei ilustrar com três exemplos:
Quais serão as consequências do “menor
esforço” na aquisição de conhecimentos? Este é um tema particularmente
sensível no campo da Educação, onde se defrontam conceções muito diferentes
sobre a forma como se adquirem conhecimentos. Uma, mais tradicional, defendendo
o estudo, a leitura, o aprofundamento e a imprescindibilidade do
comprometimento e motivação pessoal; outra que promove o conhecimento mais
rápido e superficial, de “copy-paste” de sites da internet, um
conhecimento feito de resumos que “contam a história”, “o que interessa”, de um
romance em meia folha de A4. Estas duas perspetivas continuam a procurar
supremacia e são, talvez, uma das questões que mais afeta a opinião que os
alunos têm da escola e a que os professores têm dos alunos. O certo é que o
conhecimento – nomeadamente através das plataformas digitais – permite um
acesso muito mais simples, muito mais imediato e diversificado do que as
plataformas que muitos dos professores usaram e que continuam a considerar como
as mais confiáveis e seguras.
No consumo verificamos também o
quanto poderá ser prejudicial a perspetiva do “menor esforço”. Tudo no mercado
está pensado e planeado para seduzir o consumidor através da simplicidade.
“Abertura fácil”, “preparação instantânea”, “pronto a usar”, são slogans
omnipresentes. Mas o certo é que este esforço de tornar sedutor e imediato o
consumo, isto é, de ser consumido segundo a lei do menor esforço, pode trazer
prejuízos ao esconder as verdadeiras características do produto, e ainda a hipertrofiar
o seu aspeto em detrimento da sua racionalidade e sustentabilidade. O que se
adquire de mais rápido é frequentemente o que não é uma compra razoável e
sustentável.
O “menor esforço” na sociedade é
igualmente um assunto preocupante. As formas simples de resolver as questões
sociais são as que têm mais procura para resolver problemas complexos da
sociedade. Um exemplo: o movimento de extrema-direita Vox, que recentemente
obteve uma votação na Andaluzia que lhe permitiu chegar ao governo da região autónoma,
defende que a educação seja separada por sexos tal como existia há muitos anos:
escolas para rapazes e escolas para raparigas. Esta ideia persegue o “menor
esforço” através da procura da homogeneidade. Trata-se de “menor esforço”
porque, se conseguíssemos grupos completamente homogéneos, isso permitiria
ensiná-los economizando o esforço de personalizar e diferenciar a aprendizagem
e o ensino. E, assim, esta primeira divisão entre rapazes e raparigas prenuncia
outras divisões talvez de alunos com deficiência e sem deficiência, de alunos
com credos religiosos diferentes, talvez mesmo escolas diferentes para alunos
que mostrem capacidades e competências diferentes. Ao abdicar de uma perspetiva
inclusiva, estes movimentos ideológicos procuram a perfeição à sua maneira –
seguindo a lei do “menor esforço”.
Quando acabamos de comemorar os 70 anos
da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, caberia lembrar
que a Educação “deve promover a amizade entre todos” (art. 26.º) e, assim,
estas ideias de “menor esforço” e de “decisão óbvia e pragmática” podem
esconder – por ignorância real ou premeditada – o menosprezo da complexidade
que os fenómenos humanos têm por inerência. Encolher o esforço pode levar
também a um encolhimento dos Direitos, na medida em que só consigo menos
esforço de amputar a compreensão da realidade de aspetos essenciais.
É que os Direitos Humanos, o conhecimento, a Educação, a sustentabilidade,
dão trabalho e qualquer “menor esforço” é certamente um convite ao retrocesso e
ao desrespeito dos valores que mais devemos prezar para sermos uma sociedade
humana. Humana para todos.
Sem comentários:
Enviar um comentário