É dos livros e a realidade mostra, cada vez
de forma mais clara que o objectivo do sistema capitalista é o lucro, sempre o
lucro e, quanto mais elevado for, melhor. Não se olha a meios para se atingir
os fins e, qualquer ideia, por mais sórdida que seja, pode ser considerada
normal.
A guerra pelas audiências cujo exemplo
actual é protagonizado pela superestrela Cristina Ferreira e por Manuel Luís
Goucha, mostra à saciedade e de forma perfeitamente perceptível que assim é. Por
isso mesmo, Goucha não tem pejo de convidar para o seu programa, dito
erradamente de entretenimento, “um delinquente condenado a uma soma de 19 anos
de prisão e nazi declarado”.
Mais do que um gesto político, o convite ao
fascista Mário Machado tem a ver com a obtenção de receitas de publicidade que serão
tanto mais elevadas quanto mais vasto for o auditório, como se pode concluir
pela opinião manifestada por Francisco Louçã no suplemento de Economia do "Expresso" deste sábado.
Percebe-se bem a zanga que lavra nesta
guerra pelas audiências: nas vésperas da estreia do programa da Cristina
Ferreira, Goucha convidou um nazi, a coisa parecia ter corrido bem, falou-se do
caso, mas acabou por dar bernarda, perdeu logo a liderança das audiências, e
daí encontrou um santo remédio, anunciou um fascista para a semana seguinte,
Alexandre Frota. É uma galeria de horrores? Que nada, é uma feroz guerra pela
audiência e pela publicidade, é dinheirinho. E, se o Presidente telefona à
Cristina, a resposta é convocar a coleção dos energúmenos que parece que Goucha
quer adotar. Se uma chora de comoção pela honraria, o outro promete o ator
porno que se vangloria de uma violação, agora justificada como uma comédia
stand up, entre muitas outras aleivosias (e depois o homem não vem no dia
aprazado, malcriado). O sujo é mesmo sujo.
O convite de Goucha a Mário Machado foi
interpretado como um gesto político e o convite a Frota logo de seguida só
reforçou essa ideia. Mas continua a ser errada uma grelha de leitura política
ou a teoria sobre a invasão fascista na comunicação social (já nem me refiro à
pretensão de que um programa com um delinquente é uma restituição do pluralismo
que falta). O único motivo de Goucha é a guerra das audiências, o que não
desvaloriza o convite a um delinquente condenado a uma soma de 19 anos de
prisão, e nazi declarado, ou vontade de promover o porradismo de Bolsonaro.
Aliás, Goucha tentou apresentar Machado como um homem de “ideias” e o convite
como uma forma de democracia, ou até de higiene preventiva, mas recuou logo e
suspendeu a rubrica. Insistiu depois convidando Frota porque os números foram
constrangedores: estava a valer metade do programa concorrente. A bolsa das
audiências é que ativa o disparatómetro em que se tornou esta novela. Pode-se
por isso temer que o programa passe a incluir, depois das receitas de cozinha,
uma secção para ouvir os simpáticos milicianos que depois da emissão tiram a
maquilhagem, dizem boa-noite e vão organizar a caça aos negros ou aos
homossexuais, ou espancar mulheres pelas ruas fora. Se der audiências, pode
estar certo que vai ser proposto.
De
tudo, o que verdadeiramente me incomoda é que esta questiúncula, provocada por
uma escolha publicitária que mostra como, na luta por umas receitas de bilheteira,
um programador até pode utilizar a promoção da indiferença perante as
violências racista e fascista e outras barbaridades, oculta o que é
verdadeiramente perigoso. É mesmo essa guerra sem freio pelas audiências. Esse
é o vale tudo. E esse vale tudo até já está entre nós em modo ambicioso, num
canal perto de si, e tem estaminé no sofisticado populismo de gravata, que
carimba as opiniões, que exibe a pretensão de falar com o povo, se não mesmo em
nome do povo. Essa é a televisão de grande audiência que pode vir a ajudar um
futuro partido de extrema-direita ou simplesmente a transformação de alguns dos
partidos atuais. Deixemos o Machado na cela que escolheu, há por aí gente mais
perigosa e que parece mansa, mas que, como diria o Aleixo, não sendo o que parece,
parece o que não é.
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