Abordar
a situação da Grécia, por escrito, é algo arriscado porque se corre o risco de
fazer afirmações que, daí a pouco tempo, estão desactualizadas, tão rápida é a
sucessão dos acontecimentos. É o que acontece com o seguinte texto (*) que
transcrevemos do Diário de Coimbra desta quinta-feira, embora o essencial não sofra
desvios significativos. De qualquer maneira, a mensagem que fica é a da germanização
da Europa com a emergência de uma potência, a Alemanha, cuja vontade está acima
de tudo, inclusive da democracia.
Nestes
últimos dias e até amanhã [hoje], momento em que o parlamento alemão vai
ratificar [já ratificou] o que a sua liderança política já tinha unilateral e
superiormente decidido, assistimos ao princípio do fim de um projeto europeu
entre nações e povos integrados num modelo de solidariedade institucional,
social e económica, no respeito pelas opiniões democraticamente sufragadas e da
autonomia dos cidadãos. O “grexit” ou a potencial saída de um qualquer outro
país da zona euro, com as posições assumidas pelo trio Merkel/Schaüble/Sigmar,
por países no Eurogrupo e por membros do diretório do BCE (Benoit Coeuré/Vitor
Constâncio) passou a constituir um elemento permanente na avaliação dos
mercados, quer se queira quer não.
Até
os funcionários europeus, que participaram nas negociações, ficaram perplexos
com a dureza das exigências alemãs, pelo que se compreende o título da moderada
Der Spiegel – “um catálogo de horrores” –, no que já foi classificado como a
maior transferência de soberania, tal é a ingerência, nos domínios legislativo,
financeiro e jurídico na Grécia.
O
documento final, aprovado após intensas negociações com os responsáveis gregos
e que li atentamente, antes de escrever este texto, é um verdadeiro manual
político de como criar uma dependência perpétua durante décadas, ignorando quaisquer
vestígios de crescimento sustentado e do bem-estar dos cidadãos, o que poderá
significar o óbito, a prazo, de Alexis Tsipras.
Nas
sete páginas do documento, ainda não sei determinar se ficará para a História
de um outro Reich ou para a pequena história diletante e não amorfa. Exigem-se
reformas na fiscalidade, nos impostos, nas pensões, no mercado de trabalho e o
lançamento imediato de um programa de privatizações, nomeadamente a rede de
transporte de energia (REN) – o que aconteceu entre nós – de forma a gerar um
fundo de €50 mil milhões, que servirá para recapitalizar os bancos, pagar as
dívidas/juros, estando um quarto reservado para “investimentos produtivos” e
cuja sede se previa ficar no Luxemburgo.
O
momento em que escrevo antecede a reunião do parlamento grego para aprovar tais
medidas, relembrando, contudo, que o líder socialista (Pasok) Papandreu
procurou gerir o primeiro plano de austeridade, em outubro de 2009, até propor
um referendo às medidas já então severas impostas pelos credores, acabando por
se demitir face à renúncia da oposição, em novembro de 2011. No verão seguinte,
eis-nos perante um governo dirigido pelo conservador Antonis Samaras, coligado com
o Pasok e um pequeno partido de esquerda (Dimar). Em janeiro de 2015, Alexis
Tsipras chega ao poder com um programa axialmente baseado em três domínios:
aliviar a austeridade, reestruturar a dívida e desbloquear a última parcela do
plano de ajuda internacional para poder honrar os futuros pagamentos à troica. Em
26 de junho, face a mais um ultimato dos credores, anuncia um referendo e é obrigado a encerrar a atividade bancária,
face ao comportamento do BCE e do eixo Berlim/Bruxelas. Relembro, apenas, que
61,31% dos gregos votaram contra as propostas dos credores, pelo que no dia 7
de julho a Grécia recebe um novo ultimato.
Certamente
que a maioria dos leitores conhece os lamentáveis detalhes que se seguiram,
cumprindo-me sublinhar a intervenção do presidente francês Hollande, apresentado
como grande moderador do acordo (!) e que, quando confrontado com a
reestruturação da dívida grega, utilizou um substantivo que nem sequer consta
do dicionário “reprofilage”, isto é, uma reformulação do seu perfil. De como,
quando, que percentagem a ter em consideração, nada foi explicitado.
Mas,
em Bruxelas tudo é possível – sei, já que lá vivi quase uma década – pelo que,
em situações de grande complexidade, pode surgir, como um “fait-divers”, um
animal quase doméstico, neste caso o coelho, que se tira da cartola, abrindo o
caminho para de lá sair.
(*) João
Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação
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