sábado, 18 de julho de 2015

A GERMANIZAÇÃO DA EUROPA COM A FRANÇA A OBSERVAR…


Abordar a situação da Grécia, por escrito, é algo arriscado porque se corre o risco de fazer afirmações que, daí a pouco tempo, estão desactualizadas, tão rápida é a sucessão dos acontecimentos. É o que acontece com o seguinte texto (*) que transcrevemos do Diário de Coimbra desta quinta-feira, embora o essencial não sofra desvios significativos. De qualquer maneira, a mensagem que fica é a da germanização da Europa com a emergência de uma potência, a Alemanha, cuja vontade está acima de tudo, inclusive da democracia.
Nestes últimos dias e até amanhã [hoje], momento em que o parlamento alemão vai ratificar [já ratificou] o que a sua liderança política já tinha unilateral e superiormente decidido, assistimos ao princípio do fim de um projeto europeu entre nações e povos integrados num modelo de solidariedade institucional, social e económica, no respeito pelas opiniões democraticamente sufragadas e da autonomia dos cidadãos. O “grexit” ou a potencial saída de um qualquer outro país da zona euro, com as posições assumidas pelo trio Merkel/Schaüble/Sigmar, por países no Eurogrupo e por membros do diretório do BCE (Benoit Coeuré/Vitor Constâncio) passou a constituir um elemento permanente na avaliação dos mercados, quer se queira quer não.
Até os funcionários europeus, que participaram nas negociações, ficaram perplexos com a dureza das exigências alemãs, pelo que se compreende o título da moderada Der Spiegel – “um catálogo de horrores” –, no que já foi classificado como a maior transferência de soberania, tal é a ingerência, nos domínios legislativo, financeiro e jurídico na Grécia.
O documento final, aprovado após intensas negociações com os responsáveis gregos e que li atentamente, antes de escrever este texto, é um verdadeiro manual político de como criar uma dependência perpétua durante décadas, ignorando quaisquer vestígios de crescimento sustentado e do bem-estar dos cidadãos, o que poderá significar o óbito, a prazo, de Alexis Tsipras.
Nas sete páginas do documento, ainda não sei determinar se ficará para a História de um outro Reich ou para a pequena história diletante e não amorfa. Exigem-se reformas na fiscalidade, nos impostos, nas pensões, no mercado de trabalho e o lançamento imediato de um programa de privatizações, nomeadamente a rede de transporte de energia (REN) – o que aconteceu entre nós – de forma a gerar um fundo de €50 mil milhões, que servirá para recapitalizar os bancos, pagar as dívidas/juros, estando um quarto reservado para “investimentos produtivos” e cuja sede se previa ficar no Luxemburgo.
O momento em que escrevo antecede a reunião do parlamento grego para aprovar tais medidas, relembrando, contudo, que o líder socialista (Pasok) Papandreu procurou gerir o primeiro plano de austeridade, em outubro de 2009, até propor um referendo às medidas já então severas impostas pelos credores, acabando por se demitir face à renúncia da oposição, em novembro de 2011. No verão seguinte, eis-nos perante um governo dirigido pelo conservador Antonis Samaras, coligado com o Pasok e um pequeno partido de esquerda (Dimar). Em janeiro de 2015, Alexis Tsipras chega ao poder com um programa axialmente baseado em três domínios: aliviar a austeridade, reestruturar a dívida e desbloquear a última parcela do plano de ajuda internacional para poder honrar os futuros pagamentos à troica. Em 26 de junho, face a mais um ultimato dos credores, anuncia um referendo  e é obrigado a encerrar a atividade bancária, face ao comportamento do BCE e do eixo Berlim/Bruxelas. Relembro, apenas, que 61,31% dos gregos votaram contra as propostas dos credores, pelo que no dia 7 de julho a Grécia recebe um novo ultimato.
Certamente que a maioria dos leitores conhece os lamentáveis detalhes que se seguiram, cumprindo-me sublinhar a intervenção do presidente francês Hollande, apresentado como grande moderador do acordo (!) e que, quando confrontado com a reestruturação da dívida grega, utilizou um substantivo que nem sequer consta do dicionário “reprofilage”, isto é, uma reformulação do seu perfil. De como, quando, que percentagem a ter em consideração, nada foi explicitado.
Mas, em Bruxelas tudo é possível – sei, já que lá vivi quase uma década – pelo que, em situações de grande complexidade, pode surgir, como um “fait-divers”, um animal quase doméstico, neste caso o coelho, que se tira da cartola, abrindo o caminho para de lá sair.
(*) João Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação

Sem comentários:

Enviar um comentário