O
actual ministro da Educação vai ficar na história portuguesa recente como um
dos piores que geriram aquela pasta desde a reinstauração da democracia em Portugal.
Quem ouvia os seus comentários antes de ser governante esperava outra postura
de Nuno Crato. É que, para além da ignorância que revela “sobre a complexidade
de um sistema de ensino”, também patenteia uma notória “falta de seriedade intelectual
e política”, muito bem exposta no seguinte texto do Prof. Santana Castilho que
transcrevemos do Público de hoje e que merece uma leitura atenta.
Uma
análise do discurso de Nuno Crato, antes e depois de ser ministro, tropeça
profusamente na recorrência com que se encontra o termo “rigor”. Mas o rigor é
inatingível sem conhecimento profundo do universo em que se opera e sem
seriedade intelectual e política. Em fim de mandato, Nuno Crato não será
recordado pelo rigor.
A
ignorância a que me refiro, sobre a complexidade de um sistema de ensino, está
particularmente patente na escabrosa reforma curricular que Nuno Crato
promoveu, marcada por reminiscências doutrinárias do seu debute político. Com
efeito, adoptou o clássico princípio do materialismo dialéctico (aumentando a
quantidade transformamos a qualidade da realidade) ao desenvolvimento
curricular. Aumentou a carga horária das disciplinas a que chamou de
estruturantes (desconhecendo que a natureza estruturante ou instrumental das
disciplinas se altera em função de contextos e não resulta de simples
enunciação mas sim de fundamentação, coisa que nunca fez) e despejou avalanches
de exames sobre as escolas, convencido de que, assim, o saber aumentaria. Mas
não aumentou nem aumentará, só por isso.
O
tempo para aprender é importante. Mas mais importante é o que se faz com esse
tempo. Aumentar a carga horária a um aluno que não entende o que lhe dizem é,
tão-só, aumentar-lhe o suplício e desenvolver-lhe o ódio à Escola. Manter
sentado, durante o mesmo tempo, um infante de 10 anos ou um jovem de 18, um
aluno interessado ou um aluno justificadamente desinteressado, dá resultados
diferentes.
A
revisão curricular de Nuno Crato obedeceu a uma lógica invertida: iniciou-se
com a distribuição das horas por cada disciplina, prosseguiu com a definição
das metas de aprendizagem e terminou com a aprovação de novos programas. Ou
seja: sem se saberem as razões da necessidade de consignar determinado número
de horas a determinada disciplina, porque programas e metas ainda estavam para
vir, consignou-se. O recém homologado programa de Português para o ensino
básico, com as suas quase 1000 metas (leu bem, leitor, mil metas) é um belo
paradigma da insanidade pedagógica a que chegámos. O problema é que a
inadequação deste e de outros programas aos estudantes a que se destinam é algo
impossível de explicar a quem chamou ocultas às ciências da Educação e
substituiu a pedagogia pela contabilidade. A quem privilegiou umas ciências em
detrimento das outras, que explicam o sentido da vida e a natureza do Homem. A
quem, em nome da formação técnica, estreitou a porta de entrada das
humanidades, das artes, do desporto e da cidadania completa.
A
falta de seriedade intelectual e política supera a ignorância. Colhamos
exemplos neste fecho de ano escolar. A subida da média do exame de Matemática
A, acabada de conhecer, um dos melhores resultados de sempre, diz o quê? O que
se afirmou no editorial do Público de segunda-feira, isto é,
que sim, os exames são um instrumento político. Só que o ministro é neste
momento o comentador que, em 2008, acusava Maria de Lurdes Rodrigues de fazer o
mesmo que agora se verificou. É aquele que vociferava no Plano Inclinado contra a impossibilidade de
se fazerem comparações de resultados de um ano para o outro, exactamente como
agora, no dizer do presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, a mesma
que era presidida por Nuno Crato em 2008. É aquele que nos toma por tolos, invocando
a independência de um IAVE que ele paga, cujos órgãos de direcção, com uma
única excepção, são nomeados pelo Governo, sob proposta dele. E que disse o
presidente do Conselho Científico do IAVE, o único órgão não nomeado pelo
Governo, em Coimbra, em 16 de Maio passado? Que o Ministério da Educação e
Ciência condiciona o IAVE, preordenando o resultado dos exames. Como acabamos
de verificar.
A
diminuição da taxa de reprovações nos anos de exame, tão celebrada pelo
Ministério da Educação e Ciência, tem uma razão para quem não se fica pelas
letras gordas: é que, em contrapartida, está a aumentar o número daqueles que
ficam retidos nos anos intermédios. Penalizadas pelos resultados das
classificações (créditos de horas), pressionadas pela febre dos exames, as
escolas deixam para trás os que têm dificuldades de aprendizagem e os que
pertencem a famílias social e economicamente mais débeis. Circunstância para
que contribui, do mesmo passo, a crescente desmotivação dos professores,
sobrecarregados de trabalho, sujeitos há anos ao congelamento de carreiras e a
cortes salariais, muitos sem projecto de vida e expostos a despedimentos
sumários.
Se na próxima legislatura a
Educação continuar governada apenas por paradigmas utilitários e econométricos,
não conseguiremos compreender socialmente, quanto mais resolver, os grandes
problemas que se colocam aos alunos, às famílias, aos professores, numa
palavra, ao país.
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