Nestes
dias, qualquer escrito sobre a crise do euro e as suas repercussões na Grécia,
corre o risco de ser ultrapassado pelos acontecimentos, tão depressa estes se
sucedem. Isso dá azo a uma colossal manipulação da informação por parte das
forças mais poderosas envolvidas neste processo, já que têm facilitado o acesso
aos grandes meios de comunicação social europeus e mundiais, detidos por
acérrimos inimigos ideológicos do actual governo grego. O receio do sucesso das
medidas anti-austeridade que este pretende implementar, deixando assim em xeque
as políticas austeritárias levadas a cabo até agora nos países sob intervenção,
leva a que passe a valer tudo na manipulação da informação. É, pois, muito
importante a divulgação das reais intenções do capital financeiro e dos seus
mandatários que dominam toda a União Europeia. As forças democráticas do velho
continente estão actualmente a ser sujeitas a enormes pressões provenientes de
um regime tendencialmente de partido único à escala europeia, relativamente ao
qual é preciso opor toda a resistência possível.
O
título do texto seguinte, “Massacres” (*), que recolhemos do Diário de Coimbra
de ontem, assenta muito bem naquilo a que neste momento a democracia está
sujeita na Europa.
Longe
de mim alguma vez escrever sobre massacres, mas eles aconteceram, este fim de semana,
na Tunísia, no Koweit, em França, na Síria e no Iémen, todos reivindicados por
um denominado Estado Islâmico (EI), que já controla uma superfície três vezes
superior a Portugal e dispõe de núcleos ativos em sete países, do Índico ao
Mediterrâneo.
Não
releva da curiosidade, mas da consciência política e da cidadania, quem, que
organizações e que interesses estiveram na origem da criação do EI. Esta
segunda-feira, dia do seu primeiro aniversário, foi precedida de massacres com
assassinatos e bombas explosivas.
Todavia
e com a abertura que a semântica nos proporciona, podemos dizer que há outras
tipologias de massacre e uma delas ocorreu, no sábado passado, na reunião do
Eurogrupo, com a expulsão do representante da Grécia e o anúncio da
continuidade das medidas, ditas de austeridade, para este país ou, mais
especificamente, contra o primeiro-ministro Alexis Tsipras e o seu partido
Syriza.
Assim,
foi lançado um verdadeiro ultimato a um país soberano, feito por uma
organização que é, tão só, uma estrutura informal com poderes vagamente
delegados pela comissão e conselho europeus, decisão tomada por 17 dos 18
ministros das finanças.
O
comité independente para a verdade da dívida pública grega, eleito pelo atual
parlamento e num relatório preliminar já divulgado e escondido dos políticos e media europeus, demonstra que apenas 10%
dos empréstimos feitos ao Estado grego, foram utilizados para servir
diretamente as populações, tendo o restante servido para pagar os empréstimos e
juros, nomeadamente, a bancos alemães e franceses.
O
documento, que apresenta as bases jurídicas, justificando a suspensão
unilateral dos reembolsos financeiros, conclui que a dívida é “ilegal, ilegítima
e odiosa”.
Por
coincidência, tanto o ex-diretor do FMI, o ressuscitado Dominique Strauss-Kahn,
como o economista Thomas Piketty (BFM) partilham sensivelmente a mesma opinião:
a Grécia deve beneficiar de uma extensão da maturidade da sua dívida, além de
ser imediatamente reestruturada.
Compreende-se
que a burocracia política de Bruxelas tenha procurado meter no lixo o que disse
o ministro das finanças grego Varoufakis sobre a intervenção do famigerado trio
no país, de que deixo aqui apenas alguns números: salários -37%, número de
funcionários públicos -30%, défice corrente 16%, PIB -27%, desemprego 27%,
dívida pública 180% e 90% dos desempregados já sem receberem subsídios diretos.
Sabendo
isto, torna-se mais compreensível o
discurso de Alexis Tsipras ao defender um referendo, no final desta semana (…)
a nossa responsabilidade na afirmação da democracia e da soberania nacional é
histórica e esta responsabilidade obriga-nos a responder a um ultimato,
baseando-nos na vontade do povo.
Mesmo
numa simples visão eurocêntrica, cumpre-nos ter a consciência e assumirmos a
nossa repulsa em não continuarmos a ser “meros cidadãos recicladores da
dívida”, que nasceu da especulação e do que qualifico como “crime financeiro
organizado”.
Já
que a palavra “massacre” surgiu neste texto, chamo a atenção dos leitores para
um processo complexo, muito bem estruturado e, por isso, mais permissível e
constante nos principais media
globais – a luta entre a informação e a comunicação, com esta a assumir o papel
de vencedora, a ficar detentora da verdade, ou seja, do poder.
Neste
contexto, “veja-se” como a chanceler Merkel, prisioneira do seu ministro das
finanças Schäuble, refutou qualquer acordo político, já que tal caminho
exigiria e exige a reestruturação da dívida helénica.
Que
dizer de Mariano Rajoy, à frente do governo mais corrupto que a Espanha
conheceu desde o fim do franquismo e, ele próprio, envolvido no escândalo
Bárcenas, o ex-tesoureiro do seu partido, ao exigir “um governo sério para os
gregos”.
No
momento em que escrevo, no final da tarde do dia alegada e falsamente
considerado como prazo limite para o pagamento ao FMI, tudo é ainda possível e
vermos, se aqui, os massacres serão outros.
(*) João
Marques, diplomado em Ciências da Comunicação
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