domingo, 27 de maio de 2018

DE NOVO O DESORDENAMENTO DO TERRITÓRIO



O processo de desordenamento do território que durante alguns anos esteve mais ou menos controlado, voltou à ordem do dia, com consequências altamente lesivas para a esmagadora maioria dos portugueses. É sobre este tema muito actual que a socióloga Luísa Schmidt assina no "Expresso" deste sábado, um artigo de opinião cujo conteúdo reproduzimos a seguir.
Durante anos a causa principal das maleitas ambientais no nosso país foi sempre a mesma: o desordenamento do território e os seus ciclos viciosos.
Houve um tempo em que, fosse por boas razões — melhor administração e melhores leis — fosse por más — a crise que tolheu a economia e a sociedade —, a maleita parecia menos aguda. Infelizmente a febre volta a subir e volta a ser sintoma de um descontrolo que está a recolocar o país de novo em rota de desordenamento.
Não é preciso fazer investigações sofisticadas nem meter o nariz em segredos. Basta abrir as páginas do imobiliário e ver a publicidade aos empreendimentos. Basta ver os anúncios aos créditos oferecidos por vários bancos a cavalo de vários cartões e promessas.
Em Armação de Pera a “30 metros da praia”... é assim que se anuncia um grande empreendimento imobiliário. Depois de tudo o que aconteceu e se sabe sobre os riscos das zonas costeiras, eis que crescem mais prédios frente às ondas.
Em Oeiras, na encosta da Serra de Carnaxide, o que sobra de proteção ambiental, dada a intensidade de ocupação do território em redor, fora decidido acautelar solos, água, ar, zona verde. Por um passo de magia, entre dois planos municipais, a zona de segurança e qualificação desapareceu e passou a solo urbano, ou seja, para prédios e mais prédios ... acabando com uma das últimas zonas verdes do concelho de Oeiras.
Em Lisboa — não bastava o processo galopante de gentrificação e expulsão dos residentes incluindo idosos que a solicitude cristã que inspirou a lei das rendas à líder do PP veio agilizar, exponenciada pelos vistos gold e pelos investimentos imobiliários globais — acresce agora a convulsiva edificação da zona ribeirinha. Não é só a barreira que cria às históricas encostas das nossas colinas, ao seu sistema de vistas e ao espraio para o rio. É a sofreguidão com que, usando grandes ateliês de arquitetura, o imobiliário vai descarregar onze prédios de sete andares em Alcântara, mais todo o trânsito que a vida desses prédios vai pôr a entrar e a sair não se sabe por onde, tudo isto à cota zero. E não fica por aí, o mesmo se vai passar no Aterro da Boavista em Santos — com prédios de oito andares mais dois pisos técnicos na Boavista Nascente e Boavista Poente. E, mais adiante, a sobrecarregada urbanização da Matinha.
Depois, dentro da cidade há muitos outros casos que o gigantismo balofo do megaimobiliário prepara e que se desdobrarão num pesadelo de tráfego urbano e de obstrução exibicionista à cidade histórica.
O problema não está na construção de prédios. O problema está na desmesura e até na fealdade: duas razões que a lei prevê poderem ser motivo de não aprovação por parte das câmaras e que nunca conseguem vingar porque alguns direitos por algumas vias tortas conseguiram algemar a lei, a cidadania e o futuro.
Quando chegamos ao ponto de o presidente da CML vir confessar-se impotente para chumbar aquilo que ele próprio considerou um ‘mono’, como aconteceu no Largo do Rato, sentimos que vivemos em duas repúblicas: uma é a nossa e chama-se país; outra pertence ao imobiliário, à banca, aos gabinetes de advogados e de arquitetos, aos grandes negócios que se combinam à revelia de todos nós.
A irracionalidade deste sistema duplo corrói o país. Muitas vezes não só corrói como corrompe. A história a seguir já todos a conhecem: ficarão as despesas para pagarmos, incluindo dívidas e riscos que não se acautelaram; o território por reabilitar, e mais uma vez a moralidade da história que ninguém quis aprender.


Sem comentários:

Enviar um comentário