segunda-feira, 28 de maio de 2018

TRÊS CATÓLICOS EM DEFESA DA DESPENALIZAÇÃO DA EUTANÁSIA



Segundo se pode ler numa enciclopédia, eutanásia “na Grécia antiga designou a possibilidade de uma morte “boa” e sem perda de dignidade”. Ao longo dos tempos, esta definição foi sendo alvo de significações e interpretações com os mais variados matizes.
Neste momento, a eutanásia é um tema de aceso debate na sociedade portuguesa por via da apresentação no Parlamento de quatro projectos de lei apresentados respectivamente pelo PAN, BE, PS e PEV que visam a sua despenalização. Tendo em conta as posições assumidas pelos vários sectores da sociedade portuguesa, percebe-se perfeitamente que os mais conservadores, onde quer que se encontrem situados ideologicamente, entendem que a eutanásia deve permanecer ilegal, enquanto os mais progressistas defendem a “despenalização da morte voluntária e assistida”. Dentro deste sector encontram-se os católicos, José Manuel Pureza (dirigente do BE), Paulo Bateira (médico) e Paula Abreu (socióloga) que assinam o seguinte artigo de opinião que veio à estampa no “Público” de hoje.
A despenalização da morte voluntária e assistida não opõe crentes a não crentes. Numa sociedade pluralista como felizmente é a nossa, os homens e as mulheres de fé não constituem um partido ou uma força de pressão. Desde logo, porque, felizmente, o pluralismo de opiniões existe também no seu seio. E numa sociedade pluralista como felizmente é a nossa, deve ser a tolerância a imperar, cabendo à lei regular as condições de afirmação dessa tolerância. É nesse espírito que defendemos a despenalização da morte voluntária e assistida.
Somos católicos. E tomamos posição no debate sobre a despenalização da morte voluntária e assistida a partir dessa nossa condição fundamental. Assumimos que a identidade cristã não está antes de mais em códigos morais fechados mas em práticas e estilos de vida. Mais do que algo que se pensa, se sente ou se diz, o cristianismo é algo que se faz. E a vida de Jesus é o testemunho que nesse fazer prevalece o acolhimento sobre o anátema, a responsabilidade da liberdade sobre a tutela religiosa ou política.
O Deus bíblico, que se fez nosso companheiro desde os começos e desde os começos nos ama como seres de liberdade e autonomia, terá de ser amorosamente convocado como proximidade afetuosa em total respeito pela nossa autonomia e consciência, na hora em que chegar o nosso fim de vida.
É neste espírito que entendemos que, para o/a crente, apoiar ou defender a despenalização da eutanásia não significa a recusa do dom da vida. Acreditar no dom da vida é também acreditar que essa é uma dádiva de Deus a todos e todas (e não apenas a crentes) enquanto pessoas dotadas de consciência moral, de inteligência e de liberdade. A radicalidade destas três condições da pessoa humana obriga-nos a reconhecer a pluralidade de posições que diferentes pessoas podem ter perante os desafios e as dificuldades que, hoje, nos colocam o fim da vida e a morte. Porque, como escreveu o teólogo Torres Queiruga sobre o dom divino da vida, “justamente porque Deus me doou a vida a mim, é para que eu a administre. Não sou Deus mas também não sou escravo: vivo numa relação filial mas sob minha responsabilidade”.
Defender a despenalização da eutanásia, tal como ela está a ser proposta atualmente no parlamento português, significa reconhecer a cada um/a, como ser moral, inteligente e livre, o direito de, em consciência e em situações de reconhecida impossibilidade de cura e sofrimento insustentável físico e psíquico, decidir sobre o fim da sua vida. Não se trata de reconhecer um direito a matar. Trata-se de reconhecer um direito a morrer de acordo com as condições que só cada um/a pode avaliar e que só cada um/a pode assumir, de forma reiterada e acompanhada, que constituem o limite da dignidade da sua própria vida.
Nada disto contraria a defesa imperativa de um Serviço Nacional de Saúde capaz de responder às necessidades de todas e de todos, nomeadamente os que se encontram em situações de doença aguda, prolongada e de sofrimento. Nada disto contraria a defesa da urgência da cobertura nacional dos cuidados paliativos no Serviço Nacional de Saúde. Nada disto contraria a necessidade urgente de reconhecer o papel dos cuidadores informais e de a sociedade e o Estado encontrarem formas de lhes proporcionar uma rede de apoio de que necessitam e lhes é devida .
Nada disto contraria o direito de cada pessoa enfrentar a doença, a degradação da sua condição física ou mental, e o sofrimento de forma estoica, digna e inelutável. Significa apenas reconhecer que o julgamento e a decisão consciente e individual perante essas condições são um direito inerente à liberdade radical do ser humano filho de Deus. É dessa liberdade que nos reclamamos. É essa liberdade que reclamamos para todos.

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