O
ziguezaguear recente da retórica da actual administração norte-americana –
muito ao seu estilo – sobre as negociações com a Coreia do Norte, tendo em
vista o desmantelamento do arsenal nuclear deste país, não augurava nada de bom
relativamente ao futuro. Quando, numa negociação política entre duas partes, uma
delas, supostamente a mais forte, aposta na cedência total da outra é certo e
sabido que nada de bom daí resultará. E o resultado está á vista, com tudo a
retornar à estaca zero e o mundo voltar a ficar mais perigoso. A cedência do
regime da Coreia do Norte às pretensões de Trump colocaria em perigo a sua própria
sobrevivência, o que seria de todo impossível acontecer.
É
à volta deste tema que gira o artigo de opinião que o advogado Domingos Lopes assina
no “Público” de hoje e que apresentamos a seguir.
Haveria alguém, neste mundo, que acreditasse que a
liderança da Coreia do Norte fosse desmantelar o seu arsenal nuclear e deixasse
que no Sul continuassem intactos centenas ou milhares de mísseis nucleares
prontos a atingirem o Norte ou a servirem de chantagem para a sua rendição?
Haveria alguém, neste mundo, que acreditasse que Kim
Jong-un e os seus correligionários fossem desmantelar o seu arsenal nuclear com
base em promessas sem qualquer garantia de que se efetivassem?
O Sul sabe que precisa dos EUA, mas também sabe que em
caso de conflito nuclear a Coreia no seu conjunto ficará reduzida a montes de
escombros, bem se sabendo que em matéria de novas tecnologias e na indústria
automóvel competem diretamente com os EUA.
A Coreia do Sul não quer ficar à mercê de Trump,
sempre imprevisível e arrogante. É legítimo pensar que o Sul ainda queira, tal
como o Norte, desnuclearizar toda a Península, afastando deste modo as
possibilidades sempre reais de um conflito nuclear.
No fundo, as duas Coreias ficariam livres desse
pesadelo e libertariam recursos para outros fins.
A viagem súbita e inesperada de Moon Jae-in a
Washington logo que Kim Jong-un adiantou a hipótese de um adiamento da cimeira
com Donald Trump mostrava a importância que tinha para aquele país a realização
da cimeira.
Não era credível que Kim Jong-un tivesse aceitado a
cimeira com Trump com base no seguinte pressuposto: liquidar o arsenal nuclear,
sem mais nada da outra parte.
Podia
haver “bluff” dos dois lados. Do lado
da Coreia do Norte para se apresentar com outro estatuto na comunidade
internacional e, do outro lado, para amortecer o choque da declaração a rasgar
o acordo nuclear como Irão e os restantes países signatários.
A
Coreia é uma nação milenar, com uma cultura ímpar, que enfrentou poderosos
inimigos ao longo da sua história. Tem passado. Sabe o que é uma negociação,
podendo, como todos os negociadores, fazer uma má avaliação dos seus trunfos,
tanto do lado Norte como do Sul. Mas também tal erro era possível por parte de
Donald Trump, sobretudo se partir para as negociações com imposições que para
Kim Jong-un eram inaceitáveis.
Haveria
alguém, ao cima da Terra, que acreditasse numa negociação em que uma das partes
(como foi referido por Pompeo) tinha zero de concessões a fazer e a outra
entregava de mão beijado o seu único ás?
Em
linguagem simples, o que o secretário de Estado propôs à Coreia do Norte foi a
rendição pura e simples e não uma negociação. Era de crer que Kim Jong-un
aceitasse?
Não
era de esperar que o regime coreano aceitasse pura e simplesmente desmantelar o
seu arsenal nuclear, sem ter garantias de que não ficava à mercê dos EUA, que
têm cerca de 30 mil soldados e armas nucleares estacionadas no Sul.
Admite-se
como muito provável que o Presidente Moon Jae-in quisesse afastar um perigo
enorme que sobre o Sul recai, em caso de conflito. Se o Norte desmantelasse o
seu arsenal, se na parte Sul deixasse de haver armas nucleares, era claro que
haveria um alívio para toda a península. E os vizinhos também poderiam respirar
melhor, dado que a China, o grande vizinho, a última coisa que deve desejar é
um conflito na sua fronteira; tal como a Rússia.
Kim
Jong-un quis assegurar que ficaria à frente do Norte para negociar com o Sul,
muito mais desenvolvido e poderoso. Seria possível esta última hipótese? Era a
única possível para afastar o perigo de guerra.
Trump nada tinha para negociar com a
Coreia do Norte. Zero, como afirmou Pompeo. Como Kim Jong-un não se rendeu,
voltará a linguagem da guerra, que costuma trazer maus tempos. O mundo fica
agora mais perigoso.
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