“Pela percentagem de representantes de extrema-direita
eleitos em diferentes Estados-membros” da UE, se compreende a crescente preocupação
de muitos democratas europeus relativamente ao futuro do Velho Continente.
Um dos mais significativos exemplos do que acabámos de
afirmar chega-nos da Hungria – mas há mais – onde o partido do extremista Viktor
Orbán acaba de obter uma importante maioria absoluta nas recentes eleições, 133
lugares num parlamento com 199 deputados. Se atendermos a que foram eleitos
mais 26 deputados noutro partido ainda mais radical à direita, isso significa
que no parlamento húngaro os democratas sejam cerca de 20%, ou seja, 40
deputados. Estamos, pois, perante uma situação alarmante, principalmente porque
o partido de Orbán, o Fidesz, integra o Partido Popular Europeu, grupo
maioritário no Parlamento Europeu de que fazem parte PSD e CDS…, o qual boicota
quaisquer resoluções que pretendam condenar o regime húngaro pela crescente
violação das normas democráticas, dos direitos fundamentais e do Estado de direito.
O
Ovo da Serpente no centro da Europa é o significativo título de um artigo de opinião de Miguel
Cardoso, assessor no PE e professor de filosofia, em que é abordada a situação
na Hungria e de onde retirámos o seguinte excerto.
No passado dia 8 de Abril, Viktor Orbán obteve uma
maioria absoluta nas eleições na Hungria. Foi reeleito para o terceiro mandato
consecutivo e o seu partido, o Fidesz (nacionalista-populista), ocupa agora 133
lugares num parlamento com 199 deputados. Se a estes juntarmos os 26 deputados
eleitos pelo Jobbik (extrema-direita), então a oposição fica com escassa margem
de manobra. A mensagem que esta eleição transmite deve ser motivo de
preocupação para a União Europeia, mais ainda quando a afluência às urnas rondou
os 69%.
Viktor Orbán tem, de forma sistemática, colocado em
causa a separação de poderes e o equilíbrio entre as instituições democráticas
na Hungria, tem reprimido o sistema judiciário, restringido a independência dos
órgãos de comunicação social e legislado de forma a dificultar o trabalho das
ONG. Os órgãos de comunicação social húngaros estão hoje transformados numa
máquina de propaganda que bombardeia os cidadãos com mentiras grotescas acerca
dos muçulmanos e dos migrantes, enquanto permanecem em silêncio sobre os
inúmeros escândalos de corrupção que atingem o Governo e que já mereceram a
intervenção da OLAF, a autoridade europeia anticorrupção. Grande parte da
campanha eleitoral assentou em promessas de pôr na ordem os media e
organizações independentes, denunciadas como "agentes da influência
estrangeira" e "ameaças à segurança nacional". Logo após ganhar
as eleições, ordenou que se publicasse uma lista com o nome de 200 activistas,
professores e jornalistas que considera próximos de George Soros, erigido como
o grande inimigo desta Hungria. Isto sucede num país que passou pela repressão
comunista.
A derrapagem democrática e autoritária na Hungria tem
sido acompanhada por um discurso musculado contra refugiados, migrantes e a
própria União Europeia (UE). “A Europa está a ser invadida e a UE não consegue
parar a migração e defender os seus cidadãos.” Esta é a mensagem que Orbán não
se cansa de repetir. Lembramos que, em 2015, fechou as suas fronteiras aos
refugiados sírios, maltratou-os e negou-se a acolher um que fosse. Quando a
Comissão Europeia propôs quotas para o acolhimento dos refugiados do Médio
Oriente, Orbán respondeu com uma barreira de arame farpado. A sua oposição à
política migratória da UE segue intacta. Também em 2015, defendeu a aplicação
da pena de morte.
Estas eleições mostraram que uma extensa parte da
população húngara se revê no seu discurso. Pela percentagem de representantes
de extrema-direita eleitos em diferentes Estados-membros, acreditamos que uma
parte significativa dos europeus também pensa da mesma maneira. Viktor Orbán
representa um sério desafio para a UE. Em pleno centro da Europa, temos um
governo que rejeita os seus valores democráticos e humanistas, mas que, de mão
estendida, continua a aceitar de bom grado os seus cheques. O dinheiro da UE
continua a correr na Hungria e arriscamo-nos a que seja usado por Orbán para
consolidar o seu regime autocrático. A aproximação do final de mandato desta
Comissão Europeia não parece propícia a um braço de ferro com Orbán. Mais ainda
porque o Fidesz integra o PPE, o grupo maioritário no Parlamento Europeu, facto
que vai resguardando Orbán de qualquer reacção mais radical. A propósito das
últimas eleições, Manfred Weber, líder do PPE, reafirmou o seu apoio a Orbán,
considerando que “o partido Fidesz está a fazer um bom trabalho na
Hungria”. A extrema-direita no Parlamento Europeu também está do lado do
primeiro-ministro húngaro.
Como assinalou o El Mundo (9 de
Abril), Orbán é hoje uma espécie de semideus para uma elevada percentagem de
cidadãos húngaros, com a sagrada missão de defender a Europa da invasão infiel,
mas também de todas as obrigações da UE que não lhe convêm. A esperança de que
venha a tornar-se mais moderado e razoável tem vindo a desvanecer-se. Pelo
contrário, tem-se revelado mais ambicioso a cada dia que passa e não tem
encontrado oposição digna de registo. A tecnocracia não parece ter efeito em
Orbán.
Numa resolução
aprovada no ano passado, o Parlamento Europeu condenou a "grave
deterioração do Estado de direito, da democracia e dos direitos
fundamentais" na Hungria e apelou às instituições da União
Europeia que ponderem dar início a um processo que, em última análise, pode
levar à imposição de sanções inéditas contra Budapeste. O texto insta o
Conselho Europeu, o órgão máximo da União, composto pelos líderes dos países
membros, a agir em conformidade com o artigo 7.º do Tratado da União Europeia.
Este artigo permite a abertura de um processo sancionatório quando se "verificar
a existência de um risco manifesto de violação grave dos valores referidos no
artigo 2.º (dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, Estado
de direito) por parte de um Estado-membro”. No entanto,
qualquer decisão ao nível do Conselho terá de ser tomada por unanimidade, o que
não parece que vá suceder, uma vez que outros Estados-membros, como a Polónia,
a República Checa e a Eslováquia (o denominado Grupo de Visegrado), parecem
empenhados em seguir a senda da Hungria.
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