domingo, 13 de maio de 2018

CRESCEM DESIGUALDADES ECONÓMICAS E SOCIAIS A NÍVEL GLOBAL


Uma cada vez maior desigualdade na distribuição da riqueza a nível planetário em nada contribui para a paz mundial antes pelo contrário, é um excelente potenciador de conflitos entre os povos de todo o mundo. Ainda que aqui ou acolá, as condições de vida das populações registem algumas pequenas melhorias, a verdade é que, a nível global, as desigualdades económicas e sociais estão a agravar-se pois os níveis de pobreza encontram-se a crescer para os que menos possuem, enquanto os mais ricos vêem o s seus proventos aumentarem significativamente. A ganância não tem limites e, aqui residirá um dos pontos fulcrais para a insegurança que se sente a nível global. Não restam grandes dúvidas de que as políticas neoliberais que actualmente dominam no planeta estão na base desta situação mas, a tendência é para continuarmos a assistir à sua radicalização com as nefastas consequências que daí advirão.
O texto que apresentamos a seguir é um excerto de um longo artigo de opinião sobre “as crescentes desigualdades económicas e sociais” que o prof. universitário Filipe Duarte Santos assina no “Público” de hoje, com grande oportunidade.
A evolução recente da distribuição da riqueza nas economias avançadas dá-nos um exemplo atual de um comportamento coletivo extremo surpreendente. O caso dos EUA é paradigmático e foi recentemente estudado por Piketty, Saez e Zucman (Piketty, 2016). Quando se compara a distribuição dos aumentos anuais dos rendimentos reais e líquidos em função do rendimento para dois períodos de tempo consecutivos de 34 anos, um que termina em 1980 e outro que termina em 2014, surgem duas curvas muito diferentes. No período de 1946-1980 os maiores aumentos situam-se na classe média e nos rendimentos mais baixos. O valor do aumento do rendimento da classe média é cerca de 2% o que representa uma duplicação do rendimento real líquido em cerca de 34 anos. No período de 1980-2014 a curva inverte-se e agora os aumentos mais baixos situam-se nos rendimentos mais baixos e os aumentos mais elevados na parte mais rica da população. A classe média, em lugar de aumentos reais e líquidos de 2%, no período mais recente teve aumentos de 1%. No período mais recente os aumentos de 2% só se encontram no percentil dos 4% mais ricos. No extremo do gráfico correspondente aos rendimentos mais elevados a curva dos aumentos apresenta um máximo muito pronunciado que atinge aumentos reais e líquidos anuais superiores a 6%. Tal significa que os mais ricos e apenas os mais ricos receberam aumentos significativos do rendimento nas últimas décadas. As desigualdades de riqueza estão pois a agravar-se de forma muito significativa e isso tem consequências sociais e políticas. O aumento de riqueza do 1% dos mais ricos é claramente um excesso surpreendente para muitos, natural para outros, e para o qual existem certamente razões muito fortes. São provavelmente múltiplas e variadas mas a causa mais próxima pode resumir-se na afirmação de que nas últimas três a quatro décadas a receita gerada pela economia fluiu mais para os lucros do que para os salários, comparativamente ao período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Outro aspeto importante é a economia americana estar a crescer, mas a taxa de crescimento nas últimas décadas tem sido, em média, bastante inferior à média do período do pós-guerra. Importa ainda salientar que enquanto o excedente comercial externo médio do período 1946-1980 representava 0,5% do PIB dos EUA, no período de 1980-2014 houve um défice comercial externo de 2,7% do PIB (Piketty, 2016). Nas últimas décadas não só o crescimento económico se tornou mais lento como a economia se tornou menos competitiva no mercado global. A reação da sociedade americana a estas adversidades fez-se por meio de múltiplos e complexos mecanismos políticos, económicos e sociais que redistribuíram os excedentes, agora mais limitados, favorecendo os mais ricos em detrimento da classe média e dos mais pobres. Estamos perante decisões surpreendentes que revelam uma enorme fé no modelo económico e financeiro liberal da “free enterprise” que grande parte dos americanos considera ter sido não só a causa e o motor da ascensão dos EUA até se tornar o país mais poderoso do mundo em termos económicos e militares, como de forma mais geral a origem e a essência da identidade e do excecionalismo dos EUA (Lipset, 1997). Uma análise mais fina permite identificar um conjunto de tendências, circunstâncias, processos económicos e políticos, legislações e regulamentações que contribuíram para provocar o recente aumento das desigualdades económicas e sociais nos EUA. Entre elas encontra-se a tendência para a globalização que baixou os salários nas indústrias mais afetadas pela concorrência externa, os avanços tecnológicos que aumentaram mais as diferenças salariais em função das qualificações e competências, especialmente no domínio das tecnologias digitais. Outros fatores importantes foram a degradação salarial provocada por níveis elevados e persistentes de desemprego, a perda de representatividade e poder dos sindicatos nos EUA, a desvalorização dos salários resultante da concentração do poder económico em grandes empresas. Na área governamental manifesta-se, especialmente no atual governo, a tendência para contrariar a progressividade dos impostos, ou seja, diminuir a taxa de imposto sobre o rendimento dos que auferem maiores rendimentos e a criação de regimes especiais altamente complexos que aliviam a sua carga fiscal. Importa ainda referir a financialização e desregulação crescente da economia americana que produz a chamada “economia do champô” caracterizada por ciclos de – bolha, rebentamento e nova bolha – no final dos quais o colapso do sistema financeiro é evitado com injeções massivas de dinheiro dos contribuintes, proveniente principalmente dos que têm rendimentos médios e baixos. Este ciclo constitui um processo eficiente de transferir poder financeiro e económico para os rendimentos mais elevados. As políticas públicas nos EUA estão atualmente a contribuir para agravar as desigualdades económicas mas tal é considerado um mal menor face ao imperativo de manter o excepcionalismo e a hegemonia económica e militar do país no mundo. Prevalece a opinião de que apenas essas políticas públicas podem conseguir que o PIB do país cresça anualmente acima dos 3%. Este programa político é apresentado, de forma simplista mas politicamente muito eficaz, através da frase “Let´s make America great again”, que baseou a campanha do atual presidente dos EUA.

Sem comentários:

Enviar um comentário