sexta-feira, 14 de maio de 2010

Câmara de Portimão expropria terreno que serve interesses privados




O secretário de Estado da Administração Local declarou em Novembro passado a utilidade pública de uma expropriação que apenas serve os interesses de um empreendimento privado.
O pedido de declaração de utilidade pública foi feito pela Câmara Municipal de Portimão e tem por base a solicitação de uma empresa municipal cujo administrador executivo é casado com a directora-geral da empresa proprietária do empreendimento turístico beneficiado. A Polícia Judiciária está a investigar os indícios de crime que a Inspecção-Geral da Administração Local (IGAL) identificou no caso e que têm a ver com a tramitação do processo de expropriação na autarquia.

Iniciada há duas décadas junto à praia do Vau, a construção do complexo turístico Jardim do Vau deu origem a um demorado litígio judicial, que se desenrolou entre 1991 e 2003. De acordo com a sentença final, confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, a empresa proprietária do empreendimento, a Convau, fez passar um dos arruamentos do complexo por cima do logradouro de uma moradia exterior ao complexo, pertencente à família Serra Ançã.

Trata-se de uma pequena parcela rectangular, de 100 metros quadrados, situada nas traseiras da moradia e cuja delimitação foi efectuada pelo Tribunal de Portimão, em 2003, com a implantação, na presença do próprio juiz, de cinco marcos de betão. Constituindo um enclave na propriedade da Convau, o logradouro da família Ançã ocupa cerca de 7 metros da via particular usada como saída do Jardim do Vau, além de parte de uma zona verde exclusiva do empreendimento.

Na sequência da confirmação judicial de que o terreno tinha sido ocupado pela Convau, os proprietários tentaram retomar a sua posse, começando a construir um muro para impedir a passagem de viaturas. A autarquia, porém, embargou as obras, alegando falta de licenciamento.

Numa segunda fase colocaram pedras de grandes dimensões na zona do arruamento construída sobre a sua parcela, mas esses obstáculos foram retirados por desconhecidos, depois de a Convau se ter queixado formalmente à câmara.

Já em 2006 optaram por comunicar à Emarp, Empresa Municipal de Águas e Resíduos de Portimão, que não autorizariam os veículos que diariamente vão buscar o lixo às garagens do Jardim do Vau a passar pela sua propriedade – utilizando o arruamento que a atravessa, entre a moradia da família e o edifício principal do empreendimento.

Solução para o aldeamento

Pela mesma estrada saem, aliás, todos os veículos dos clientes e do pessoal do aldeamento que acedem à zona sul por um arruamento de sentido único, localizado do lado oposto do edifício principal.

Face à proibição de uso da via, a Emarp interpôs uma providência cautelar para obrigar a família Ançã a permitir o atravessamento do seu logradouro, mas o tribunal considerou-a improcedente por ter sido provada a “inexistência de qualquer caminho público” no local.

Muito embora a Emarp tenha alegado que a impossibilidade de utilizar o arruamento a impedia de recolher o lixo do Jardim do Vau, o tribunal deu como provado que isso só acontece porque o outro arruamento tem sentido único. Ou seja, bastaria pôr o trânsito a circular nos dois sentidos pelo outro lado do complexo para que a circulação afecta ao aldeamento não invadisse a propriedade alheia.

Falhada a tentativa de manter tudo como estava pela via judicial, a Emarp, cujo administrador executivo, João Rosa, é casado com a directora-geral da Convau, Cidália Rosa, optou por uma solução que dispensou esta empresa de prescindir do arruamento ou de negociar uma saída para o problema com os donos da parcela.

Essa solução, encontrada em 2008, consistiu em propor à Câmara de Portimão, única accionista da Emarp, a expropriação dos 100 m2 da família Serra Ançã. O executivo municipal aprovou a proposta, tendo o pedido de declaração de utilidade pública urgente da expropriação sido aprovado pelo secretário de Estado da Administração Local, José Junqueiro, no passado dia 19 de Novembro.

O valor a pagar pela câmara, que assim se tornará proprietária de um pedaço de estrada e de jardim encravado no interior de um complexo turístico, foi fixado em 1384 euros, sendo certo que os donos da parcela recusaram em 2006 uma proposta da Emarp para lhes comprar o terreno por 50.000 euros.

A expropriação amigável foi recusada pelos proprietários, tudo indicando que o assunto acabará nos tribunais, onde poderá também acabar o processo camarário que levou ao pedido de expropriação, uma vez que a IGAL considerou haver indícios da prática de alguns crimes, razão pela qual o caso foi comunicado ao Ministério Público de Portimão. A Polícia Judiciária está já a investigar.

In Público

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