Para cumprir a promessa feita aos parceiros europeus no fim-de-semana de colocar o défice em 7,3 por cento já este ano (o valor que estava previsto era de 8,3 por cento), o Governo precisa de encontrar, até Dezembro, poupanças ou receitas adicionais de cerca de 1700 milhões de euros. Para garantir uma verba desta magnitude em tão curto espaço de tempo – e sabendo que o adiamento das grandes obras públicas gera uma poupança irrisória no curto prazo – o executivo está a virar-se para medidas de efeito mais imediato e garantido.
A subida dos impostos indirectos, como o IVA, é a hipótese mais óbvia, mas em cima da mesa está também um cenário de tributação extraordinária do subsídio de Natal, tanto no sector privado como público. Ontem, o Diário Económico escrevia que eram estas duas medidas que estavam a ser pensadas pelo Governo e discutidas com o PSD. O potencial de receita deste tipo de medidas é bastante elevado, superando claramente o ponto percentual do PIB que é necessário para corrigir o défice este ano. Com a subida do IVA, os responsáveis do Ministério das Finanças têm, no passado recente, esperado uma receita média anual de 500 milhões de euros por cada ponto percentual de subida da taxa. Caso fosse aplicada a partir de Julho próximo, o Estado poderia arrecadar entre 225 e 250 milhões de euros por cada ponto de subida. Sabendo que uma alteração não deverá ir nunca além dos dois pontos percentuais – para 22 por cento -, o ganho potencial com esta medida este ano é de cerca de 500 milhões de euros.
Já um imposto extraordinário sobre o 13.º mês tem uma receita potencial bem superior, embora dependente da taxa a aplicar. A estimativa do PÚBLICO é a de que, caso esse imposto correspondesse à totalidade do ordenado, o Estado arrecadaria entre 2300 e 2400 milhões de euros. O valor pode ser calculado com base nas estatísticas da Segurança Social. O 13.º mês antes de impostos corresponderá a 2690 milhões de euros. O Estado já retira a sua parte com o IRS (a taxa média de IRS foi de 16,5 por cento – 440 milhões de euros), ou seja, a receita adicional efectiva seria de cerca de 2250 milhões de euros. Claro que o Governo pode optar por taxar apenas uma parte do valor do subsído de Natal – em 1983, foi cerca de um quarto.
Pressão do banco central
Para além das exigências dos seus parceiros europeus, o Governo está a ser pressionado para reduzir fortemente o défice também pelo Banco de Portugal, que actua em nome do BCE, que passou desde ontem a emprestar dinheiro aos Estados da zona euro, através da compra de obrigações. Vítor Constâncio tem insistido com o executivo para a apresentação de medidas de contenção adicionais e ontem emitiu mesmo um comunicado em que pede “a adopção de novas medidas que, de forma convincente, reduzam o défice orçamental deste ano e do próximo, visivelmente mais do que se encontrava previsto no nosso PEC”. Constâncio lembra que, se Portugal tiver de recorrer ao programa lançado pela UE, isso equivale a ter negociar a aplicação de um programa de austeridade com o FMI.
As medidas têm de ser apresentadas em Bruxelas até à próxima terça-feira e passam por uma negociação entre Governo e PSD. Apesar de prevista para “segunda ou terça-feira”, a agenda do primeiro-ministro poderá atrasar o encontro com Pedro Passos Coelho. Ontem o chamado “núcleo duro” do Governo esteve reunido, de manhã e à tarde para preparar as medidas. À hora de almoço e primeiras horas da tarde presidiu à reunião do secretariado nacional do PS.
O PSD fica, assim, à espera das propostas do executivo e é com elas – ou com algumas linhas gerais – que o presidente do partido planeia discutir o dossier tanto na reunião extraordinária do conselho nacional, hoje à noite, em Santarém, e amanhã, ao fim da manhã com o grupo parlamentar, na Assembleia da República. Afinal, antes de avançar com qualquer compromisso com o executivo, Passos pretende ter uma posição – e apoio – tanto do principal órgão entre congressos como o grupo parlamentar, que terá de votar as leis decorrentes do PEC.
Consequência: o segundo encontro Sócrates-Passos Coelho poderá acontecer ainda hoje – num intervalo da agenda do primeiro-ministro com o Papa Bento XVI – ou então durante o dia de amanhã. A verdade é que a questão dos impostos é problemática para ambos os partidos. Ainda há três semanas, num debate quinzenal no Parlamento, o primeiro-ministro recusou a subida de impostos. E repetiu-o há pouco mais de uma semana. Lembrando que o PEC nada previa quanto a aumento de impostos, em resposta a Heloísa Apolónia, dos Verdes: “A senhora deputada lê lá [PEC] subida do IVA? Não vê.”
Logo no dia seguinte, Passos Coelho evitou comentar esta promessa de Sócrates, mas a verdade é que o discurso do PSD tem sido contrário a mudanças nos impostos. Até o “plano B” apresentado pela direcção de Pedro Passos previa cortes nas despesas para “não aumentar os impostos”. A questão é sensível e tanto no PS como no PSD há um argumento mais ou menos idêntico: situações excepcionais, como esta crise, podem obrigar a medidas excepcionais.
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