Todos sabemos que o tempo não está para
festas e, muito menos para comemorar a mudança de um dia no calendário. O tempo
está para nos concentrarmos no que é essencial e esquecermos aquilo com que nos
querem desviar as atenções. Não nos iludamos. Fazermos votos de “bom ano”
tornou-se uma rotina mas todos sabemos que não passa disso mesmo porque todos
temos consciência de que, nem um milagre conseguirá que 2014 nos traga a
esperança perdida desde há vários anos. Devemos estar certos de que, para além
da propaganda, nem os governantes e a sua clique acreditam que aí virá algo de
bom.
O seguinte excerto de um artigo de
opinião que José Vítor Malheiros assina hoje no Público exprime de forma clara
aquilo que todos sentimos que aí vem mas que vamos tentando esconder de nós
próprios.
Falar
de mentiras e desilusões é falar das mensagens de Natal de Passos Coelho e de
António José Seguro.
Não vale a pena sublinhar a mentira dos 120.000 postos de trabalho
inventados por Passos Coelho, mas vale a pena retermo-nos na “recuperação” que
se vai seguir à “austeridade”. É verdade que há indicadores económicos que
melhoraram e que alguns deles (exportações) são de facto positivos. É verdade
que a troika pode não voltar ao Terreiro do Paço a partir de meados de 2014 e
que Portugal talvez se possa financiar “nos mercados”. Mas qual é a sociedade
que vamos herdar da “austeridade” do governo Passos-Portas? A sociedade que
herdaremos será uma sociedade muito mais pobre do que antes do “resgate”
financeiro (em 2013 teremos o mesmo PIB que tínhamos treze anos antes, em 2000)
e muitíssimo mais desigual, pois esta brutal perda de riqueza do país em geral
foi acompanhada pelo enriquecimento dos muitos ricos, o que significa que os
pobres e a classe média sofreram um empobrecimento superior à da média do país.
Esta pobreza vai marcar gerações, pois o peso da dívida (que é impagável e terá
de ser reestruturada) agravou-se por causa da “austeridade”. A sociedade que
herdaremos terá não só muitos mais pobres mas muitos mais pobres-trabalhadores,
devido à “compressão” dos custos do trabalho e à degradação das condições
laborais. Teremos trabalhadores mais mal pagos em nome da ”competitividade”
internacional. Teremos mais trabalhadores obrigados à docilidade pelo medo do
desemprego e da miséria. Teremos empresas menos inovadoras pois o medo não
incentiva a imaginação, não motiva nem impele ao risco. Teremos talvez menos
desempregados oficiais, porque os mais bem preparados emigrarão ainda mais e os
menos preparados deixarão de procurar emprego e aceitarão a miséria como
destino. Teremos menos e piores serviços públicos. Teremos funcionários
públicos humilhados e desmotivados. Teremos um sistema de investigação e
inovação descapitalizado e que terá perdido uma geração de altíssima
qualificação. Teremos um Estado mais pobre, com menos património, que terá sido
passado a bom preço para as mãos de empresas amigas. Teremos mais conflitos
sociais e mais violência. Teremos uma maior desconfiança das instituições e dos
políticos em geral. Teremos um estado social amputado e instituída a caridade
dispensada aos indigentes como forma de “acção social”. Passos Coelho, Paulo
Portas e Mota Soares continuarão a sorrir sem vergonha e será cada vez mais
difícil garantir às crianças que a indecência não compensa.