Designar de “esquerda” os partidos
socialistas e sociais-democratas europeus é deturpar o verdadeiro significado
daquela classificação. A acção recente do PS francês e do SPD alemão são disso exemplo
pois constituíram uma verdadeira frustração para quem estava à espera que
enfrentassem com algum ímpeto as arremetidas do capital financeiro mundial. O que
sucedeu foi exactamente o contrário, ou seja, deixaram-se agarrar pelo
neoliberalismo mais radical do velho continente. Desta “esquerda” pouco
poderemos esperar a não ser uma diluição cada vez maior dos princípios em que
se fundou. O SPD acaba de ser abocanhado pela direita da senhora Merkel, a
troco de “um prato de lentilhas” como muito bem afirma João Marques (diplomado em Ciências da Comunicação) no excelente
texto que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem.
Da Irlanda à Itália existia a
expectativa de que a eleição presidencial do socialista Francois Hollande
atenuaria os ímpetos hegemónicos alemães, no que à gestão europeia diz
respeito, nomeadamente nas aberrantes políticas de austeridade e numa abertura
a mecanismos de partilha de dívida, no âmbito de uma eventual união bancária.
Frustração foi e é a palavra
mais sentida, não só pelos franceses, e eis que ao fim de três meses após as eleições
alemães, tempo necessário às negociações entre a senhora Merkel e os
sociais-democratas (SPD) para um acordo governamental, tal sentimento se
acentuou, quanto ao futuro da Europa.
Um jornalista francês (Le Monde)
vai ao ponto de escrever que o SPD se vendeu por um prato de lentilhas – seis,
acrescento eu, equivalente ao número de pastas governamentais obtidas – pois o
acordo é um verdadeiro pesadelo para países como a Grécia ou Portugal, já que
durante anos e anos, vamos ter de obter excedentes orçamentais positivos, de
modo a reembolsar os credores, com os alemães na primeira linha.
Depois da ilusão de que uma
moeda e um mercado financeiro seriam suficientes para a criação de uma
verdadeira união bancária, reconheceu-se, finalmente, a necessidade de
existirem instrumentos de dívida partilhada, que Merkel sempre recusou e vai
continuar a fazê-lo, agora com o apoio da “nata” da social-democracia europeia.
Mesmo no plano interno, a introdução
tão badalada do salário mínimo (8,5€/h) não tem quaisquer impactos imediatos. Primeiro,
porque não se aplica a estagiários e aprendizes e, sobretudo, por só entrar em
vigor, na maioria dos contratos de trabalho, em Janeiro de 2017.
Também não encontrei nas
páginas do acordo CDU/CSU/SPD qualquer referência à criação de uma agência de notação
europeia – demasiado dispendioso para Bruxelas – nem sequer uma referência à já
famigerada taxa Tobin, sobre as transações bancárias.
Estamos perante um acordo que
em linhas gerais prossegue as politicas anteriores de aceitação da prepotência
e arrogância dos mercados financeiros e da globalização, que coloca a Europa,
como espaço geo-político, à beira de uma rutura, e a maioria dos seus
habitantes num plano inclinado de uma regressão social, sem fim à vista.
Nos países intervencionados
como o nosso, o sentimento de frustração e de revolta coexiste com os exames
positivos da tróica – agora foi o décimo – as ameaças de novos cortes no que
tem representado a sustentabilidade do sistema social, tendo como pano de fundo
um futuro incerto, como o reconheceu o próprio presidente do Banco Central
Europeu Mário Draghi, há poucos dias.
Se, e diga-se em abono da
verdade, as competências do Estado português já não eram muitas, é quase uma indecência
assistir ao avocar das que restavam.
As lentilhas fazem bem à
saúde, mas o (seu) prato – também descrito no nosso dicionário – indica a
miragem de um lucro pequeno, nunca compensado por uma grande perda.
(…)
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