domingo, 1 de dezembro de 2013

PAPA CRITICA SISTEMA CAPITALISTA



“O dinheiro deve servir e não governar” é uma afirmação do Papa Francisco contida num documento de 84 páginas – uma Exortação Apostólica – divulgado esta semana, onde o chefe da Igreja Católica tece uma forte crítica ao sistema capitalista e à prioridade do dinheiro face ao ser humano. Aquela expressão pouco clerical é, nem mais nem menos do que uma chamada de atenção para o domínio que o poder económico-financeiro exerce sobre o político, num perigoso crescendo, em que “grandes massas da população vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem horizontes, sem saída” já que “se considera o ser humano em si mesmo, como um bem de consumo, que se pode usar e deitar fora”. Francisco chega ao ponto de apelidar o sistema capitalista de “tirania invisível”.
O semanário “Expresso” convidou duas personalidades – Francisco Louçã e Paulo Teixeira da Cruz – de cariz ideológico oposto para comentarem o documento papal. Deixamos aqui a opinião sempre desassombrada do ex-lider do Bloco de Esquerda.
A exortação apostólica divulgada pelo Papa nos últimos dias provocou um júbilo compreensível nos sectores mais diferenciados. Quem na Igreja Católica esperava ar fresco sentiu que “A Alegria do Evangelho” lhe dizia respeito; quem no mundo se indigna com os predadores reconheceu o que quer dizer que “esta economia mata”.
Todos têm bons motivos para uma leitura auspiciosa. Para os primeiros, esta exortação tem mesmo duas novidades mobilizadoras. A mensagem papal crispa-se contra o discurso de resignação, chegando a contestar o assistencialismo que, afinal, é a base da atividade social da Igreja: o último comunicado da Conferência Episcopal portuguesa lembra a sua função na caridade, o que não parece comover o Papa. Mas, além disso, a exortação aponta à ostentação dos príncipes da religião, clamando por uma Igreja que saiba estar “suja por andar na rua”, próxima das vítimas da tirania económica.
Para outros, os que observam na Igreja mais um dos sinais das preocupações culturais multiplicadas nesta era de extremismo financeiro, a exortação é igualmente interessante. De facto, o texto do Papa propõe uma ideia radical: a de que nesta violência social, há “algo de novo: os excluídos não são explorados, são lixo”. Essa novidade é perturbadora. Talvez seja ainda mais perturbadora pelo efeito de descoberta que será duradouro, porque denuncia os pilares de um dos discursos mais difundidos e mais perversos das últimas décadas, aquele que faz da “exclusão” um universal vazio, um sujeito dissolvente das fronteiras sociais, uma justificação de resignação contra a ação coletiva. Ora, lendo-se a vida a partir da “exclusão”, o mundo de dentro sabe que não protege o mundo de fora mas pode oferecer-lhe caridade. Esta caridade dos que têm poder ajuda assim as suas próprias vítimas, não deixando de as tornar em lixo.
Mas se a exclusão cria lixo, então é porque já ultrapassamos o limiar da humanidade, e esse é o extremismo que causa toda a desgraça. Que fazer então com esta “tirania económica”, esse passa a ser o problema: não se pode salvar as gentes sem destruir o monstro. A isso, o Papa não responde, mas pelo menos exige aos seus que terminem a ostentação e se sujem na rua.
Há ainda uma outra frase do Papa que ficará na nossa pequena história, não por ser surpreendente, até pelo contrário, por ser banal: é o reconhecimento de que a lixificação das pessoas no mundo gera violência. Se “esta economia mata” não é legítimo e imperativo opormo-nos à subjugação? O Papa aceita que sim. Evidentemente, num país distante e à beira-mar plantado, tínhamos tido dias antes a efervescência da cavalaria prussiana do PSD e CDS contra quem constatara que a vida é insuportável para as vítimas. “Ó da guarda”, “a Pátria está em perigo”, há agitadores da Aula Magna, gritaram compenetrados os nossos condes de Abranhos, Nuno Melo, Portas, Aguiar Branco, nunca imaginando que levariam o responso na missa do doía seguinte.
Nem eles sabiam que, afinal, a maior fortuna do nosso país duplicou no último ano e que, portanto, o país vai bem.

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