As instituições ligadas à Igreja Católica
têm, como todos sabemos, fama e proveito de, de um modo geral, defenderem
posições muito conservadoras. Isso leva a que, quando aquelas instituições
colocam o dedo na ferida dos problemas mais profundos que envolvem a sociedade,
é porque a situação é mesmo muito grave. O texto que a seguir apresentamos foi
transcrito do Diário de Coimbra de ontem (8/12) e é da autoria de um membro da
Comissão Diocesana Justiça e Paz (*). Não se trata, pois, de alguém ligado a
movimentos radicais ou sindicatos que vem aproveitar o espaço que lhe é
concedido num jornal para objectivos político-partidários. A problemática que aborda
tem a ver com o “mundo do trabalho”, podendo, em muitos passos do texto, ser
subscrita por qualquer pessoa de esquerda.
No passado dia 14 de
Novembro, a Conferência Episcopal Portuguesa publicou uma mensagem relativa aos
“Desafios éticos do trabalho humano”. Este relevante documento chama a nossa atenção
para o flagelo do desemprego e suas consequências, nomeadamente para os jovens
e para os cidadãos de meia-idade, o trabalho precário e mal remunerado e as
regras suplementares de esforço na procura de sobrevivência das empresas.
Neste sentido, entende a
Conferência Episcopal, que é particularmente oportuno afirmar a mensagem
nuclear da Igreja sobre o mundo do trabalho, dando especial atenção ao direito
e ao dever do trabalho, ao drama do desemprego, à relevância de potenciar as
empresas para promover o trabalho e à relevância da criatividade nas soluções. É
ainda efectuada uma chamada de atenção para o realismo e para a esperança uma vez
que estamos em presença de uma situação complexa. Neste sentido, é dirigido “um
urgente apelo à criatividade e à excelência profissional de trabalhadores e
empresários, de governantes e forças sociais e políticas, na procura de novas
propostas e paradigmas que se tornem progressivas soluções para os variadíssimos
problemas que emergem no campo do trabalho humano”.
Creio que é indiscutível que
hoje o mundo do trabalho em Portugal, tal como na Europa e no mundo, enfrenta
desafios muito complexos e cuja solução exige um empenho muito determinado de
todos os que directa ou indirectamente, influenciam a vida das empresas: os
poderes políticos, os accionistas, as instituições financeiras, os gestores e
os trabalhadores.
Deste conjunto de entidades
que influenciam a vida das empresas e a forma como estas se organizam e
preparam para responder aos desafios com que são confrontadas, é justo
reconhecer-se que os trabalhadores são o elo mais fraco desta complexa e densa
cadeia, dado o reduzido poder que lhes é reconhecido no sentido de influenciar
as decisões correntes e estratégicas das empresas onde trabalham.
É também justo reconhecer que,
quando a empresa entra em crise, são precisamente os trabalhadores as primeiras
vítimas do insucesso ou das decisões erradas tomadas pelos accionistas e
gestores ou impostas pelos poderes financeiros ou pelos poderes públicos.
Face às adversidades e aos
desafios que hoje se colocam ao mundo do trabalho, creio ser muito pertinente
colocar-se a questão que reputo de central e que diz respeito ao papel dos
trabalhadores na vida das empresas onde trabalham.
O que é comum acontecer nas
empresas em Portugal é que aos trabalhadores apenas lhes é reservada a
obrigatoriedade de exercerem as suas funções profissionais, enquadrados numa
cadeia hierárquica rígida, subordinada e de completa subalternidade. O papel
dos trabalhadores na empresa quase se esgota na produção e raramente são envolvidos
na busca das melhore soluções para obter a produção necessária, na qualidade
pretendida e no mais curto espaço de tempo possível, bem como na avaliação dos
resultados e do papel de cada um neste processo.
Este modelo de organização interna
rígido e muito pouco envolvente está em completo desfasamento com a realidade
uma vez que os desafios que as empresas enfrentam são dinâmicos, evoluindo e
modificando-se muito frequentemente.
Está pois em causa uma modificação
do papel e do lugar dos trabalhadores nas empresas. Sou dos que pensam que as
empresas têm tudo a ganhar se forem capazes de se organizar de forma diferente
atribuindo aos seus trabalhadores novos desafios e novas responsabilidades, ou seja,
que em função dos resultados conseguidos, eles sejam também beneficiados dos
frutos obtidos pelas empresas. Em Portugal, também no que respeita a este
domínio, vamos de mal a pior.
Para mim não é concebível que
aos trabalhadores, por regra, apenas lhes seja reservado o salário definido no
contrato de trabalho e pouco mais, e que aos gestores seja reservada a fatia de
leão em termos salariais e de outros benefícios financeiros atribuídos pelas
empresas. O sucesso financeiro das empresas tem de passar a ser considerado como
o sucesso de todos os que nela trabalham, desde a base ao topo.
Considero igualmente muito
importante que haja legislação que regule as relações de trabalho nas empresas
e que esta legislação nunca perca de vista que no mundo do trabalho o poder
entre trabalhadores e patrões é muito desigual em favor dos primeiros. Sou favorável
a que haja convenções colectivas de trabalho em cada sector que especifique os
direitos e deveres de cada parte, ajustado à realidade desses mesmos sectores
económicos. Mas não nos iludamos. Se tudo o que refiro anteriormente é
importante, ainda mais importante é a forma como se relacionam trabalhadores,
gestores e patrões no seio da empresa. E, neste domínio, ocupa um papel
verdadeiramente central na construção de um bom ambiente de trabalho e de
sucesso das empresas a boa-fé, o exemplo, a integridade, a equidade, a justiça
e a solidariedade, a começar do topo até ao mais comum dos trabalhadores da
empresa.
Importa não perder de vista
que vivemos num período histórico em que domina a economia de casino. De facto,
da totalidade das transacções que se efectuam diariamente no mundo, mais de 95%
diz respeito à compra e venda de produtos especulativos que têm por base o
próprio dinheiro, e apenas cerca de 5% estão relacionados com os produtos e os
serviços que necessitamos para viver.
É este modelo dominante que
tem desgraçado a economia real e constitui uma das principais causas da actual
crise económica que está a afectar milhões de famílias em várias partes do
mundo.
A redução do desemprego, a
melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e do ambiente de trabalho no seio
das empresas exigem, de todos e de cada um de nós, um triplo compromisso: uma intervenção
mãos enérgica no combate a este modelo económico que tem por centro a pura especulação
financeira; um empenho determinado em mudar a forma como as empresas estão organizadas
e o papel que pode e deve ser atribuído aos seus trabalhadores; uma repartição mais
justa e mais equitativa por todos os que trabalham na empresa dos rendimentos
obtidos em cada ano.
(*) Abel Pinto
Sem comentários:
Enviar um comentário