segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O MUNDO DO TRABALHO EM QUESTÃO



As instituições ligadas à Igreja Católica têm, como todos sabemos, fama e proveito de, de um modo geral, defenderem posições muito conservadoras. Isso leva a que, quando aquelas instituições colocam o dedo na ferida dos problemas mais profundos que envolvem a sociedade, é porque a situação é mesmo muito grave. O texto que a seguir apresentamos foi transcrito do Diário de Coimbra de ontem (8/12) e é da autoria de um membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz (*). Não se trata, pois, de alguém ligado a movimentos radicais ou sindicatos que vem aproveitar o espaço que lhe é concedido num jornal para objectivos político-partidários. A problemática que aborda tem a ver com o “mundo do trabalho”, podendo, em muitos passos do texto, ser subscrita por qualquer pessoa de esquerda.
No passado dia 14 de Novembro, a Conferência Episcopal Portuguesa publicou uma mensagem relativa aos “Desafios éticos do trabalho humano”. Este relevante documento chama a nossa atenção para o flagelo do desemprego e suas consequências, nomeadamente para os jovens e para os cidadãos de meia-idade, o trabalho precário e mal remunerado e as regras suplementares de esforço na procura de sobrevivência das empresas.
Neste sentido, entende a Conferência Episcopal, que é particularmente oportuno afirmar a mensagem nuclear da Igreja sobre o mundo do trabalho, dando especial atenção ao direito e ao dever do trabalho, ao drama do desemprego, à relevância de potenciar as empresas para promover o trabalho e à relevância da criatividade nas soluções. É ainda efectuada uma chamada de atenção para o realismo e para a esperança uma vez que estamos em presença de uma situação complexa. Neste sentido, é dirigido “um urgente apelo à criatividade e à excelência profissional de trabalhadores e empresários, de governantes e forças sociais e políticas, na procura de novas propostas e paradigmas que se tornem progressivas soluções para os variadíssimos problemas que emergem no campo do trabalho humano”.
Creio que é indiscutível que hoje o mundo do trabalho em Portugal, tal como na Europa e no mundo, enfrenta desafios muito complexos e cuja solução exige um empenho muito determinado de todos os que directa ou indirectamente, influenciam a vida das empresas: os poderes políticos, os accionistas, as instituições financeiras, os gestores e os trabalhadores.
Deste conjunto de entidades que influenciam a vida das empresas e a forma como estas se organizam e preparam para responder aos desafios com que são confrontadas, é justo reconhecer-se que os trabalhadores são o elo mais fraco desta complexa e densa cadeia, dado o reduzido poder que lhes é reconhecido no sentido de influenciar as decisões correntes e estratégicas das empresas onde trabalham.
É também justo reconhecer que, quando a empresa entra em crise, são precisamente os trabalhadores as primeiras vítimas do insucesso ou das decisões erradas tomadas pelos accionistas e gestores ou impostas pelos poderes financeiros ou pelos poderes públicos.
Face às adversidades e aos desafios que hoje se colocam ao mundo do trabalho, creio ser muito pertinente colocar-se a questão que reputo de central e que diz respeito ao papel dos trabalhadores na vida das empresas onde trabalham.
O que é comum acontecer nas empresas em Portugal é que aos trabalhadores apenas lhes é reservada a obrigatoriedade de exercerem as suas funções profissionais, enquadrados numa cadeia hierárquica rígida, subordinada e de completa subalternidade. O papel dos trabalhadores na empresa quase se esgota na produção e raramente são envolvidos na busca das melhore soluções para obter a produção necessária, na qualidade pretendida e no mais curto espaço de tempo possível, bem como na avaliação dos resultados e do papel de cada um neste processo.
Este modelo de organização interna rígido e muito pouco envolvente está em completo desfasamento com a realidade uma vez que os desafios que as empresas enfrentam são dinâmicos, evoluindo e modificando-se muito frequentemente.
Está pois em causa uma modificação do papel e do lugar dos trabalhadores nas empresas. Sou dos que pensam que as empresas têm tudo a ganhar se forem capazes de se organizar de forma diferente atribuindo aos seus trabalhadores novos desafios e novas responsabilidades, ou seja, que em função dos resultados conseguidos, eles sejam também beneficiados dos frutos obtidos pelas empresas. Em Portugal, também no que respeita a este domínio, vamos de mal a pior.
Para mim não é concebível que aos trabalhadores, por regra, apenas lhes seja reservado o salário definido no contrato de trabalho e pouco mais, e que aos gestores seja reservada a fatia de leão em termos salariais e de outros benefícios financeiros atribuídos pelas empresas. O sucesso financeiro das empresas tem de passar a ser considerado como o sucesso de todos os que nela trabalham, desde a base ao topo.
Considero igualmente muito importante que haja legislação que regule as relações de trabalho nas empresas e que esta legislação nunca perca de vista que no mundo do trabalho o poder entre trabalhadores e patrões é muito desigual em favor dos primeiros. Sou favorável a que haja convenções colectivas de trabalho em cada sector que especifique os direitos e deveres de cada parte, ajustado à realidade desses mesmos sectores económicos. Mas não nos iludamos. Se tudo o que refiro anteriormente é importante, ainda mais importante é a forma como se relacionam trabalhadores, gestores e patrões no seio da empresa. E, neste domínio, ocupa um papel verdadeiramente central na construção de um bom ambiente de trabalho e de sucesso das empresas a boa-fé, o exemplo, a integridade, a equidade, a justiça e a solidariedade, a começar do topo até ao mais comum dos trabalhadores da empresa.
Importa não perder de vista que vivemos num período histórico em que domina a economia de casino. De facto, da totalidade das transacções que se efectuam diariamente no mundo, mais de 95% diz respeito à compra e venda de produtos especulativos que têm por base o próprio dinheiro, e apenas cerca de 5% estão relacionados com os produtos e os serviços que necessitamos para viver.
É este modelo dominante que tem desgraçado a economia real e constitui uma das principais causas da actual crise económica que está a afectar milhões de famílias em várias partes do mundo.
A redução do desemprego, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e do ambiente de trabalho no seio das empresas exigem, de todos e de cada um de nós, um triplo compromisso: uma intervenção mãos enérgica no combate a este modelo económico que tem por centro a pura especulação financeira; um empenho determinado em mudar a forma como as empresas estão organizadas e o papel que pode e deve ser atribuído aos seus trabalhadores; uma repartição mais justa e mais equitativa por todos os que trabalham na empresa dos rendimentos obtidos em cada ano.
(*) Abel Pinto 

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