domingo, 14 de setembro de 2014

AS MUITAS EPIDEMIAS…


A esmagadora maioria da informação que chega até nós através da comunicação social, em especial a televisiva é quase toda vazia de qualquer sentido crítico. A tendência é que quase todos acreditem que aquela é a realidade nua e crua, a que não é preciso acrescentar mais nada. E não é sempre assim, por isso, é muito importante diversificarmos as fontes de informação para ficarmos com uma ideia mais perfeita da realidade que nos cerca e sermos capazes de colocar perguntas.
A barbárie que o denominado Estado Islâmico está a levar a cabo nasceu do nada?
Por que razão, os Estados Unidos (através da CIA) e os serviços secretos da Mossad (Israel) apoiaram a criação de um exército de radicais islâmicos que agora espalham o terror por onde se instalam?
Depois do aparecimento das primeiras vítimas do Ébola, por que razão, altos responsáveis pela saúde em África demoraram seis meses para tomarem as primeiras medidas?
Qual a explicação para o apoio financeiro fornecido por várias multinacionais ao grupo terrorista Boko Haram que opera no norte da Nigéria?
Estas e outras questões são tema do seguinte texto (*) que transcrevemos do Diário de Coimbra do passado dia 11 de Setembro.
O escritor Slavko Goldstein recordava recentemente no suplemento literário Bebelia (El País) o que aconteceu quando o exército alemão invadiu a Jugoslávia em 1941, permitindo ao nacionalista nazi Ante Palevic proceder a uma limpeza étnica na Croácia – metade da população sérvia, judia e cigana foi eliminada – e, como ainda não havia a fórmula dos fornos de gás, se criou um aparelho preso ao braço, que permitia as degolações em série.
Para nós, que nascemos já depois da II Grande Guerra, que nos últimos três anos de conflito registou 11,5 mil mortos e 13 mil feridos por dia, e com muitos responsáveis por crimes de massa hediondos, nomeadamente, alemães, a morrerem de velhice, tudo parecia já longínquo e eis que surgem sinais bélicos ou de calamidades no leste da Europa, do outro lado do Mediterrâneo e no centro de África.
As imagens e a informação proveniente das zonas controladas pelo Estado Islâmico (Daech), conjugadas com as práticas da seita Boko Haram no norte da Nigéria, das perseguições tribais e religiosas, da Somália à República Centro Africana e o surto do vírus do ébola, provocam-me uma sensação nauseabunda, dificultando o próprio ato de escrever.
Quando hoje leio as propostas apresentadas pelo presidente americano para “enfrentar e derrotar” o grupo terrorista Daech, no seu califado sírio e iraquiano, não posso deixar de questionar-me por que o criaram, já que a coligação proposta por Obama inclui, paradoxalmente, parte dos países que estiveram na origem ou apoiaram a organização de al-Baghdadi, das monarquias do golfo à Turquia, passando pelos serviços secretos da Mossad (Israel) ou a “nossa conhecida” CIA – sem necessidade da confirmação do ex-NSA Edward Snowden para o saber.
O meu apostolado – grita o arcebispo caldeu de Mossul, importante cidade iraquiana, junto ao limite do Curdistão – foi ocupado pelos radicais islâmicos e, ou nos convertemos ou somos mortos, num espaço de massacres, delapidações, violações e degolações incomensuráveis.
Quanto ao vírus do ébola, seis meses depois das primeiras vítimas foi o tempo que demorou a organização da união africana para convocar uma reunião sobre a epidemia, pelo que prefiro sublinhar aqui as palavras do presidente internacional dos médicos sem fronteiras Joanne Liu, acusando a coligação mundial de inação na saúde pública.
Já aqui falámos da Ucrânia, pelo que me limito a revelar o ressurgimento da Nato, agora com a criação de uma força de intervenção rápida, prevendo a mobilização de uma brigada (5/7 mil homens) no espaço de uma semana e a exigência de investimentos em armamento em 2% do PIB, durante a próxima década para os países que a integram.
Num país com quase um milhão de quilómetros quadrados, quatro grupos étnicos que representam cerca de 70% dos 170 milhões de habitantes e o PIB mais consolidado do continente, eis o norte islâmico de terras férteis, representado pelo Boko Haram a impor a sua “lei islâmica”, raptando crianças ou executando quem lhes apetece.
Consultando “Afrik.com”, “Afrique Media” ou “Global Alliance Profile”, os leitores ficarão surpreendidos com a identificação das multinacionais que suportam financeiramente uma tal estrutura terrorista, a começar pelos fabricantes de transgénicos para a agricultura.
Depois do “vírus financeiro”, eis-nos perante a brutalidade de novas epidemias.
(*) João Marques, Diplomado em Ciências da Comunicação

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