É
muito importante a leitura do texto de opinião que esta quarta-feira o Prof.
Santana Castilho assina no Público porque, para além da análise sobre a borrada
que constituiu o resultado da colocação dos professores, faz ainda uma resenha
de factos pouco referidos na comunicação social mas de crucial importância para
conhecimento do comum dos cidadãos, e, em particular dos que exercem a profissão
docente.
Num
noticiário radiofónico do passado domingo, era referido que Nuno Crato pretende
sair do Governo no fim desta legislatura. É bom que isso aconteça mas, mais
importante ainda, é que as políticas educativas por ele implementadas sejam
substituídas por outras que estejam de acordo com os interesses do país, sem
molestarem alunos, pais e professores. Estamos perante mais um ministro da
Educação que não vai deixar saudades a ninguém pela marca de retrocesso que vai
deixar na área que dirige.
Veja-se,
então, o que diz o Prof. Santana Castilho.
Na
véspera da data fixada para o início do ano lectivo faltavam nas escolas cerca
de 3500 professores. Estes docentes podiam e deviam ter sido colocados a tempo
de participarem nos trabalhos preparatórios do ano que se ia iniciar. Mas assim
não foi, por incúria do Ministério da Educação e Ciência. Na mesma altura
começou, reiteradamente, a ser denunciado o erro que está na origem da
ordenação dos docentes que concorreram à Bolsa de Contratação de Escola,
processo através do qual os estabelecimentos de ensino com contratos de
autonomia ou estatuto TEIP (Território Educativo de Intervenção Prioritária)
poderiam contratar os professores em falta.
A
ordenação em causa foi feita através da média aritmética obtida pela
consideração de duas notações ponderadas: a classificação profissional dos
candidatos e a sua avaliação curricular. Só que o ministério cometeu um erro
básico, inaceitável, daqueles que nenhuma contrição, por mais beata ou pública
que seja, lava: somou, sem prévia conversão a uma mesma escala, duas grandezas
expressas em escalas bem diferentes. Assim como se, no altar do absurdo, um
aluno bronco somasse velocidade com toucinho e apresentasse o resultado em
farófias. Mas este é, tão-só, o aspecto mais gritante de um conjunto de outros
que atropelam a lei ou expõem a imbecilidade de quem os permitiu. Alguns
exemplos, para fundamentar: três professores colocados na mesma escola para
preencherem um lugar que nunca foi manifestado; professores do quadro retirados
do concurso de mobilidade interna, sabe-se lá por quem, que agora não têm
vínculo a escola alguma; ignorância discricionária de pedidos de renovação de
contratos; cursos de curtíssima duração e duvidosa qualidade, que podem valer
mais que décadas de experiência lectiva; fórmulas e subcritérios subtraídos ao
conhecimento de quem concorre; contactos feitos ao sábado e domingo à noite,
para telefones pessoais de directores, com ultimatos para que fornecessem, num
prazo de duas horas, dados de que poderia depender a vida profissional de
milhares de professores.
Com
professores, directores e escolas em polvorosa e abundantes protestos públicos
de pais e autarcas, o país testemunhou um ministro em negação, autocontente e
ufano por ter um ano a “arrancar com normalidade”, aparentemente inconsciente
ante o desastre e doentiamente alheio ao desrespeito, que personificou, pelos
cidadãos, particularmente pelos muitos professores desempregados, cuja vida
gratuitamente destroçou. Este ministro, na noite anterior ao cínico pedido de
desculpa, ainda negava o erro. Este ministro ignorou os pareceres da Associação
de Professores de Matemática e da Sociedade Portuguesa de Matemática, a que
outrora presidiu e usou para criticar o que agora faz, que classificaram o
processo como opaco, ilegal e injusto. Este ministro só afivelou um ar sofrido
para reconhecer o erro que todos já tinham visto quando no Parlamento, depois
de tentar resistir, acabou vergado à pressão justa de alguns deputados. Merece
crédito? Merece que aceitemos a sua desculpa? Não! Porque no momento em que a
pediu, a ética trôpega por que se pauta borrou irrecuperavelmente o que já era
pífio: “Estão a assistir a uma coisa que não é comum na História, que é um
ministro chegar ao Parlamento e reconhecer a responsabilidade por uma
não-compatibilidade de escalas e um ministro assumir que o assunto vai ser
corrigido”, disse, sem se enxergar, sem a mínima noção de que o maquiavelismo
bacoco que acabava de usar afastaria qualquer resíduo de tolerância por parte
dos que o ouviam. Valesse a moral, emergisse uma réstia de ética do pântano em
que esbraceja e já teria cruzado a porta pequena de saída de um mandato de
vergonha, que só acrescentou novos problemas aos velhos, já resolvidos, por ele
recuperados em retrocesso inimaginável.
Que resta, depois disto?
Reparar o possível. Mas o que chega não favorece o prognóstico. O secretário de
Estado Casanova de Almeida reitera o que Crato disse, isto é, que nenhum dos
professores beneficiados pelo erro será prejudicado. Ora a questão é bem mais
que deixar no lugar quem já lá está, juntando outro, que devia estar. Trata-se
de um erro sistemático, que origina injustiças em cascata. Não é um mais outro.
São muitos mais pelo meio e a projecção que qualquer colocação indevida tem nas
posições relativas de concursos futuros. E insistem os governantes em
desvalorizar o problema porque, dizem, afecta 1% dos professores de que as
escolas necessitam. Persistem, pois, num dolo de comunicação e na má-fé. Porque
escondem que falamos de um universo de 40.000 professores e um terço de todas
as escolas do país. Sejam politicamente honestos, por uma vez: anulem o
concurso e partam do zero, publicando novas listas, que respeitem a lei e a
matemática elementar; promovam a divulgação, por grupo de recrutamento, escola
a escola, dos subcritérios utilizados; prevejam a possibilidade de corrigir
candidaturas, porque ficam conhecidas variáveis que antes foram omitidas. É
demorado? Então usem como critério único a graduação profissional dos
candidatos. Mudem a disposição legal que o impede, como tantas vezes já fizerem
para fins bem menos justificados.
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