sexta-feira, 19 de setembro de 2014

UM EXEMPLO DA POUCA TRANSPARÊNCIA NAS PRIMÁRIAS DO PS


Assim que começou a desenvolver-se o processo das primárias no PS, para o cidadão comum mais atento ficou uma forte desconfiança sobre a transparência à volta das inscrições dos chamados simpatizantes. Desde logo, este conceito é suficientemente vago para não evitar fraudes. Depois, a crispação que tem crescido à volta dos candidatos, poderia levar à tentação do vale tudo.
A história, contada (na primeira pessoa) pelo jornalista Daniel Oliveira no Expresso Diário de ontem, pode configurar um triste exemplo dos receios acima expostos. Ei-la:
Há uns dias recebi, para espanto meu, um mail do Partido Socialista. A mensagem lamentava que a minha inscrição nas primárias do PS não estivesse completa: “A sua inscrição nas eleições Primárias 2014 do PS ainda não está completa. No passado dia 15/7/2014 às 11:32 recebemos um pedido de registo do seu mail nas eleições Primárias 2014, tendo sido enviado para o seu email um pedido de confirmação, ao qual não respondeu. Se não recebeu nenhum email da nossa parte, pedimos que o procure na pasta Lixo eletrónico/Spam. Em alternativa , pode copiar o seguinte endereço e colar diretamente na barra de endereços do seu browser [endereço]. Relembramos que a sua inscrição nas eleições primárias 2014 só fica concluída após a sua confirmação.” Sorri, percebendo que alguém me tentara inscrever como piadinha. O meu nome podia fazer companhia ao de Jacinto Leite Capelo Rego, para desacreditar o processo.
Qual o meu espanto quando duas horas depois, recebo o segundo mail: “recenseamento efetuado com sucesso”. Ainda fui ver o mail antigo, para ver se tinha cometido algum erro e clicado onde não devia. Nada. Lá estava o link, com o seu azul imaculado, como está ainda hoje. No mail novo surgia a minha inscrição, com todos os meus dados: nome completo, número de identificação civil, data de nascimento, freguesia de recenseamento, endereço eletrónico. Apesar de dar algum trabalho, todas as informações poderiam ser conseguidas em documentos públicos. A isso acrescia a morada, única informação que surgia errada. No lugar dela estava a morada de uma associação política de que faço parte e que recentemente se desvinculou de um partido político.
Sem grandes dramas, telefonei para um dirigente socialista que conheço e que está ligado ao processo, em representação de uma das candidaturas. Pedi para, se fosse possível, solicitar que o meu nome fosse retirado doa cadernos eleitorais. Não sou nem militante nem simpatizante do PS. Não faria qualquer sentido eu votar numas primárias de um partido que não contará com o meu voto nas legislativas do ano que vem. Mais importante: não me inscrevi na coisa. Alguém me inscreveu e, coisa muito mais estranha, conseguiu confirmar a minha inscrição. Felizmente para mim, o erro na morada denuncia a fraude. Fiquei descansado e decidido a não pensar mais no assunto nem a torná-lo público. Uma piada é uma piada e no mail vinha um código de validação da inscrição, pelo que pensei que sem o usar em algum lado não estava definitivamente inscrito. Limitei-me a dizer, num programa de televisão, que estava certo que havia pessoas que estavam inscritas naquelas primárias contra a sua vontade. Na realidade, mais certo não podia estar.
Até que esta semana, recebi, como suposto eleitor nas primárias do PS, um mail da candidatura de António José Seguro: “É com muito orgulho que me dirijo a si, para lhe dar as boas vindas e agradecer-lhe a sua inscrição nas Eleições Primárias de 28 de Setembro.” Percebo que afinal continuo nos cadernos eleitorais internos de um partido que não é o meu, escrevi para o endereço que me surge na resposta à minha falsa inscrição, fazendo o mesmo pedido que já fizera oralmente. Mas sabendo como funcional estes processos kafkianos, suspeito que já não saio daquela lista.
Acredito, claro está, que o PS não tenha nenhuma responsabilidade em tudo isto, até porque não vejo o que poderia ganhar com uma fraude que facilmente seria pública. Ou alguém me quer envolver num processo político que não me diz respeito, fazendo com que o meu nome surja nos cadernos eleitorais do PS, ou se trata de uma forma de descredibilizar as primárias socialistas, ou, mais provável, não passa tudo de uma piada inconsequente.
Não me tira o sono mas deve tirar o sono aos socialistas. Da mesma forma que o meu nome está entre 130 mil pessoas que supostamente se inscreveram e confirmaram a sua inscrição nas primárias socialistas, outras lá estarão contra a sua vontade. Alguém pode votar por elas ou por mim? Não faço ideia. Mas talvez o meu caso, com a pouca importância que tem, seja um bom aviso para as fragilidades de cadernos eleitorais construídos com base em inscrições na Net sem qualquer rigor na determinação do que pode ser o universo eleitoral de um processo deste género. Se comigo foi tão fácil…
Só parece estranho nesta história de Daniel Oliveira, que, depois de contar factos tão escabrosos, venha desculpar o PS…

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