Assim
que começou a desenvolver-se o processo das primárias no PS, para o cidadão
comum mais atento ficou uma forte desconfiança sobre a transparência à volta
das inscrições dos chamados simpatizantes. Desde logo, este conceito é
suficientemente vago para não evitar fraudes. Depois, a crispação que tem
crescido à volta dos candidatos, poderia levar à tentação do vale tudo.
A
história, contada (na primeira pessoa) pelo jornalista Daniel Oliveira no Expresso
Diário de ontem, pode configurar um triste exemplo dos receios acima expostos. Ei-la:
Há
uns dias recebi, para espanto meu, um mail do Partido Socialista. A mensagem
lamentava que a minha inscrição nas primárias do PS não estivesse completa: “A sua
inscrição nas eleições Primárias 2014 do PS ainda não está completa. No passado
dia 15/7/2014 às 11:32 recebemos um pedido de registo do seu mail nas eleições Primárias
2014, tendo sido enviado para o seu email um pedido de confirmação, ao qual não
respondeu. Se não recebeu nenhum email da nossa parte, pedimos que o procure na
pasta Lixo eletrónico/Spam. Em alternativa , pode copiar o seguinte endereço e colar
diretamente na barra de endereços do seu browser [endereço]. Relembramos que a
sua inscrição nas eleições primárias 2014 só fica concluída após a sua
confirmação.” Sorri, percebendo que alguém me tentara inscrever como piadinha. O
meu nome podia fazer companhia ao de Jacinto Leite Capelo Rego, para
desacreditar o processo.
Qual
o meu espanto quando duas horas depois, recebo o segundo mail: “recenseamento
efetuado com sucesso”. Ainda fui ver o mail antigo, para ver se tinha cometido
algum erro e clicado onde não devia. Nada. Lá estava o link, com o seu azul
imaculado, como está ainda hoje. No mail novo surgia a minha inscrição, com
todos os meus dados: nome completo, número de identificação civil, data de
nascimento, freguesia de recenseamento, endereço eletrónico. Apesar de dar
algum trabalho, todas as informações poderiam ser conseguidas em documentos públicos.
A isso acrescia a morada, única informação que surgia errada. No lugar dela
estava a morada de uma associação política de que faço parte e que recentemente
se desvinculou de um partido político.
Sem
grandes dramas, telefonei para um dirigente socialista que conheço e que está
ligado ao processo, em representação de uma das candidaturas. Pedi para, se
fosse possível, solicitar que o meu nome fosse retirado doa cadernos
eleitorais. Não sou nem militante nem simpatizante do PS. Não faria qualquer
sentido eu votar numas primárias de um partido que não contará com o meu voto
nas legislativas do ano que vem. Mais importante: não me inscrevi na coisa. Alguém
me inscreveu e, coisa muito mais estranha, conseguiu confirmar a minha inscrição.
Felizmente para mim, o erro na morada denuncia a fraude. Fiquei descansado e
decidido a não pensar mais no assunto nem a torná-lo público. Uma piada é uma
piada e no mail vinha um código de validação da inscrição, pelo que pensei que
sem o usar em algum lado não estava definitivamente inscrito. Limitei-me a
dizer, num programa de televisão, que estava certo que havia pessoas que
estavam inscritas naquelas primárias contra a sua vontade. Na realidade, mais
certo não podia estar.
Até
que esta semana, recebi, como suposto eleitor nas primárias do PS, um mail da
candidatura de António José Seguro: “É com muito orgulho que me dirijo a si,
para lhe dar as boas vindas e agradecer-lhe a sua inscrição nas Eleições Primárias
de 28 de Setembro.” Percebo que afinal continuo nos cadernos eleitorais internos
de um partido que não é o meu, escrevi para o endereço que me surge na resposta
à minha falsa inscrição, fazendo o mesmo pedido que já fizera oralmente. Mas sabendo
como funcional estes processos kafkianos, suspeito que já não saio daquela
lista.
Acredito,
claro está, que o PS não tenha nenhuma responsabilidade em tudo isto, até
porque não vejo o que poderia ganhar com uma fraude que facilmente seria
pública. Ou alguém me quer envolver num processo político que não me diz
respeito, fazendo com que o meu nome surja nos cadernos eleitorais do PS, ou se
trata de uma forma de descredibilizar as primárias socialistas, ou, mais
provável, não passa tudo de uma piada inconsequente.
Não
me tira o sono mas deve tirar o sono aos socialistas. Da mesma forma que o meu
nome está entre 130 mil pessoas que supostamente se inscreveram e confirmaram a
sua inscrição nas primárias socialistas, outras lá estarão contra a sua vontade.
Alguém pode votar por elas ou por mim? Não faço ideia. Mas talvez o meu caso,
com a pouca importância que tem, seja um bom aviso para as fragilidades de
cadernos eleitorais construídos com base em inscrições na Net sem qualquer
rigor na determinação do que pode ser o universo eleitoral de um processo deste
género. Se comigo foi tão fácil…
Só parece estranho nesta história de Daniel
Oliveira, que, depois de contar factos tão escabrosos, venha desculpar o PS…
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