Se
bem que seja bom não esquecer que, para Salazar, em matéria educativa, os
portugueses não precisavam mais do que saber ler, escrever e contar, é bom
recordar também que na parte final do regime, Marcelo Caetano percebeu o “papel
social” da educação e a necessidade de a expandir, chamando para o efeito Veiga
Simão, um homem não conotado com o regime. Como muito bem diz Santana Castilho no
texto que assina hoje no Público e que reproduzimos a seguir, Marcelo Caetano “tentou
abrir o futuro”. Mas, numa ditadura, não há democratização possível de qualquer
sector da sociedade.
De
qualquer maneira, em democracia, Passos Coelho persiste cada vez mais nos implacáveis
cortes no mundo da educação e da ciência e essas políticas terão consequências terríveis
no futuro do país.
Atente-se
nos números apresentados por Santana Castilho.
Pese
tudo o que de mau os mais velhos viveram sob as políticas do Estado Novo, é
inegável que até ele, Estado Novo, percebeu que era imperioso melhorar as
fronteiras deploráveis do analfabetismo de então. Porque, até ele, Estado Novo,
aceitou como inevitável o papel que a Educação tem no progresso humano.
Stiglitz,
Nobel da Economia de 2001, foi peremptório quando afirmou que a Educação é
vital para o êxito das sociedades e que cortar em Educação é agravar as
desigualdades sociais (O Preço da Desigualdade, Bertrand, 2013).
Vai
iniciar-se o ano-lectivo de 2014-15. Teremos (já estamos a ter) um desfile
banal dos mesmíssimos problemas de processo e de vergonha, que dissimulará uma
verdade tão inconveniente como indesmentível: em três anos deste Governo, a Educação
regrediu como nunca aconteceu, mesmo em pleno Estado Novo.
As
famílias portuguesas, esmagadas com um empobrecimento executado com tanta
desumanidade quanta a ignorância que o decidiu, (é ver o reconhecimento do erro
que começa a ganhar eco no seio dos meios de decisão europeia) viram o esforço
com o custo da educação dos filhos subir exponencialmente, na razão inversa da
redução do esforço do Estado. E isso irá esmagá-las ainda mais quando os filhos
que abandonaram os cursos de formação superior entrarem no difícil e fechado
mercado de trabalho. Porquê? Porque na faixa etária dos 25 aos 34 anos, tomando
por referência o salário médio de quem tem formação secundária, se verifica que
um activo empregado apenas com o ensino básico tem um salário médio 25% mais
baixo, enquanto o salário médio dos trabalhadores com licenciatura é 46,3% mais
alto (Education at a Glance 2013, OCDE).
A
discussão que antecipou a recente aprovação de mais um orçamento rectificativo
permitiu percebermos que, enquanto o Estado foi recordista a arrecadar receita
proveniente de impostos, voltou a crescer a sua despesa primária (expressa
antes de juros de dívida ou medidas extraordinárias). Mas, no mundo da Educação
e da Ciência, impressiona a regularidade e a persistência implacável dos
cortes. Traduzidos em termos reais, os números relativos aos orçamentos de
Estado de 2012, 2013 e 2014 demonstram que este governo retirou 1.751,6 milhões
de euros ao financiamento do ensino pré-escolar, básico e secundário (- 25,7%)
e 401,2 milhões de euros ao financiamento do ensino superior e ciência
(-16,1%). Se apertarmos a malha da análise e descermos às acções que
particularizam os gastos, percebemos melhor o desrespeito com que o Governo
trata os cidadãos: a educação especial, onde se incluem as crianças portadoras
de deficiências, reduziu 15.3%; a educação e formação de adultos, 38,6%; os
complementos educativos, no sector não superior, 47,6%; os serviços de apoio no
ensino superior, 68,8%.
Não
são precisos altos recursos intelectuais ou capacidade especial para decifrar a
linguagem hermética dos relatórios das contas públicas para percebermos de que
é feito o coração de quem governa. É uma evidência que esta forma de tratar a
Educação, junta à chaga do desemprego, está a gerar um gravíssimo desenquadramento
social dos mais débeis, infelizmente a maioria dos portugueses, depois do
varrimento selectivo da classe média. Até o Estado Novo, repito, compreendeu o
papel social da Educação, quando a ruptura o começou a ameaçar. Marcello
Caetano chamou Veiga Simão, um homem de rasgo. Passos Coelho foi buscar Nuno
Crato, uma coisa de trago. Marcello Caetano tentou abrir o futuro. Passos
Coelho fechou-o. A Constituição assumiu a universalidade do ensino como veículo
fundamental da criação de um Estado moderno. Passos só não derrogou essa
universalidade porque existe um Tribunal Constitucional. Mas Crato
encarregou-se de a iludir por via administrativa e financeira.
Por
mais que os jihadistas do neoliberalismo tenham, durante os últimos três anos,
tentado convencer os portugueses de que a direcção e intervenção do Estado nos
sectores vitais da vida em sociedade trava a liberdade, mostram os factos da
história deste curto período que não há desenvolvimento social quando a
política caminha nesse sentido. Foi essa orientação que trouxe a escola pública
para onde está no início de mais um ano lectivo: alvo de descredibilização
sistematicamente programada, vítima de uma ignóbil estigmatização da profissão
de professor. Tudo orquestrado e executado por quem, constitucionalmente, devia
defender e promover uma e outros.
Está tudo a postos para o
início de mais um ano em escolas de dimensão infra-humana, que se assemelham
cada vez mais a cadeias de montagem: pedagogia vergada à econometria, arautos
de estatísticas hipócritas nos comandos, burocratas de interesses privados
mercantilizando o ensino, governantes ensimesmados em delírios de sucesso e de
infantilização eterna.
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