quarta-feira, 10 de setembro de 2014

OS NOSSOS JIHADISTAS DO NEOLIBERALISMO


Se bem que seja bom não esquecer que, para Salazar, em matéria educativa, os portugueses não precisavam mais do que saber ler, escrever e contar, é bom recordar também que na parte final do regime, Marcelo Caetano percebeu o “papel social” da educação e a necessidade de a expandir, chamando para o efeito Veiga Simão, um homem não conotado com o regime. Como muito bem diz Santana Castilho no texto que assina hoje no Público e que reproduzimos a seguir, Marcelo Caetano “tentou abrir o futuro”. Mas, numa ditadura, não há democratização possível de qualquer sector da sociedade.
De qualquer maneira, em democracia, Passos Coelho persiste cada vez mais nos implacáveis cortes no mundo da educação e da ciência e essas políticas terão consequências terríveis no futuro do país.
Atente-se nos números apresentados por Santana Castilho.
Pese tudo o que de mau os mais velhos viveram sob as políticas do Estado Novo, é inegável que até ele, Estado Novo, percebeu que era imperioso melhorar as fronteiras deploráveis do analfabetismo de então. Porque, até ele, Estado Novo, aceitou como inevitável o papel que a Educação tem no progresso humano.
Stiglitz, Nobel da Economia de 2001, foi peremptório quando afirmou que a Educação é vital para o êxito das sociedades e que cortar em Educação é agravar as desigualdades sociais (O Preço da Desigualdade, Bertrand, 2013).
Vai iniciar-se o ano-lectivo de 2014-15. Teremos (já estamos a ter) um desfile banal dos mesmíssimos problemas de processo e de vergonha, que dissimulará uma verdade tão inconveniente como indesmentível: em três anos deste Governo, a Educação regrediu como nunca aconteceu, mesmo em pleno Estado Novo.
As famílias portuguesas, esmagadas com um empobrecimento executado com tanta desumanidade quanta a ignorância que o decidiu, (é ver o reconhecimento do erro que começa a ganhar eco no seio dos meios de decisão europeia) viram o esforço com o custo da educação dos filhos subir exponencialmente, na razão inversa da redução do esforço do Estado. E isso irá esmagá-las ainda mais quando os filhos que abandonaram os cursos de formação superior entrarem no difícil e fechado mercado de trabalho. Porquê? Porque na faixa etária dos 25 aos 34 anos, tomando por referência o salário médio de quem tem formação secundária, se verifica que um activo empregado apenas com o ensino básico tem um salário médio 25% mais baixo, enquanto o salário médio dos trabalhadores com licenciatura é 46,3% mais alto (Education at a Glance 2013, OCDE).
A discussão que antecipou a recente aprovação de mais um orçamento rectificativo permitiu percebermos que, enquanto o Estado foi recordista a arrecadar receita proveniente de impostos, voltou a crescer a sua despesa primária (expressa antes de juros de dívida ou medidas extraordinárias). Mas, no mundo da Educação e da Ciência, impressiona a regularidade e a persistência implacável dos cortes. Traduzidos em termos reais, os números relativos aos orçamentos de Estado de 2012, 2013 e 2014 demonstram que este governo retirou 1.751,6 milhões de euros ao financiamento do ensino pré-escolar, básico e secundário (- 25,7%) e 401,2 milhões de euros ao financiamento do ensino superior e ciência (-16,1%). Se apertarmos a malha da análise e descermos às acções que particularizam os gastos, percebemos melhor o desrespeito com que o Governo trata os cidadãos: a educação especial, onde se incluem as crianças portadoras de deficiências, reduziu 15.3%; a educação e formação de adultos, 38,6%; os complementos educativos, no sector não superior, 47,6%; os serviços de apoio no ensino superior, 68,8%.
Não são precisos altos recursos intelectuais ou capacidade especial para decifrar a linguagem hermética dos relatórios das contas públicas para percebermos de que é feito o coração de quem governa. É uma evidência que esta forma de tratar a Educação, junta à chaga do desemprego, está a gerar um gravíssimo desenquadramento social dos mais débeis, infelizmente a maioria dos portugueses, depois do varrimento selectivo da classe média. Até o Estado Novo, repito, compreendeu o papel social da Educação, quando a ruptura o começou a ameaçar. Marcello Caetano chamou Veiga Simão, um homem de rasgo. Passos Coelho foi buscar Nuno Crato, uma coisa de trago. Marcello Caetano tentou abrir o futuro. Passos Coelho fechou-o. A Constituição assumiu a universalidade do ensino como veículo fundamental da criação de um Estado moderno. Passos só não derrogou essa universalidade porque existe um Tribunal Constitucional. Mas Crato encarregou-se de a iludir por via administrativa e financeira.
Por mais que os jihadistas do neoliberalismo tenham, durante os últimos três anos, tentado convencer os portugueses de que a direcção e intervenção do Estado nos sectores vitais da vida em sociedade trava a liberdade, mostram os factos da história deste curto período que não há desenvolvimento social quando a política caminha nesse sentido. Foi essa orientação que trouxe a escola pública para onde está no início de mais um ano lectivo: alvo de descredibilização sistematicamente programada, vítima de uma ignóbil estigmatização da profissão de professor. Tudo orquestrado e executado por quem, constitucionalmente, devia defender e promover uma e outros.
Está tudo a postos para o início de mais um ano em escolas de dimensão infra-humana, que se assemelham cada vez mais a cadeias de montagem: pedagogia vergada à econometria, arautos de estatísticas hipócritas nos comandos, burocratas de interesses privados mercantilizando o ensino, governantes ensimesmados em delírios de sucesso e de infantilização eterna.

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