“Nada
nem ninguém parecem hoje a salvo do ímpeto destruidor da nova ordem económica
mundial” afirma a certa altura do texto que transcrevemos do Público de hoje, o
Prof. catedrático jubilado Mário Vieira de Carvalho, a propósito do domínio total
que o neoliberalismo impôs à escala planetária em todas as esferas de acção a
que vai tendo acesso. Tudo é levado a cabo em prol de uma pequena minoria que,
à custa da destruição de milhões de vidas e do planeta em que vivemos, se
banqueteia lautamente sem, inclusive, perceber que a sua acção devastadora também
os irá atingir um dia.
Já
que as máquinas militares não fazem mais que defender interesses privados muito
restritos em vez das pátrias dos cidadãos do mundo, não faz qualquer sentido
que dinheiros públicos sejam esbanjados e milhões de pessoas vejam as suas
vidas destruídas em prol de interesses que não são os seus.
A
gestão desastrada da crise da Ucrânia teve a sua origem na sofreguidão com que
a União Europeia quis roubar à esfera de influência da Rússia um enorme
pronto-a-usar de matérias-primas e mão-de-obra barata. Para animar o mercado
único europeu, tão definhado, um balão de oxigénio assim vinha mesmo a calhar.
Os “investidores” (leia-se: especuladores) já salivavam com a perspetiva das
“pipas de massa” com que iriam cevar a sua insaciável gula. Coisas demasiado
apetecíveis para continuarem somente a saque das oligarquias do Leste.
Tudo
começou com La Grande Bouffe servida por Ieltsin, a qual,
porém, não passou de um pequeno episódio desse outro saque de dimensões outrora
inimagináveis que tem vindo a exaurir os recursos materiais e humanos à escala
planetária e acabou por atingir, para surpresa de muitos, o coração da própria
Europa Ocidental. Nada nem ninguém parecem hoje a salvo do ímpeto destruidor da
nova ordem económica mundial. Esta transformou-se numa verdadeira “arma de
destruição maciça”. O grau de destruição mede-se não só em milhões e milhões de
pessoas condenadas ao desemprego, à pobreza, à fome, à doença, ao
analfabetismo, à iliteracia, à exclusão social, à escravidão, à morte prematura
(não esqueçamos a mortalidade infantil), mas também em catástrofes ambientais
de dimensão e consequências cada vez mais assustadoras. Que nome merecem
aqueles que instituíram e gerem esta nova forma totalitária de “banalidade do
mal” – seja como seus beneficiários diretos, seja como seus agentes?
“Terroristas” não será um nome apropriado? Numa época marcada pelo “relativismo”
ou “contextualismo”, aceitemos que também em matéria de “terrorismo” tudo
depende, afinal, do ponto de vista!
Passando
das “armas de destruição maciça” da guerra económica para as “armas
convencionais” (por enquanto!) da esfera militar, quem será mais “terrorista”
do ponto de vista da vítima: O lançador de rockets de Gaza que ameaça a
segurança dos vizinhos e causa aleatoriamente algumas mortes, ou o Estado de
Israel que bombardeia com a mais apurada precisão tecnológica casas e bairros
de habitação, exterminando famílias inteiras que lá vivem encurraladas? Os
jihadistas, que fazem exposição pública mediática das suas atrocidades, ou os
militares argentinos e chilenos que as perpetravam à porta fechada, durante a
ditadura, sob a cândida indiferença da CIA? Os rebeldes de Donetsk que lutam de
armas na mão para impor negociações sobre o estatuto do território, ou o
governo de Kiev que não os reconhece como interlocutores e insiste em resolver
o conflito à bomba?
Nem
mesmo um observador de segunda ordem conseguirá dar uma resposta satisfatória a
estas questões. De qualquer modo, parece ser hoje óbvio que a situação caótica
de conflitos armados a que chegámos na Europa e imediações não é separável da
situação caótica da economia mundial ou dos interesses e princípios que a
desgovernam desde o início dos anos 80.
No
entanto, aqueles que demonizam o investimento público e pretendem levar até ao
fim o seu projeto de desmantelamento do Estado são os mesmos que já acenam de
novo com o espetro duma guerra na Europa. Talvez vejam nela uma solução caída
do céu para o desemprego em massa.
Mas,
que pretenderão eles exatamente: reabilitar agora, para fazer a guerra, as
virtudes do investimento público que sempre renegaram na paz? Acabar com a
austeridade, para armar exércitos, enquanto recusam suspendê-la para gerar
emprego, desenvolvimento humano e coesão social?
Se a austeridade é para
manter, há que extrair as consequências. Privatize-se também a máquina militar,
já que não há pátrias a defender, mas sim apenas poderosos interesses
privados – transnacionais e transterritoriais – dissimulados sob
diferentes máscaras.
Sem comentários:
Enviar um comentário