O
que em primeiro lugar, e de forma destacada, se encontra neste momento em causa
no Brasil é a defesa da democracia e da liberdade. Como “democracia e liberdade
são indivisíveis”, no indiscutível entendimento das três conhecidas personalidades
públicas (*) que assinam o seguinte artigo de opinião que transcrevemos do “Público”
de ontem, seria natural que houvesse em Portugal uma inequívoca unanimidade, da
direita à esquerda, relativamente aos riscos de ser instaurada no país irmão
uma nova ditadura, desta vez, através do voto popular. Pelo que nos vamos
apercebendo, globalmente falando, a direita portuguesa não se encontra muito
preocupada com esta situação, ainda que se pressinta que o céu pode estar
prestes a desabar sobre os brasileiros. Como diz o povo, quem cala consente…
Um
exemplo que todos recordamos, aconteceu recentemente em França e todos sabemos
qual foi a posição da esquerda quando se perfilou no horizonte uma vitória da
extrema-direita através da Le Pen. Era a democracia que aqui estava em jogo e
havia que cerrar fileiras por parte dos democratas perante um perigo iminente. Votar
em Macron foi a solução ainda que este não fosse o candidato preferido pela
esquerda mas o único capaz de derrotar a extrema-direita. Este exemplo poderá
não vir a ser seguido no Brasil e, se tal acontecer, receia-se bem que os
cidadãos do país irmão irão pagar uma pesada factura por essa decisão.
A
primeira volta das eleições presidenciais brasileiras confirmou o avanço da
estratégia do choque e pavor: quase metade dos eleitores deu o seu voto a Jair
Bolsonaro, que tem feito carreira pedindo o assassinato de dezenas de milhares
de pessoas, sugerindo a esterilização das mulheres pobres e desprezando os
valores essenciais da liberdade e democracia. A desagregação do sistema
político brasileiro, em particular desde a impugnação da presidente Dilma
Rousseff, a quem, aliás, não foi imputado qualquer crime mas apenas
irregularidades de gestão orçamental, está a ser acentuada por esta vertigem de
ódio personificada por Bolsonaro. Numa sociedade tão marcada pela desigualdade
social e por divisões profundas, a política do ódio ganhou espaço e conseguiu
apoios vastos, entre associações empresariais, dirigentes dos partidos
tradicionais, e várias igrejas, envolvendo mesmo intervenções partidarizadas de
juízes. Assim, um fascista pode ganhar as eleições numa das maiores democracias
do mundo, ameaçando as regras básicas da vida social. Quando a sinistra memória
de Pinochet ou de Videla ainda está tão presente, este clamor por uma ditadura
militar não pode ser ignorado.
Há
mais de 200 anos, Goya pintou um drama a que deu o título de “O sono da razão
produz os monstros”. Foi sempre assim, mas por vezes leu-se nesta constatação a
rendição perante a inevitabilidade. Pela nossa parte, não aceitamos soluções
irracionais nem o silêncio cobarde perante as tragédias anunciadas. É por isso
que, considerando os nossos pontos de vista distintos, nos juntamos hoje para
um apelo fundamental contra a ameaça monstruosa no Brasil, que afecta todos os
povos, em particular na América Latina, mas também noutros continentes.
De
facto, a peste antidemocrática está a espalhar-se. Assistimos com preocupação à
separação de crianças dos seus pais e a depoimentos judiciais de meninos e
meninas de dois e três anos em casos de expulsão de imigrantes nos Estados
Unidos. Notamos a normalização da violação dos direitos humanos no tratamento
em vários países europeus de refugiados de guerras e de imigrantes que fogem da
fome. Indigna-nos a conivência de um grande partido europeu com a campanha de
desmantelamento da independência do sistema judiciário e da liberdade de
imprensa na Hungria. Lemos com indignação o reconhecimento pelo presidente das
Filipinas da sua actuação em assassinatos extrajudiciais. Que o Brasil possa
vir a ser um novo campo para a discriminação das diferenças, o desprezo pelas
mulheres ou a vertigem da violência é também motivo para preocupação, e
sobretudo para uma escolha que ninguém deve ignorar: pela nossa parte, tomamos
posição contra a indignidade.
Notamos
ainda que muitos responsáveis políticos que apelaram à rejeição da
extrema-direita quando a segunda volta das eleições presidenciais francesas
opunha Jean-Marie Le Pen e Chirac ou, depois, Marine Le Pen e Macron, se calam
agora perante uma opção tão clara, se não ainda mais gritante. Pelo nosso lado,
não nos deixamos condicionar por calculismos mesquinhos. A democracia e a
liberdade são indivisíveis. Os democratas e a democracia brasileira contam com
a nossa integral solidariedade e empenho.
(*) Diogo Freitas do
Amaral, Pilar del Rio e Francisco Louçã
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