Catarina
Martins, Jean-Luc Mélenchon, Pablo Iglesias e Soren Sondergaard, respectivamente
lideres do Bloco de Esquerda, France Insoumise, Podemos e Aliança Vermelha e
Verde da Dinamarca, assinam o texto que veio à estampa no “Público” desta
quinta-feira (dia 18 de Outubro), que reproduzimos a seguir e que, a nosso ver,
deveria ter tido uma divulgação mais ampla.
O
tema aflorado tem a ver, segundo estes líderes da esquerda europeia, com a
recusa de aplicação de “normas de direito internacional
relativas aos refugiados, entre outros”, por parte de países em que os
respectivos governos são dominados pela extrema-direita, sem que nada de concreto
seja levado a cabo por parte da União Europeia.
As forças progressistas que assinam
o texto declaram claramente que se opõem “às soluções de uma União Europeia que
sofre de uma grave falta de solidariedade e de respeito pelos direitos humanos”.
Esta semana decorre em Bruxelas mais um Conselho Europeu, o
primeiro desde que o governo austríaco, liderado por Sebastian Kurz, assumiu a
presidência do Conselho da União Europeia. O espectro político europeu está a
deslocar-se para a extrema-direita, com a formação de um governo italiano
composto pelo Movimento 5 Estrelas e pela Liga, bem como com a agenda autoritária
em países como a Hungria ou a Polónia, que abertamente viraram as costas às
normas de direito internacional relativas aos refugiados, entre outros.
No atual nível de polarização, vozes como as de Salvini e
Macron, ao invés de rivais, demonstram ser completamente complementares. É
precisamente a ausência de uma solidariedade europeia que, combinada com
políticas de austeridade, tem alimentado a xenofobia na Europa ao longo dos
últimos anos e que agora permite a Salvini agir contra os migrantes em Itália.
A presidência de Kurz marca o aprofundamento das tendências reacionárias do
espectro político europeu, alimentando a narrativa da escassez de recursos para
aumentar a competitividade entre os oprimidos. Esta narrativa, criada e
alimentada pelo neoliberalismo, une as forças reacionárias do “extremo-centro”
de Macron à extrema-direita de Salvini.
Como forças progressistas emergentes, opomo-nos às soluções de
uma União Europeia que sofre de uma grave falta de solidariedade e de respeito
pelos direitos humanos. As supostas soluções dos últimos meses, de distribuir
os migrantes resgatados no Mediterrâneo por uns quantos países, não são
suficientes se não servirem para promover uma política de acolhimento efetiva e
duradoura. Face a esta situação, queremos dizer de forma inequívoca que nos
opomos à política transfronteiriça da UE, levada a cabo pela Frontex, que
condena milhares de pessoas à morte no Mediterrâneo, e que permite o aumento de
vozes autoritárias como a de Salvini. Também nos opomos firmemente à política
desta Europa fortaleza, baseada na externalização das fronteiras, violando a
soberania de estados terceiros e que faz da UE a responsável pelas mortes,
violações e tortura que ocorrem contra os requerentes de asilo na Líbia e em
todo o continente africano, ao mesmo tempo que se abre o caminho às redes de
tráfico de seres humanos. Este desrespeito pelos direitos humanos e pelos
princípios do direito internacional relativos à concessão do estatuto de
refugiado é um grande perigo também para os próprios povos da Europa.
Além disso, a União Europeia tem enormes responsabilidades na
origem destes movimentos migratórios: com a exportação de armas, a pilhagem dos
recursos naturais, com políticas que promovem a concentração da riqueza por
parte das multinacionais, acordos de livre comércio e uma ampla promoção da
corrupção. No entanto, ao colocarem o foco apenas no debate da migração, Macron
e Salvini estão a tentar esconder os problemas reais da população.
Dentro da União Europeia, recusamos a fatalidade do exílio
forçado de centenas de milhares de jovens europeus, especialmente do sul da
Europa, obrigados a abandonar os seus países devastados pelo desemprego causado
pelas políticas de austeridade. Da mesma forma, não podemos aceitar a ideia de
que seríamos impotentes frente ao crescimento de tensões internacionais e à
multiplicação de conflitos armados que levam a mortes em massa e a migrações
forçadas. Também recusamos abandonar a luta por uma profunda transformação
ecológica. Territórios inteiros do nosso planeta estão a tornar-se inabitáveis;
esta não é a evolução natural das coisas, mas antes a consequência do
aquecimento global, gerado pelos nossos níveis atuais de produção e consumo.
Defendemos uma política de acolhimento e de defesa dos direitos
fundamentais para uma UE que não fuja às suas responsabilidades. Como
declarámos em junho passado, a Europa nunca foi tão rica como hoje e, ao mesmo
tempo, nunca foi tão desigual. A implementação de políticas de austeridade não
resolveu nenhum dos problemas estruturais que conduziram a esta crise. A
política que salva bancos enquanto culpa o povo deve ser abandonada.
O Conselho Europeu de
Outubro será a demonstração de como a extrema-direita está a tentar tomar posse
do futuro da Europa. Macron e os seus amigos liberais pretenderão opor-se a ela
ao mesmo tempo que continuam a organizar a externalização das fronteiras e a
aumentar as expulsões. A solução tem de passar tanto pela defesa dos direitos
sociais e dos direitos dos trabalhadores como pela defesa das nossas instituições
democráticas e princípios feministas, LGBTQ e antirracistas. Acreditamos
firmemente que a solução deve passar por uma política de receção decente, digna
e genuína, coordenada por todos os países europeus, numa política de cooperação
internacional ao invés dos atuais acordos de livre comércio. Se nos dizem que
esta alternativa não é possível no âmbito dos atuais tratados e instituições
europeias, nós respondemos que a vontade democrática e organizada dos povos e a
reação contra a injustiça sempre foram o motor que permitiu a mudança. Esta é a
nossa prioridade: construir uma aliança internacional que coloca a
solidariedade e os direitos sociais no centro da política e acima de todos os
interesses.
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