Num
momento em que somos colocados perante uma forte possibilidade de ser eleito pela
primeira vez no Brasil um governo de cariz abertamente fascista, assistimos a
opiniões da direita segundo as quais a ascensão da extrema-direita no maior
país de língua portuguesa tem apenas a ver com questões locais, atribuindo-se
quase em exclusivo as culpas à governação do PT. Dá jeito por se tratar de um
governo que, a par de indiscutíveis erros que cometeu, providenciou no sentido da
melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos, e de uma diminuição das
desigualdades sociais, coisa nunca vista no Brasil. Houve um cheirinho a
esquerda nos governos de Lula e Dilma o que em termos actuais é quase criminoso.
Numa
análise objectiva, torna-se claro que o que está a acontecer no Brasil tem uma explicação,
acima de tudo a nível global, como facilmente se percebe pela subida ao poder
por todo o mundo de forças de extrema-direita. Dos Estados Unidos até à Europa,
exemplos não faltam como se pode ler no excelente artigo de opinião que Pedro Filipe
Soares, líder da bancada do BE no Parlamento, assina no “Público” de hoje, que
transcrevemos a seguir e também na crónica de Mariana Mortágua no JN.
Et tu, Brasil? A extrema-direita disparou na primeira
volta das eleições brasileiras, tornando real a possibilidade de alcançar a
presidência. Jair Bolsonaro bradou declarações de ódio a mulheres, negros,
homossexuais, fez a apologia da tortura e incitou à violência. Mesmo assim (ou
também por isso?) foi o candidato mais votado, com 46% dos votos. Como é
possível? Como chegamos aqui?
Algumas opiniões tentam explicar o ascenso da extrema-direita
com questões locais ou nacionais. O localismo
diz que os EUA abraçaram a extrema-direita pela perda de perspetivas dos
operários brancos, que na Inglaterra esteve em causa o soberanismo, em França o
terrorismo, em Itália foi a crise dos refugiados (ou na Suécia, Áustria,
Alemanha, etc.), que na Índia é pelo Paquistão, que no Paquistão é pela Índia,
que no Japão é pela China, no países bálticos é pela Rússia e na Rússia é pela
NATO... Enfim, a lista de países continua de forma cada vez mais assustadora e,
para todos, é apresentada uma explicação própria para o ascenso da
extrema-direita.
Este pensamento localista
afirma que a viragem no Brasil foi motivada pelo antipetismo, a insegurança e a
corrupção. Adiciona-se a tragédia durante a campanha eleitoral que se tornou
golpe de sorte para o candidato vítima de esfaqueamento. E, acrescento eu,
bebeu muito da polarização que o país viveu com a destituição de Dilma Rousseff
e o consequente eclipse do centro político partidário. Contudo, ficarmos apenas
pela análise nacional é olhar para a árvore e não ver a floresta.
A crise financeira de 2007/2008 é a origem desta movimentação de
placas tectónicas. Por esses dias, num ápice, a economia de casino ruiu e levou
consigo largos setores da economia mundial. Uma década depois, somos
confrontados com a inevitabilidade: a arrumação social imposta pela primeira
crise do capitalismo global teria necessariamente efeitos no sistema
político-partidário.
Progressivamente, assistimos à introdução de uma nova ideologia
que justifica e legitima a divisão social e tem como roupagem uma demagogia de
grande alcance popular. É a política da exclusão, do ódio, que ganha força na
redefinição do conceito de comunidade pela exclusão de largas franjas da
população. O velho “dividir para reinar”, numa casa global onde falta o pão,
aplicado com um crescente autoritarismo do Estado. O arco do autoritarismo
chega a mais de metade da população mundial: China, Rússia, Egito, Turquia,
Índia, Paquistão, crescentemente nos EUA e em implementação no Brasil, só para
citar alguns exemplos. Bolsonaro, o “Trump Tropical”, protagoniza apenas o mais
recente episódio desta série de terror, mas não será o capítulo final.
A “trumpização” da política a que assistimos é a vitória desse
projeto reacionário, que está a conseguir seduzir parte considerável da direita
tradicional. Na concorrência com o sucesso eleitoral dos projetos de
extrema-direita, a direita tradicional abraça cada vez mais as propostas
extremistas numa tentativa de se salvar. São areias movediças, que depois de
pisadas não têm retorno, nem bom resultado para os povos.
Bolsonaro ganhou, mas
ainda não venceu. O Brasil assustou, mas ainda se pode salvar. Três semanas é o
tempo que nos separa do abismo. Lá, como por cá, precisamos de um projeto forte
para uma sociedade inclusiva, que defende os povos da globalização e criar uma
economia onde cabem todas e todos. É essa a salvação da democracia das garras
dos ultras.
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