Por
muitos livros de memórias (ou outros) que escreva, por muitas intervenções
públicas que tenha, numa patética tentativa de permanecer à tona da actualidade
política portuguesa, a verdade é que o Prof. Cavaco, o máximo que poderá
aspirar é a uma nota de pé de página na História do Portugal democrático que o
25 de Abril trouxe. Aliás, todo o seu passado e carácter apontam-no como uma figura
bem enquadrável na fase final da ditadura salazarista/marcelista. Foi sempre
bem notória a sua dificuldade para lidar com a democracia, de que é um exemplo o
azedume que revelou perante a realidade incontornável de ter de dar posse a um
Governo do PS sustentado pela restante esquerda parlamentar.
A
propósito do livro que Cavaco Silva acaba de lançar, Pedro Filipe Soares, líder
parlamentar do Bloco de Esquerda, relembra hoje em artigo de opinião que assina
no “Público” alguns episódios negros que ilustram a acção governativa do ex-PR.
Cavaco Silva lança hoje um novo livro com as memórias
do seu segundo mandato presidencial. Diz o ex-inquilino de Belém que, assim,
termina a prestação de contas aos portugueses. É verdade que o país tem muitas
contas a ajustar com Cavaco Silva, mas não creio que isso se resolva com livros
de (más) memórias. Da minha parte, dispensava essa assombração
O curriculum de Cavaco Silva quase parece
cadastro. No que toca aos maus exemplos do Portugal democrático, Cavaco Silva
tem a caderneta cheia: desperdício de milhões de euros de fundos europeus,
ludíbrio das famílias que perderam muitas poupanças nas promessas de um
capitalismo popular e privatizações de empresas públicas estratégicas ao
desbarato.
Para quem está a pensar que, pelo menos, o professor
não esteve envolvido em nenhum escândalo de corrupção, recordo três letrinhas
apenas: BPN. O processo do Banco Português de Negócios está no pódio das
fraudes do século XXI e teve como grandes protagonistas os amigos e discípulos
de Cavaco Silva.
Eu leria com muito mais interesse as memórias desses
anos do BPN e da SLN, mas o ex-Presidente sobre isso sempre teve uma curiosa
memória seletiva. Seria mais útil essa informação, porque talvez pudesse ajudar
o Estado a recuperar parte dos quase quatro mil milhões de euros que teve de
meter no buraco laranja. Contas feitas, são cerca de 366 euros que cada
contribuinte teve de pagar pelo buraco criado pelas negociatas do BPN. Ver esse
dinheiro de volta seria o mais importante serviço público que Cavaco Silva
podia prestar ao país. Sr. professor, pense nisso.
Mas, regressando ao livro que hoje chega às bancas,
diz-se que se debruça em particular sobre dois períodos: a fase irrevogável de
Paulo Portas e a criação da “geringonça”. À acusação de infantilidade dirigida
ao antigo líder do CDS, deverá ser o próprio a responder. Agora, não há
novidade na sua falta de patriotismo, como demonstrou a permanente
subserviência a Bruxelas.
Já no que toca ao período que se seguiu às eleições de
2015, a revisitação histórica de Cavaco Silva roça o absurdo. Este arauto da
desgraça, que fazia as delícias dos velhos do restelo, escreve no livro que não
duvidou que a “geringonça” veio para ficar. Cavaco interpreta Cavaco para nunca
ficar mal na fotografia. O único problema é que esta mentira não é minimamente
credível, como todo o país testemunhou.
Cavaco Silva ensaiou uma crise política a seguir às
eleições legislativas. Foram 50 dias em que o país ficou refém do choque
cavaquista com o resultado eleitoral. Para ele, os votos no Bloco de Esquerda e
no PCP nunca poderiam influenciar um governo, eram votos de segunda na sua
enviesada conceção da democracia portuguesa. A direita estava agarrada ao poder
e Cavaco Silva o principal ator deste braço de ferro. No fim, venceu a
Constituição e o voto popular, perdeu a visão redutora e enviesada de Cavaco.
Para a história ficará a sua intervenção pública na
indigitação de António Costa para formar governo. Se alguém quiser saber o
significado de azia política tem nesse ato um exemplo magistral. Vencido
perante o Parlamento, Cavaco Silva expôs aí o seu desejo de um desfecho trágico
para a solução política que estava a dar os primeiros passos. Quatro anos
depois, o livro expõe essa acidez monumental.
As vitórias que o país alcançou desde 2015 contam-se
como derrotas profundas de Cavaco Silva. O aumento do Salário Mínimo Nacional,
que em quatro anos subirá 95 euros mensais, não causou desemprego nem recessão
económica. A realidade mostrou como foi essencial para a criação de emprego
desmontando a teoria neoliberal de Cavaco.
As contas públicas não colapsaram com a eliminação dos
cortes salariais, o aumento dos apoios sociais, a eliminação da sobretaxa de
IRS ou com o aumento das pensões. E até a poupadinha pensão do professor foi
beneficiada, mostrando que não guardamos ressentimentos.
A realidade demonstrou o quão errado
estava Cavaco Silva. Era possível parar a austeridade. Não nos deixa saudades.
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