Alguém
terá dito em tempos que ser realista é ser pessimista. Pois parece-nos que esta
ideia assenta como uma luva no combate às alterações climáticas. A verdade é
que o cidadão comum que está atento a esta problemática que tem em última
instância a ver com a sobrevivência da humanidade, só pode concluir que os
poderes constituídos à escala mundial pouco ou nada estão a fazer perante a
catástrofe que se aproxima a passos largos e que é necessário travar, antes que
seja demasiado tarde. Nesta sequência não podemos senão ver o nosso pessimismo
crescer à medida que o tempo passa e constatamos uma colossal hipocrisia de
quem podia tomar algumas medidas que credenciados cientistas vão reclamando,
com vista a colocar um freio no galopante aumento da temperatura no nosso
planeta. Mas não é nada disso que está a acontecer para além de umas reuniões
desgarradas de tempos a tempos, sem quaisquer decisões concretas e com efeitos
significativos. Cada uma dessas reuniões não significa mais do que um novo passo
para a beira do abismo. Apesar disto, muitos cientistas por esse mundo fora não
atiram a toalha ao chão na sua luta em defesa da vida na Terra. Um dos que em Portugal
mais se distingue é João Camargo (autor do seguinte artigo de opinião que
transcrevemos do “Público” de hoje), com constantes intervenções públicas em
vários planos, divulgando os perigos que todos corremos se se mantiver a
inacção actual.
A meta de 1,5ºC de aumento de temperatura até ao final
do século é uma meta difícil, diz-nos o mais recente relatório do painel que
reúne cientistas e governos de todo o mundo, o Painel Intergovernamental para
as Alterações Climáticas (IPCC). Se esta não for atingida, avançamos para o
descalabro dos 2ºC. Este relatório, mais contundente do que é costume, diz-nos
uma parte importante do que é preciso fazer, apresentando desafios aos quais o
sistema capitalista terá enormes dificuldades de responder. Será mais fácil
imaginar o fim do Mundo ou o fim do actual sistema económico?
A divulgação do mais recente relatório do IPCC,
aprovado na Coreia do Sul, confirma aquilo que vinha sendo registado pelos
termómetros globais e pelas medições atmosféricas por todo o mundo: o aumento
da temperatura continua inabalado, acompanhando o aumento também inabalado de
emissões de gases com efeito de estufa. Isto depois do Protocolo de Quioto, do
Acordo de Paris, depois do consenso científico à volta da existência das
alterações climáticas e da origem humana das mesmas.
Se
demorámos quase 200 anos a atingir um aumento de temperatura de 1ºC em relação
à era pré-industrial, o relatório (num cálculo cauteloso) indica-nos que na
década de 2040 chegaremos ao aumento dos 0,5ºC seguintes (com um aumento de
0,2ºC por década). Os trajectos de emissões que os países entregaram para o
Acordo de Paris (INDC) farão com que a capacidade de travar o aumento de
temperatura nos 1,5ºC se esgote já em 2030 (em vez de 2100, como dizia o
preâmbulo do acordo). Essas emissões chegariam a um nível de 52-58
gigatoneladas de CO2 equivalente em 2030.
Para
conseguir atingir o objectivo de aumento de 1,5ºC em 2100, o relatório diz que
é preciso cortar radicalmente as emissões, a única maneira credível de travar
as alterações climáticas, indicando a necessidade de um corte de 45% das
emissões globais de dióxido de carbono até 2030 e de atingir a neutralidade
carbónica em 2050. Os governos não estão a fazer nada sequer remotamente
próximo do necessário (as emissões globais continuaram a aumentar depois de
Paris). Para amenizar de algum modo estes cortes, o IPCC introduz alguns passes
de fé e mágica: em todos os cenários, o IPCC apresenta cortes de emissões
associados a tecnologias que não funcionam, como a captura e armazenamento de
carbono, e truques de contabilidade, como a produção massiva de energia a
partir de biomassa, principalmente florestal (BECCS). A influência dos Estados
Unidos e da Arábia Saudita para evitar acções climáticas concretas faz-se
sentir, pressionando para aligeirar a radicalidade do que é necessário fazer e
reduzir o alarme do que ocorrerá se não for feito muito mais do que aquilo que
foram até agora os compromissos dos governos à escala mundial (mesmo depois de
Trump ter anunciado a saída dos EUA do Acordo de Paris).
Para
se conseguir alcançar estes cortes, será necessária uma mobilização de recursos
financeiros e pessoais da magnitude daqueles que foram usados na 2.ª Guerra
Mundial, criando dezenas de milhões de empregos (seguramente muitos mais do que
aqueles destruídos). Será necessário mobilizar todos os recursos possíveis para
um corte radical de emissões, ainda superior àquele que vem no relatório,
porque a captura e armazenamento de carbono não funciona. Isso significa
mobilizar capital e lucros não para a reprodução de capital e lucros mas para
salvar a civilização humana. Negar a própria natureza do capitalismo.
Por
outro lado, nas últimas semanas a OPEP (Organização dos Países Exportadores de
Petróleo) diz que as emissões vão continuar a aumentar drasticamente nas
próximas décadas (2,2% ao ano até 2040) para responder à procura das companhias
aéreas e dos carros, que se prevê que venham a duplicar até 2040 (dos actuais
1,1 mil milhões até 2,4 mil milhões). Em Julho, a administração Trump mandou
desmantelar os regulamentos para emissões dos veículos, usando como argumento
para tal que o aumento da temperatura até 2100 será de 4ºC, pelo que por isso
não vale a pena prejudicar a competitividade da indústria automóvel americana.
Estes dizem-nos que nos sentemos na pira enquanto o mundo arde. Se aceitarmos as
projecções de Trumps e quejandos, não nos resta mais do que o niilismo.
Conseguir
travar o aumento de temperatura nos 1,5ºC não é garantir que tudo fica bem. O
clima já está muito diferente daquele que existia há três décadas (e mais ainda
na era pré-industrial). Com um aumento de 1,5ºC, em algumas regiões do globo,
significará um aumento de 4,5ºC. As ondas de calor e as temperaturas extremas
aumentarão. No Mediterrâneo, haverá um aumento acentuado de stress hídrico. Haverá mais tempestades tropicais, ciclones,
furacões e tufões. A química dos oceanos sofrerá modificações fundamentais, com
alterações na biodiversidade e nas cadeias alimentares, com inequívocos
impactos nos serviços dos oceanos e disponibilidade de alimento. As falhas nas
colheitas agrícolas em muitos locais diferentes do planeta aumentarão. A
quantidade de refugiados ambientais e climáticos disparará.
No
meio desta discussão, a impotência de governos como o português – ou a sua
simples recusa da realidade – alimenta o caminho do colapso. A restante
realidade política e social nacional não o confronta muito por isso. Poucos
assuntos andarão mais longe do discurso público e mediático em Portugal do que
a revolução necessária para salvar o clima e para manter a civilização humana.
Por isso passa sem questionamento um novo aeroporto para aumentar o tráfego
aéreo, a abertura das fronteiras marinhas para a exploração de petróleo, gás e
hidratos de metano, a expansão da rede de gás, a manutenção de centrais a
carvão em funcionamento e de concessões petrolíferas absurdas. Para o Governo
português, o assunto das alterações climáticas só serve para abrir novas áreas
de negócio.Um programa popular e social para atingir os 1,5ºC, tão radical quanto a Ciência nos aconselha hoje, é a melhor ferramenta política para o futuro – imediato e longínquo. A compatibilização com o “business as usual” do capitalismo, impossível.
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